Uma solução definitiva para a insegurança e a violência que angustiam a população brasileira passa por uma reforma profunda na orientação e procedimentos de segurança pública. As mudanças devem garantir o trabalho integrado das polícias, uma reforma dos sistemas de justiça criminal, carcerário e de prevenção ao crime. Um estudo sobre o tema foi apresentado preliminarmente na última segunda-feira (12), no Seminário “Segurança Pública Cidadã”, promovido em Brasília pelas bancadas do PT no Senado e na Câmara Federal.
Três dos especialistas que participaram desse estudo—com lançamento oficial marcado para o dia 3 de abril— participaram do seminário organizado pelo PT: Camila Dias, especialista em sistema carcerário e professora da Universidade Federal do ABC, a professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense, e o deputado federal e advogado Paulo Teixeira (PT-SP).
Mudança de mentalidade
O seminário, que vai subsidiar o programa de governo de Lula, apontou alguns “nós” das políticas de segurança pública que precisam ser desatados, com mudança de mentalidade e de procedimentos.
Um exemplo claro: dos 60 mil homicídios registrados anualmente no Brasil, apenas 10% são elucidados. Na outra ponta, o País tem 726 mil pessoas presas—a terceira maior população carcerária do planeta, composta, em grande escala, pelos “peixes miúdos” dos crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas.
Teia do crime
Ao prender muito e prender mal, o Brasil retroalimenta a máquina da violência. “Nosso sistema carcerário é a academia onde se formam os soldados do crime organizado”, aponta o senador Lindbergh Farias (RJ), líder do PT. Os presídios, bancados pelo Estado, são um território que o Estado não alcança, como testemunha a especialista Camila Dias. “O controle está nas mãos dos presos. Em São Paulo não há rebeliões ou confrontos nas cadeias porque elas são controladas por uma única facção criminosa”.
Camila ressalta que, na contramão do discurso punitivista, a sociedade brasileira precisa compreender que não é possível reduzir a violência sem reduzir a população carcerária. A realidade atual é um processo, que ela descreve como “um tear”, onde os fios são os presos que entram nas cadeias, são recrutados pelas facções e voltam às ruas para executar as políticas dessas facções. “As altas taxas de encarceramento produzem as teias a partir da qual se organiza o crime”.
Controle social
Outro aspecto que exige uma guinada é a relação da polícia com a sociedade. O ex-comandante geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Íbis Pereira, considera que a atual doutrina belicista que orienta as ações policiais tem contribuído não só para a letalidade dessas ações — 4.222 mortes de cidadãos por policiais, apenas em 2016 — como também para a vitimização dos agentes policiais, que registram uma média de 500 mortos por ano.
Para ele, a concepção que empurra as polícias para dentro dos territórios de pobreza, sem investigação e ações de inteligência, com ênfase no confronto, está fazendo muito mal também aos profissionais da segurança pública. Ele cita um estudo do Laboratório de Análise da Violência que aponta que um policial militar tem seis vezes mais propensão ao suicídio que um cidadão que exerça outra atividade.
A professora Jacqueline Muniz enfatizou a necessidade inescapável, nas sociedades democráticas, de estabelecer controles claros sobre as instituições de coerção — os órgãos encarregados do uso da força. Ela lembra que isso é uma garantia essencial para a sociedade, mas também para quem exerce a função. Quem atua em situações de risco, como médicos e policiais, por exemplo, precisa estar amparado em protocolos de procedimentos claros e pactuados. “Eles precisam de autonomia para tomar decisões a cada momento. Os protocolos dão segurança para decidir”.
Para a sociedade, as vantagens são claras: “Quanto mais eu conheço os procedimentos, mais eu confio na ação da polícia”, lembra Jacqueline.