O Parágrafo 4° do artigo 17 da Constituição federal determina: “É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar”. De ombros para a Lei Maior, o deputado Eduardo Bolsonaro usou as redes sociais, na segunda-feira (5), para convocar seguidores que tenham armas legalizadas a se transformarem em voluntários de Jair Bolsonaro. Em resposta, o PT ingressou nesta terça-feira (6) no Supremo Tribunal Federal (STF) com notícia de fato contra o deputado filho do presidente da República.
A peça deve fazer parte do inquérito (INQ 4874) que apura a atuação de uma organização criminosa que teria como um de seus fins desestabilizar instituições republicanas. O PT pede a instauração de procedimento de investigação contra Eduardo Bolsonaro e a adoção de “medidas necessárias para se evitar a arregimentação de pessoas armadas que tenham como intuito desafiar o poder posto, as instituições e o processo eleitoral em curso”.
Na ação, assinada pelos advogados Angelo Ferraro e Cristiano Zanin Martins, o PT sustenta que a postagem de Eduardo Bolsonaro “representa uma grave convocação a verdadeiras milícias armadas privadas para que engrossem as fileiras daqueles que se comprometem com um projeto autoritário e antidemocrático de não reconhecimento das autoridades públicas e da lisura do processo eleitoral, o que é vedado pela Constituição da República e pela Lei de Defesa do Estado Democrático”.
O senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos, não tem dúvida de que o deputado reincide na incitação à violência.
“Absurdo! Às vésperas de uma manifestação bolsonarista que afronta a democracia, o filho do presidente vai às redes sociais incitar militantes armados a se integrar à campanha de Bolsonaro. É mais uma tentativa de intimidação. A política do ódio não pode governar o Brasil”, reagiu o senador.
Restrição a armamento
A convocação de pessoas armadas aconteceu no mesmo dia em que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminares em três ações para suspender trechos de decretos presidenciais que facilitam a aquisição e o porte de armas. Nas ações, PT e PSB afirmam que os atos de Bolsonaro violam dispositivos do Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, e favorecem a circulação ainda maior de armas e munições.
Numa das liminares, o ministro restringiu a posse de arma somente a pessoas que justificarem efetiva necessidade, e proibiu o governo de inovar nas regras sobre o assunto com o objetivo de criar novas demandas armanentistas. Também deixou claro que a compra de armas e munições deve respeitar o interesse da segurança pública ou da defesa nacional. Fachin justificou a medida pelo risco de aumento da violência política na campanha eleitoral.
Para o senador Fabiano Contarato (PT-ES), a decisão do ministro Edson Fachin deixa o país aliviado. “Sabemos que Bolsonaro promove o armamento da população e estimula grupos de extrema direita a atos de violência. É preciso que as instituições estejam atentas e atuantes nesse processo eleitoral”, justificou o senador.
As decisões de Fachin são liminares, e devem passar ainda pelo plenário do STF. Mas a questão já poderia ter sido resolvida, caso o ministro Nunes Marques não tivesse pedido vistas do processo, exatamente um ano atrás. Como se trata de algo emergencial, relacionado às eleições que acontecem daqui a menos de um mês, advogados do PT solicitaram a intervenção do STF por meio de pedido de liminar.
Em outra decisão no caminho do combate à violência política, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu por unanimidade, na semana passada, restringir o uso de armas em locais de votação nos dois dias anteriores ao pleito e também no dia seguinte. A proibição se estende ao perímetro de até 100 metros das seções eleitorais, e vale para civis e também para agentes de força de segurança que não estejam em serviço. Como salientou na votação o ministro relator, Ricardo Lewandowski, “armas e votos não se misturam”.
Escalada de violência
Coincidência ou não, horas depois da postagem do parlamentar filho do presidente da República, as forças de segurança responsáveis pelo 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, tiveram que redobrar os cuidados no local. Havia acordo para não permitir acesso a caminhões nas avenidas que levam à Praça dos Três Poderes. Mas ao menos 10 caminhões tentaram burlar as regras, o que obrigou o comando policial a antecipar para segunda (6) à noite a interdição da Esplanada.
“Gravíssimo! Bolsonaro segue sua escalada golpista e apoiadores provocam confusão em Brasília. Caminhoneiros bolsonaristas tentaram driblar regras e entrar em área proibida. Segurança teve que ser reforçada”, alertou Humberto Costa na noite de segunda.
Para quem não lembra, no ano passado caminhoneiros forçaram as barreiras, invadiram a Esplanada na véspera do Dia da Independência e pressionaram para invadir o prédio do STF.
Pátria Armada
Em fevereiro deste ano a bancada do PT já chamava a atenção para os efeitos da escalada armamentista do país, projeto de poder de Bolsonaro. Já na época, e em razão do incentivo quase diário do presidente à compra de armas, os chamados CACs, ou colecionadores, atiradores esportivos e caçadores, detinham mais armas (648.731) que as forças de segurança do país (583.498). No Brasil, de setembro de 2022, a cada 24 horas, 449 novas pessoas conseguem o registro de CAC.
A explosão desses registros, feitos pelo Exército, é o resultado do aumento de um terço na importação de armas por não militares em 2021, na comparação com o ano anterior, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia (Siscomex).
Já os registros de armas de fogo pela Polícia Federal, ou seja, buscados pelos civis, mais do que triplicaram entre 2019 e 2021, se comparados com os números de 2016 a 2018. Nos últimos três anos, a média anual de registros foi de 153 mil armas novas, 225% a mais que no triênio anterior – portanto, antes de Bolsonaro assumir –, quando a média anual foi de 47.141. Esses dados são do Instituto Sou da Paz, que há 23 anos milita pela redução da violência no país.
Para um presidente que confessa gostar do estampido dos tiros, não há como ouvir o apelo contra o armamento de civis e contra a violência. São várias as declarações e demonstrações de apreço a armas e à violência. Um ano atrás, Bolsonaro chegou a ofender quem defende a aquisição de comida: ”tem que todo mundo comprar fuzil. Tem um idiota: ‘ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar.”