Recado do Dia da Mulheres: o feminismo não quer calar ninguém, mas dialogar

Recado do Dia da Mulheres: o feminismo não quer calar ninguém, mas dialogar

Neste Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, a advogada e assessora técnica da Liderança do PT no Senado convida, por meio de um artigo, à reflexão sobre o real significado do movimento feminista. Tânia observa que por mais a sociedade tenha avançado na conquista de direitos das mulheres, “há estereótipos criados e perpetuados” para desqualificar e desvirtuar o feminismo.  Confira a íntegra do artigo abaixo:

 

Nós, essas “feministas chatas” – Por Tânia Maria de Oliveira

Emma Watson, a garota que o mundo inteiro conhece por interpretar a personagem Hermione da série Harry Potter, proferiu, em setembro de 2014, um discurso na ONU no lançamento da campanha HeForShe.

De suas emocionantes palavras extraio fragmentos para falar de um tema que costuma ser bastante discutido nas redes sociais, mas pouco nos espaços dos debates internos.

“Eu decidi que eu era uma feminista. Isso não parecia complicado pra mim. Mas minhas pesquisas recentes mostraram que feminismo virou uma palavra não muito popular. ”

Moça lúcida. Ser feminista não é popular. Não é na Inglaterra, seu país, e no Brasil tampouco. Por mais que tenhamos avançado, como sociedade, na conquista de direitos das mulheres e isso tenha ocorrido, inexoravelmente, pela força organizativa e militante dos movimentos feministas, há estereótipos criados e perpetuados em torno do termo no sentido de desqualificá-lo, moldar-lhe os significados, desvirtuá-lo.  Um deles, talvez o mais emblemático, é que “feministas são chatas”, o que estaria, em regra, associada a um potencial policiamento de comportamento efetuado pelas mulheres em relação aos homens, ou mesmo em relação a outras mulheres, por suas atitudes e palavras.

Historicamente há uma subjetividade estrutural fortemente enraizada e de difícil acesso cognitivo no comportamento e na linguagem quando se trata de questões femininas. Reduzir a militância à “chatice” enclausura o todo significante da busca de protagonismo, da quebra de tabus e mitos sobre a posição das mulheres no mundo.

Uma análise sensata sobre comportamentos irá compreender que preconceitos se manifestam o tempo todo e não se originam apenas nas e pelas ações dos indivíduos, mas de forma prévia a eles, pelo hábito e naturalidade com que a sociedade sempre os tratou.

O problema do machismo é o mesmo conferido aos preconceitos em geral. A larga maioria das pessoas não se acha machista, não se sente machista. Em decorrência, costuma etiquetar atitudes e frases como piadas ou brincadeiras. Quando e se questionada, coloca-se na posição de vítima, de quem foi mal interpretada. Se vê, de fato, como alguém a quem se está questionando a ética, o que lhe parece inaceitável.

Nesse caminho, persistir na tentativa de mostrar ao indivíduo que há espaço para repensar, para educar, esclarecer ou dialogar sobre a atitude preconceituosa é se colocar na posição de quem vai receber uma versão invertida das coisas: alguém fez uma inocente brincadeira, um trocadilho, uma piada, apresentou uma foto, uma charge, e uma “feminista chata” distorceu.

 

Apostar no diálogo e ter serenidade para se ver dentro do contexto em que frases ou atitudes ditas inocentes ou sem intenção de ofender são proferidas é exercício concreto para ultrapassar o caminho fácil e preguiçoso da repetição pelo costume. É legítimo e necessário que se chame a atenção para elas, justamente para que seja posta a possibilidade de revê-las.

 

Feministas não querem que suas vozes sirvam para calar ninguém, mas para dialogar, fazer-se ouvir e ouvir em troca. Para isso é preciso que sejam contestadas as manifestações descabidas e desmesuradas, sem o que o indivíduo perde a chance de defrontar-se com sua prática.

Parafraseando Gilberto Gil “só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão “. É o ofendido – no caso a ofendida – que pode falar sobre a ofensa, não o ofensor. Àquele cabe tentar alcançar o potencial de seu insulto, sem diminuí-lo para parecer inócuo, sem desprezá-lo para se afigurar menor.  É aí que se firma a chance de enfrentar a contradição das miudezas cotidianas das condutas machistas.

 

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