As mulheres debateram os efeitos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 287/2016) que cria novas regras de acesso à aposentadoria em audiência requerida pela senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta quinta-feira (23) no Senado.
O tema despertou muitas críticas da sociedade civil por igualar as regras para homens e mulheres e ignorar a jornada dupla que muitas mulheres pelo Brasil enfrentam diariamente, além de especificidades de algumas carreiras como o magistério e as trabalhadoras rurais.
Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), procuradora da mulher no Senado, a proposta enviada pelo atual governo ao Congresso causará profundos impactos na vida das trabalhadoras do País.
“Nós tomaremos as ruas cada vez mais. O que a Câmara aprovou ontem, um projeto de 1998, serve de alerta ao País. Precisamos muito apresentar os dados desta audiência em forma de panfleto para a população”, disse.
Além disso, a senadora afirmou ser uma manobra a decisão de Michel Temer anunciar a retirada dos servidores municipais e estaduais da reforma. Ela afirmou que o governo exigirá as mesmas medidas de estados e municípios após a aprovação da PEC 287 no Congresso.
Alternativas
Maria Lúcia Fatorelli, Coordenadora-Geral da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, mostrou dados que comprovam existir alternativas para as contas públicas, além de haver superávit anual das contas da Previdência Social.
“Somos a nona economia do mundo. Temos nióbio, petróleo, minério, 370 bilhões de dólares em reservas internacionais. Temos sobra orçamentária todos anos e um colchão se segurança para pagar juros da dívida de centenas de bilhões de reais. Poderíamos taxar grandes fortunas, lucros distribuídos a banqueiros, lucros remetidos ao exterior e demais lucros distribuídos. Era para estarmos em outro patamar neste País”, disse.
Denise Gentil, professora de economia da UFRJ, reforçou a tese de inexistência de déficit na Previdência Social, ao contrário do que afirma o governo.
“Na verdade, a previdência tem um enorme superávit mesmo com todas as manobras que o governo tem feito para provocar o déficit como o descaso com a cobrança da dívida ativa previdenciária e o pouco caso com a fiscalização dos sonegadores”, destacou.
O senador Paulo Paim (PT-RS), autor do requerimento de abertura da CPI da Previdência no Senado complementou dizendo que a comissão tem o dever de “acabar com a farsa do déficit da previdência”.
Desproteção social
Para Maria Inez Rezende, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Anfip) disse que a PEC 287 deve gerar uma grande desproteção social no País por acabar com o caráter solidário da Seguridade Social previsto na Constituição de 1988 e essa desproteção deve afetar de forma mais grave a vida das mulheres.
“As mulheres recebem salário médio menor ao dos homens mesmo executando as mesmas funções e mais formação intelectual. O salário médio da mulher no Brasil é de 1.217 reais. Já o dos homens é 1.673 reais. Desejam igualar as regras para aposentadoria mesmo num país extremamente desigual”, disse.
Inconstitucionalidade
Luciana Farias, presidente do Instituto dos Advogados Previdenciários (IAPE), disse que o texto em análise da comissão
especial da Câmara dos Deputados viola o artigo 60 da Constituição de 1988 por abolir direitos e garantias individuais que não podem ser retirados da Carta Magna por meio de emenda constitucional.
Para a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) a reforma da previdência é um exemplo claro do momento duro que passa o povo brasileiro, em especial as mulheres. Elevar a idade mínima para o acesso à aposentadoria integral para 65 anos num país que ainda guarda desigualdades sociais e regionais, segundo Fátima, é um atentado contra os interesses da própria nação. Contra as mulheres ela ainda mais dura.
“A proposta é perversa pela falta de legitimidade, num ambiente de alto desemprego, corte de investimentos, estagnação econômica. Está muito claro que a proposta de reforma da previdência vai ferir sociais fundamentais”, disse.
Previdência Rural
Já Dorenice Flor da Cruz, secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) afirmou que a proposta do governo, tratado por ela como contrarreforma, é apenas uma continuação do golpe contra a democracia.
“As trabalhadoras rurais têm tripla jornada de trabalho: casa, família e produção. A jornada inicia de madrugada e só termina próximo as 23 horas. E só depois de 40 anos de trabalho, se tiver a comprovação da atividade que é um desafio dos trabalhadores rurais, poderá solicitar o benefício de aposentadoria de um salário mínimo. Para muitas mulheres, é apenas com a aposentadoria que elas conseguem a sonhada autonomia financeira”, explicou.
Professoras
Isis Tavares Neves, secretária de relações de gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), relatou a situação “dramática” dos professores com a reforma da previdência, um ambiente majoritariamente composto por mulheres. Dos 2,2 milhões de trabalhadores em educação no País, apenas 435 mil são homens.
Além disso, a regra de transição contida na proposta deixará parte das professoras distantes da aposentadoria pelas novas regras. O censo escolar de 2015 monstra que os professores da educação básica estão concentrados na faixa entre 30 e 49 anos.
A proposta do governo prevê que segurados especiais paguem pedágio de 50% do tempo restante para aposentadoria. A regra valeria para homens com no mínimo 50 anos de idade e mulheres com no mínimo 45. Os demais já estariam encaixados nas novas regras.
“Nesse caso, Como eles vão se aposentar? Além disso, o professor precisa ter nível superior. O profissional entra no magistério após os 20 anos. Como essa carreira vai atrair pessoas para o magistério? ”, questionou.
Confira as apresentações
Denise Gentil – Professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Luciana Farias – Presidente do Instituto dos Advogados Previdenciários – IAPE
Maria Lucia Fattorelli – Coordenadora-Geral da Auditoria Cidadã da Dívida Pública