O aumento da conta de luz da população e a falta de concorrência no setor serão as principais consequências para o País caso os senadores confirmem a privatização da Eletrobras. A opinião foi unânime no debate realizado com quatro especialistas nesta segunda (31) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) sobre a MP 1.031/2021, já aprovada na Câmara e em tramitação a toque de caixa no Senado, já que sua validade termina em 22 de junho.
Para a diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz, “o que está em jogo é a escolha do futuro do nosso país, é adotar a transição energética ou não, é encarar as mudanças climáticas ou não, é se preocupar ou não com tarifas de energia a preços módicos para garantir uma indústria competitiva geradora de empregos”, resumiu.
Ela apresentou a diferença de modelo que está sendo debatendo. Em vez de investir no potencial de energia renovável, com fonte eólica, solar e biomassa, que seria complementada com a hidráulica, que já está em operação e tem fácil transmissão para todo país, a MP do governo pretende usar os reservatórios como fonte barata e complementar com termelétricas. “Nossa matriz vem sendo carbonizada, o que vem trazendo aumento de preços e insegurança, além da dependência do mercado internacional”.
O ex-ministro de Minas e Energia e ex-diretor da Aneel, Nelson Hubner, também foi taxativo: “Estamos botando em risco o futuro do país”. Segundo ele, uma empresa privada à frente da Eletrobras vai controlar mais da metade das usinas hidrelétricas do país, a maioria já paga pelo povo brasileiro. “Quem é dono das usinas, se vai faltar água nos reservatórios, pode impor o preço que quiser num mercado liberalizado. O céu é o limite”, alertou.
Ele chama atenção também para uma questão legal, já que a MP fere o que determina a lei 12.783/13. “Ela garante aos consumidores cativos e distribuidoras receber energia pelo sistema de cotas, com preços regulados por lei. Com a MP, eles perdem direito de receber energia mais barata e ficam obrigados a comprar nova energia muito mais cara. Isso é quebra de contrato! Quem vai defender o lado do consumidor brasileiro?”, questiona. “É como se te obrigassem a comprar um Fusquinha por três vezes o valor de um carro zero. É isso o que está sendo imposto ao consumidor brasileiro”, comparou.
Investimentos
Por sua vez, Maurício Tolmasquin, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), desmentiu o argumento de que a venda da empresa seja necessária para atrair capital privado e expandir o setor elétrico. “Não! A capacidade instalada cresceu 70% nos últimos 20 anos e os leilões de energia são tão atrativos que há 1841 projetos inscritos neste ano, para gerar o equivalente a 10 vezes o necessário para atender a demanda anual do país”, disse. Para ele, “a privatização vai ser negativa para a competição do setor, dando a uma entidade privada um poder de mercado muito grande, com 30% da geração e 40% de transmissão. Vai praticamente ditar preços, contra o interesse do consumidor”.
Tolmasquin também avaliou o impacto sobre o consumidor, reforçando que, ao contrário do que diz o governo, haverá aumento de tarifa. “vai impedir que o consumidor tenha redução de energia agora que várias hidrelétricas foram pagas pela população, e além disso haverá uma reserva de mercado para contratação obrigatória de termelétricas e de pequenas centrais hidrelétricas, o que contra a lógica da competição”, disse.
Ele questionou as medidas de desenvolvimento regional previstos na medida. “O consumidor pagou 50 anos pela energia de Itaipu e agora, com o fim do pagamento em 2023, em vez de baratear a energia, a MP retira metade desse benefício para programas de transferência de renda. São programas meritórios, mas por que consumidor de energia tem que pagar por isso? É uma distorção! Na hora que se encarece a energia elétrica, se penaliza a economia como um todo”, disse.
Já Ikaro Chaves, da Associação dos Engenheiros e Técnicos da Eletrobras, o argumento de redução da conta de luz é fake news. “Com todas as medidas previstas, a estimativa é de aumento de 14% no preço ao consumidor, além de impedir a redução de cerca de 10% nas contas, o que mexe com o bolso do consumidor residencial, comércio, indústrias, escolas, prefeituras”, afirmou. Ele também defendeu a capacidade de investimento atual da empresa, chamando de falaciosa necessidade de busca de investidores. “A Eletrobras tem hoje R$ 15 bilhões em caixa para investir e foi a sexta empresa mais lucrativa do Brasil em 2020, com R$ 6,4 bilhões de lucro”, concluiu.
MP inadequada
Para o presidente da CDH, Humberto Costa (PT-PE), a MP é inadequada por vários motivos. “Pelo momento que vivemos, em plena pandemia, porque não foi objeto de amplo debate na sociedade, porque o funcionamento do Congresso está restrito, sem discussão dos impactos econômicos e na vida das pessoas. Por isso, é importante a articulação social para rejeitar a proposição e preservar o interesse da população brasileira”, afirmou.
Por sua vez, o senador Jean Paul Prates (PT-PA), líder da Minoria no Senado, criticou o oportunismo do capital privado e alertou para os jabutis incluídos de última hora na aprovação da Câmara. “Será que nossos liberais são tão atrasados assim? Não, não são inocentes. São oportunistas, e os senadores estarão sendo também se avalizarem interesses específicos contrários aos consumidores brasileiros”, destacou.
“É uma MP de capitalização que não capitaliza e ainda tem um monte de enxertos legislativos, um saco de sacanagem, de privilégios e negociatas para todos os cartórios que quiseram arrumar suas vidas. É tanta picaretagem que mesmo o chamado setor produtivo, o setor industrial, disse que prefere não ter a MP”, afirmou o senador.
Coordenador da reunião na CDH, o senador Paulo Paim (PT-RS), destacou que os consumidores serão os maiores prejudicados. “A distribuição de energia elétrica, serviço essencial para a população, chegará às famílias e às fábricas com um custo maior do que o que é pago até o momento. Isso vai gerar efeito cascata, ou seja, os valores dos produtos finais também aumentarão de preço, desequilibrando o orçamento das famílias e, consequentemente, influenciando negativamente o processo inflacionário”.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) se preocupa também com as consequências no dia a dia das cidadãs e cidadãos. “O Senado não pode fazer isso com o povo brasileiro. O povo já pagou muito caro com essa história de o governo vender estatal para ir atrás de investidores. Na reforma trabalhista, ia atrair investimento, na reforma da Previdência também, e nada aconteceu. Agora, além da fome e da falta de vacina levando à morte, o governo brasileiro resolveu deixar as pessoas na escuridão”, disse.
Para a senadora Nilde Gondim (MDB-PB), “se a empresa é lucrativa, para que privatizar um patrimônio nacional, ainda mais com argumentos questionáveis? Precisamos mobilizar e conscientizar o povo brasileiro par evitar essa decisão esdrúxula do governo de vender uma empresa tão estratégica para o país”, defendeu.
O líder do Partido dos Trabalhadores no Senado, Paulo Rocha (PA), afirmou que a bancada fará todos os esforços possíveis para impedir a aprovação da MP, seja rejeitando, seja chegando a um acordo pela caducidade. Ele criticou inclusive o uso de medida provisória para privatizar uma empresa pública.
“O governo atual erra não só no processo da privatização como usa um instrumento autoritário para legislar. A MP é instrumento de cima para baixo. Por isso, é fundamental aprofundar o debate em audiências públicas. Como vai mexer numa empresa assim, sem que se debata não só com o capital, mas também com trabalhadores? Ainda mais uma empresa que representa uma política estruturante na vida humana e na economia”, disse.