Relatório da Anistia corrobora denúncias feitas à CPI do Assassinato de Jovens

Relatório da Anistia corrobora denúncias feitas à CPI do Assassinato de Jovens

Entre 2005 e 2014, 8.466 pessoas foram vítimas de homicídios decorrentes de ação policial no estado do Rio de Janeiro. Do total, 5.132 dos casos (60,6%) ocorreram na capital. Quatro de cada cinco vítimas dos chamados “autos de resistência” são homens negros e 75% das vítimas são jovens com menos de 29 anos. Esses são alguns dos dados aterradores que fazem parte do relatório “Você matou meu filho”, divulgado pela Anistia Internacional na última segunda-feira (3), que servirá somo subsídio para a CPI do Assassinato de Jovens, que tem o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) como relator.

Os casos de violência policial vêm sendo investigados pela CPI desde o início de maio passado, trazendo resultados que levam o senador petista a definir as vítimas como “pessoas que morrem invisíveis, pois ninguém sabe o que aconteceu com elas”. Para Lindbergh, é urgente mudar a lógica da segurança pública. “O Brasil é um país que mata negros”, acusa o parlamentar.

Lindbergh  defende uma “revolução cultural e estrutural na segurança pública” para deter esse verdadeiro genocídio praticado contra a juventude negra e pobre das periferias do Brasil. É dele a proposta de emenda à Constituição (a PEC 51) que representa os primeiros passos nessa direção, assegurando a desmilitarização polícias. O senador defende, ainda, a aprovação do PL 4471, atualmente em tramitação na Câmara, que acaba com os “autos de resistência” e rompe este cerco de impunidade. “É um passo certeiro que precisa ser dado para estancar o sangue e salvar vidas brasileiras”, afirmou o senador.

lindbergh79527824 0a730a6d43 nLindbergh: “O Brasil é um país que mata negros”Os autos de resistência são uma expressão do  modelo policial herdado da ditadura militar, avalia Lindbergh, que legou ao País uma estrutura na qual as polícias adotem a lógica militarizada — a lógica do enfrentamento bélico, não contra um inimigo igualmente armado, mas contra a população civil. “É um modelo marcado por operações excessivamente repressivas, justificadas pela lógica da ‘guerra às drogas”, aponta o senador. Os principais vítimas são os setores mais vulneráveis socialmente, entre eles os próprios policiais e os jovens das periferias. “Nossas polícias matam e morrem em padrão muito superior a qualquer nível internacional”, constata o senador.

Você matou meu filho
No relatório “Você matou meu filho”, a Anistia Internacional aponta que as execuções extrajudiciais cometidas por policiais são frequentes no Brasil. “No contexto da chamada ‘guerra às drogas’, a Polícia Militar tem usado a força letal de forma desnecessária e excessiva, provocando milhares de mortes ao longo da última década”. Tratados como “autos de resistência” ou “homicídio decorrente de intervenção policial” nos registros oficiais, essas mortes acabam justificadas com base na legítima defesa. Uma das vítimas executadas em “legítima defesa” foi Eduardo de Jesus, de 10 anos de idade, morto por policiais militares na porta de sua casa, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 2 de abril de 2015, um caso que comoveu o Brasil.

Para a elaboração do relatório, a Anistia Internacional foi além das estatísticas frias — se é que se pode usar esse adjetivo diante de 8.466  atestados de óbito produzidos em menos de uma década. Para traçar um perfil das vítimas, a  entidade também analisou um grupo de homicídios praticados por policiais militares em 2014 e 2015 na cidade do Rio de Janeiro, em particular na favela de Acari, entrevistando sobreviventes das operações que resultaram em mortes, familiares das vítimas, testemunhas e estudiosos e militantes dos direitos humanos. A coleta de detalhes sobre as cenas dos crimes, registros de ocorrência, atestados de óbito, relatos de especialistas e inquéritos policiais permite “verificar a existência de fortes indícios de execuções extrajudiciais e um padrão de uso desnecessário e desproporcional da força pela Polícia Militar”, afirma o relatório.

“O uso de força letal por agentes encarregados de fazer cumprir a lei gera graves preocupações sobre direitos humanos, principalmente em relação ao direito à vida. O Brasil tem a obrigação de prevenir e responsabilizar a violência criminal, e, ao mesmo tempo, deve garantir pleno respeito ao direito à vida de todas as pessoas sob sua jurisdição, conforme estabelecido pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos”, afirma a entidade.

 Recomendações
 Brasil é o país com o maior número de homicídios no mundo: 56 mil pessoas foram mortas em 2012. Mais de 50% dessas vítimas de homicídios tinham entre 15 e 29 anos e, destes, 77% eram negros. Das 1.275 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial entre 2010 e 2013 na cidade do Rio de Janeiro, 99,5% eram homens, 79% eram negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos de idade.

Para conter a violência, em especial a violência letal de agentes do Estado contra a população, a Anistia Internacional faz uma série de recomendações em seu relatório. Entre elas, estão a garantia da ampla investigação, com imparcialidade e independência, de todos os casos registrados como “homicídio decorrente de intervenção policial/auto de resistência”, o fortalecimento do Programa de Proteção a Testemunhas e Vítimas Ameaçadas (PROVITA) e o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos e adoção pela Polícia Militar de protocolos operacionais para o uso da força e de armas de fogo que estejam de acordo com as diretrizes e os parâmetros internacionais, e realize treinamentos periódicos da força policial sobre a adoção de tais protocolos.

Além disso, afirma a Anistia Internacional, é preciso suspender das atividades os policiais militares que estiveram envolvidos em ações que resultaram em morte e controlar estritamente o uso de armas de fogo de alta potência (como fuzis) e de armas automáticas durante operações policiais em favelas e outras áreas urbanas densamente povoadas .

Cyntia Campos, com informações da Anistia Internacional

Leia o relatório “Você matou meu filho”, da Anistia Internacional

 

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