Ataque à CLTReforma trabalhista

Reforma trabalhista provoca desemprego e perda salarial

Na Espanha, em 2012, se flexibilizou o direito do trabalho e houve a diminuição de 372 mil vagas a tempo integral e o aumento de 100 mil vagas de contrato temporário
Reforma trabalhista provoca desemprego e perda salarial

Foto: Alessandro Dantas

Visões conflitantes sobre o Projeto de Lei da Câmara (PLC 38/2017) que trata da reforma trabalhista – aprovada recentemente pela Câmara – foram apresentadas nesta quarta-feira (10) em audiência pública conjunta das comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e Assuntos Sociais (CAS) para debater a proposta em tramitação no Senado.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, apresentou pontos, em sua avaliação, aspectos positivos da proposta afirmando que a reforma trará mais segurança jurídica ao ambiente da justiça do trabalho e, adotando a posição governista, garantindo que a proposta ampliará a geração de empregos no País.

“O projeto no seu conjunto é um avanço significativo para harmonizar as relações de trabalho no Brasil. Gera mais segurança jurídica por termos parâmetros mais claros. Ao gerar essa segurança, gera-se empregos. A empresa tem mais interesse em contratar com mais segurança jurídica e daríamos ao Brasil um grande avanço para harmonizar suas relações de trabalho, gerar renda, produção e empregos”, disse.

Com visão oposta, o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Curado Fleury, apresentou estudos detalhados realizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os impactos de reformas trabalhistas realizadas em outros países motivadas por um ambiente de crise econômica e com o intuito de criar empregos e movimentar a economia flexibilizando direitos trabalhistas.

Um estudo da OIT realizado durante 20 anos e concluído em 2015 envolvendo 65 países desenvolvidos e em desenvolvimento que tiveram seus mercados de trabalho analisados apresentaram as seguintes conclusões após a implementação das reformas:

* Na Espanha, em 2012, se flexibilizou o direito do trabalho e houve a diminuição de 372 mil vagas a tempo integral e o aumento de 100 mil vagas de contrato temporário. A flexibilização levou ao desemprego de mulheres, jovens e maiores de 55 anos. Além disso ocorreu uma diminuição média salarial de 5,3%.

* Em 2012 o México também realizou uma reforma e provocou a redução de 1,2 milhão de empregos cuja remuneração era acima de dois salários mínimos. Desses, 500 mil recebiam mais de cinco salários mínimos. Por outro lado, se criou 1,2 milhão de empregos em que a remuneração fica entre um e dois salários mínimos. Assim, verifica-se a simples troca de empregos protegidos com maiores salários por empregos desprotegidos com menores salários.

“Esses dados mostram que tais reformas apenas geraram a diminuição da proteção dos trabalhadores. A flexibilização do mercado de trabalho não gera emprego e nem reduz taxa de desemprego. Contratos indeterminados, nos moldes da CLT, implicam maiores salários do que o trabalho intermitente. O que cria emprego é o aumento da demanda. O empresário não vai contratar se ele tiver cem empregados e esses derem conta da demanda só porque está mais barato contratar. Ele vai contratar mais se precisar de outros 50 funcionários para darem conta da demanda existente. Isso é a economia”, resumiu o procurador.

No direito do trabalho brasileiro, segundo Ronaldo Fleury, já existe uma flexibilidade no direito do trabalho brasileiro, como a previsão dos contratos por tempo parcial, temporário e terceirização. Além disso, também já existe uma previsão constitucional para flexibilização do salário em tempos de crise justamente para que as empresas possam se manter em situações de crise.

Câmara burla o debate
O procurador do MPT também teceu críticas ao processo de tramitação da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados. O projeto enviado pelo Executivo e recepcionado na Câmara dos Deputados continha apenas sete artigos. E foram baseados nesses artigos que as audiências públicas foram realizadas. Porém, o substitutivo apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) alterou radicalmente o conteúdo da reforma e resultou num projeto com aproximadamente 200 artigos não debatidos nem pelos parlamentares e nem pela sociedade civil.

“Houve um déficit democrático com relação ao projeto aprovado pela Câmara que, inclusive, viola convenções da OIT. Antes de qualquer proposta de alteração dos direitos sociais, as convenções exigem que se ocorra o amplo debate democrático ouvindo todas as categorias envolvidas. Por ser uma norma que trata de direitos humanos, ela [convenção da OIT], ratificada pelo Brasil, tem natureza supralegal e não poderia ser revogada por uma norma ordinária”, explicou.

O senador Paulo Paim (PT-RS) aproveitou a oportunidade para defender um amplo debate da proposta nas comissões do Senado. Para ele, é inadmissível que o Senado, como quer o governo, acelere a tramitação da proposta sem conhecer a fundo seu conteúdo.

“Não estamos aqui apenas para carimbar 200 mudanças na CLT. Nós queremos debater. O Senado precisa debater amplamente esse tema. Estamos aqui para analisar os impactos da reforma na vida de milhões de brasileiros”, disse.

Trabalho intermitente
O procurador do Ministério Público do Trabalho criticou a possibilidade de implementação do trabalho intermitente como descrito no projeto em análise no Senado. Para ele, é inconcebível o trabalhador ficar à disposição do empregador sem a menor previsibilidade de quando será o seu próximo turno na empresa.

Nessa modalidade empregatícia, o funcionário aguarda a convocação da empresa para exercer sua função e só é remunerado pelas horas efetivamente trabalhadas. Assim, ele pode ser convocado para trabalhar a qualquer momento e ainda ficar sujeito à multa em caso de não comparecimento ao posto de trabalho.

“O grande problema do trabalho intermitente é que o trabalhador passa a não mais ter vida. Passamos a ter a coisificação do ser humano. O ser humano passa a ser tratado como uma máquina e a empresa só passa a ter gastos com uma máquina quando ela é ligada. A jornada intermitente pressupõe que o empregador só vai ter gasto quando ele liga o trabalhador. É a desumanização do trabalhador”, avaliou Ronaldo Fleury.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) provocou vaias dos presentes e expressões de estranheza ao questionar o procurador geral do trabalho se não seria “melhor não saber a hora em que vai trabalhar do que saber que não vai trabalhar”.

Logo após a atabalhoada intervenção do colega, o senador Paulo Paim disse que o trabalho intermitente se assemelha ao regime de escravidão. “O trabalho intermitente desorganiza toda a vida do trabalhador. Ele fica completamente a mercê do empregador”, disse.

Negociado sobre o legislado
Sobre possibilidade aventada pela reforma trabalhista de as negociações entre empregados e empregadores se sobreporem à legislação trabalhista, o procurador do MPT indicou que a reforma trabalhista, nesse ponto, afronta o artigo 7º da Constituição Federal por proporcionar a alternativa de esse mecanismo ser utilizado para reduzir direitos dos trabalhadores.

“Negociado sobre o legislado já existe como forma de melhorar as relações de trabalho e não como possibilidade de retirada de direitos. Essa é uma violação da Constituição”, apontou.

Já o presidente do TST, Ives Gandra, entende que a negociação coletiva existe não apenas para ampliar os direitos dos trabalhadores, mas para “para ajustar as condições de trabalho de acordo com a situação de tempo, lugar e segmento”.

O senador Paulo Paim criticou o dispositivo por enfraquecer a negociação coletiva por meio de sindicatos representantes de classe para privilegiar a negociação individual, o que enfraquece os trabalhadores perante os empregadores.

“Inclusive a rescisão de contrato, de acordo com o projeto, não precisará que ninguém acompanhe mais. Chega o empregador, faz a rescisão e o empregado tem que assinar dizendo que não vai recorrer à justiça. Isso é bom para quem? Para o peão da fábrica? ”, questionou.

Terceirização
Único ponto de consenso entre os debatedores, a terceirização ampliada aprovada recentemente pela Câmara dos Deputados em projeto de 1999 e sancionada por Michel Temer deveria ser reavaliada pelo Congresso Nacional.

De acordo com os governistas, ao projeto de reforma trabalhista servirá para corrigir e resolver eventuais problemas no processo de terceirização no País. Para ele deveria ficar a cargo de cada empresa decidir quais seriam suas atividades-meio e fim para definição daquilo que seria passível de ser terceirizado.

“Ainda não desisti da visão que tenho da distinção entre atividade-fim e atividade-meio para resolver o que é licito ou ilícito em matéria de terceirização. Não generalizaria dizendo que tudo é possível. Passaria para a empresa decidir o que é a atividade-fim dela”, defendeu.

Mais de 80% dos acidentes fatais no ambiente laboral ocorrem com trabalhadores terceirizados, de acordo com Ronaldo Fleury. Além disso, esses trabalhadores sofrem com piores condições de saúde e segurança e recebem salários 25% menores do que os trabalhadores contratados de forma direta. Segundo o procurador, os trabalhadores terceirizados também atuam com jornadas de trabalho maiores.

“Eles [terceirizados] se tornam descartáveis. A rotatividade de emprego dos terceirizados chega a ser cinco vezes maior do que os contratados diretamente. E com a previsão de ampliação de [anos de] contribuição contida na reforma da previdência, imaginemos [ a situação do] trabalhador com grande rotatividade de mão de obra. Quando ele vai se aposentar? ”, questionou.

Confira a apresentação do Procurador Geral do Ministério Público do Trabalho

Confira nota técnica do MPT

 

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