Assim como no futebol, nas últimas décadas a economia brasileira tem sido desfalcada de bilhões em ativos que buscaram no exterior uma maneira de fugir da inflação alta, regime cambial instável e carga tributária excessiva, entre outros fatores. Calcula-se que, nas últimas décadas, os brasileiros tenham enviado cerca de US$ 70 bilhões para paraísos fiscais e bancos estrangeiros. E, se até alguns clubes já conseguiram trazer de volta seus astros, será que não está na hora de também repatriar todo esse dinheiro?
Foi com esse objetivo que apresentei e venho discutindo há cinco anos o projeto de lei 354/2009, que prevê a concessão de incentivos fiscais para regularização de ativos não declarados no exterior, assim como a atualização do valor de bens declarados no passado. Tudo da forma mais legal e transparente, com mecanismos de controle realizados em conjunto com a Receita Federal, o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil e, até, sugerido nas discussões, pela Polícia Federal. Queremos permitir a internalização de dinheiro bom, inclusão na Declaração de Imposto de Renda dos recursos omitidos com base no valor de mercado. Com isso, vamos ampliar a arrecadação futura pela regularização fiscal do contribuinte e destinar os recursos para projetos de desenvolvimento econômico e social.
A proposta vem sendo discutida abertamente, com a participação de todos, e aprimoramentos, que serão implementados, surgiram destas discussões. Em poucas linhas o projeto prevê que os brasileiros que tiverem bens ou direitos no exterior e quiserem repatriá-los, aderindo ao Programa de Recuperação Fiscal, administrado pela Secretaria de Receita Federal do Brasil, poderão fazê-lo pagando uma alíquota diferenciada de Imposto de Renda. Se optarem por aplicar os recursos em cotas de fundos de investimento dedicados ao financiamento de projetos de infraestrutura, ou mesmo, já com o aprimoramento do texto, em fundos de educação ou saúde, a alíquota será ainda menor. No caso das pessoas jurídicas, também haverá uma alíquota diferenciada para pagamento de IR e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Iniciativas semelhantes já foram adotadas em países como Itália, Alemanha, Estados Unidos e Bélgica. Só a Itália, por meio do programa Scudo Fiscale, conseguiu repatriar 60 bilhões de euros. No caso do Brasil, nossa proposta incentiva a regularização tributária não apenas de quem possui bens e dólares no exterior, mas também a de todos os cidadãos com débitos junto à Receita Federal. Seria uma oportunidade justa num país que conviveu com longos períodos de altas taxas inflacionárias, desvalorização da moeda, insegurança jurídica, aumento exagerado de carga tributária e mudanças cambiais bruscas.
Para desfazer essa lógica perversa, o projeto de repatriação quer estimular a prática da cidadania fiscal e proporcionar novas bases de relacionamento do contribuinte com a Fazenda Pública. Queremos estabelecer regras jurídicas seguras e motivadoras para que todos tenham acesso a um novo modelo de relacionamento com o fisco. Mais do que isso, o projeto vai ajudar na transparência do sistema e impedir a continuação dessa prática lesiva aos cofres públicos. Nada mais justo: o contribuinte recupera sua plena cidadania, devolvendo ao país os recursos que aqui obteve; e o Estado retoma sua capacidade de investir para devolver ao cidadão os benefícios que tanto a população cobra. Se o Brasil já se acostumou com o “Tudo pelo social”, quem sabe não está na hora do “Todos pela cidadania fiscal”?
Artigo extraído do jornal O Globo desta segunda-feira (16)