ARTIGO

Seguridade: pelo desenvolvimento e bem-estar do Brasil

"A assistência social deve ser prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição. Ela tem por objetivo proteger a família, amparar as crianças, garantir um salário-mínimo às pessoas com deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de sobrevivência", defende o senador Paulo Paim, em artigo.
Seguridade: pelo desenvolvimento e bem-estar do Brasil

Foto: Reprodução

Para um novo país que estava nascendo, após a redemocratização, era preciso uma nova carta magna que expressasse a democracia, a liberdade e a justiça social. Foram dois anos (1987-88) até chegarmos a um texto que colocasse como prioridade a cidadania e o respeito à dignidade humana.

A participação popular, do movimento social e sindical, de estudantes, de aposentados, da luta das mulheres, dos indígenas, dos ambientalistas e do movimento negro foi decisória na construção do que Ulisses Guimarães batizou de a “Constituição Cidadã”. Hoje, ela é reconhecida como um dos documentos sociais mais avançados do mundo.

Por meio dela, com suas cláusulas transformadoras, estabelecemos novas relações econômicas, políticas e sociais. Foram concedidos direitos, como a garantia de voto aos jovens de 16 anos e aos analfabetos, o direito à greve e à liberdade sindical. Estabeleceu-se a necessidade de proteção do meio ambiente, foi criado o STJ (Superior Tribunal de Justiça), entre outros avanços.

Antes, a assistência médica era benefício da Previdência Social, conferido apenas aos contribuintes do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Após a promulgação da Constituição de 1988, a assistência médica e farmacêutica deixou de ser benefício previdenciário, e a saúde passou a ser reconhecida como um direito social de todos, e não mais um serviço.

É dessa época a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), garantindo acesso universal, igualitário e gratuito às ações de serviços de saúde. Antes, somente aqueles que tinham carteira de trabalho assinada é que tinham direito à assistência médica pelo então INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Os demais tinham que pagar pelo atendimento.

Chamo a atenção para a importância que o SUS está tendo hoje nesta pandemia de covid-19. Ele cumpre rigoroso papel no acolhimento dos mais necessitados, pobres e miseráveis, daqueles que não têm tempo para sentir dor, dos que tiveram que deixar os planos de saúde privado por não conseguirem mais comportar a alta dos preços.

Com essa crise da saúde pública e da economia, com o aumento do custo de vida, da luz, da água, do gás, dos combustíveis, da informalidade e do desemprego — a pandemia pode desempregar 25 milhões no Brasil http://feebbase.com.br/site/imagem-destaque/brasil-pode-ter-mais-de-25-milhoes-de-desempregados-ao-fim-da-pandemia —, fica cada vez mais nítida a importância da seguridade social para o bem-estar e a sobrevivência da população.

Conforme a nossa Constituição Cidadã, a seguridade social compreende a saúde, a Previdência Social e a assistência social. Ela beneficia milhões de brasileiros do campo e da cidade. Por isso, temos que tratá-la como peça fundamental para a manutenção da ordem social do país.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doença, de enfermidades e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A assistência social deve ser prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição. Ela tem por objetivo proteger a família, amparar as crianças, garantir um salário-mínimo às pessoas com deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de sobrevivência.

Entre outras coisas, a Previdência Social atende à cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; à proteção à maternidade e ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; à aposentadoria. Importante destacar que esse sistema é solidário: uma geração contribui para que a geração anterior usufrua, pois assim o sistema se sustenta e se automantém.

Hoje, o Brasil possui cerca de 35 milhões de aposentados do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Setenta por cento deles recebem um salário-mínimo por mês. Quase 15% da população brasileira têm rendimentos de aposentadoria ou pensão. Há 55 milhões de contribuintes do INSS.

A Previdência Social tem grande importância no cotidiano das cidades. Dos 5.566 municípios brasileiros, em 3.875 (70%) o valor dos repasses aos aposentados e demais beneficiários da Previdência supera o repasse do FPM (Fundo de Participação dos Municípios).

Em 4.589 municípios, os pagamentos aos beneficiários do INSS superam a arrecadação municipal. Isso mesmo: superam a arrecadação municipal. Ou seja, as aposentadorias e as pensões fazem girar a economia e o comércio como uma grande roda virtuosa.

Há enormes interesses na privatização do sistema de seguridade. Falam em déficit, mas a CPI da Previdência, da qual fui o presidente, provou que o sistema tem total condição de continuar público. Volta e meia falam em capitalização, que, na realidade, é um “novo velho sistema” para explorar os trabalhadores. Ora, em vez de falar em deficit, os governos deveriam se perguntar sobre queda do PIB e da arrecadação, aumento da informalidade, renúncias fiscais, sonegação.

A PEC 24/2008<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/85948> (Proposta de Emenda à Constituição), de nossa autoria, tem por objetivo impedir que o dinheiro da seguridade social seja desviado para outras funções. Dinheiro da seguridade tem que ficar na seguridade, até porque tudo que é arrecadado por meio do suor dos trabalhadores é suficiente para cobrir todos os gastos da própria seguridade, principalmente com os benefícios das aposentadorias.

A seguridade social é um patrimônio do povo brasileiro. Ela acolhe, dá guarida, sustenta, assegura atendimento universal e gratuito. Temos que protegê-la e fazer a boa luta para que mais pessoas sejam beneficiadas por ela e não tentar privatizá-la, tirando das mãos dos brasileiros um instrumento de bem-estar social.

Paralelamente a isso, fiquemos todos atentos para uma situação que está se tornando insustentável. Os aposentados e pensionistas estão passando necessidades devido à crise econômica. O valor de seus benefícios já não comporta mais a compra de alimentos básicos, remédios, pagamento de aluguel, luz, gás.

Cerca de 40% dos brasileiros hoje com mais de 60 anos são arrimos de família, sustentam filhos, netos e genros. Muitos fazem bicos, como pequenas vendas, geralmente nas praças, nas esquinas, tudo para complementar a aposentadoria. E aqui vale lembrar que eles já receberam, no meio do ano, o 13° salário. Consequentemente, não terão nada a receber no fim do ano.

Por uma questão humanitária, apresentamos o PL 3657/2020<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/143240> (Projeto de Lei), que prevê o 14º salário para os aposentados e pensionistas. Foi uma sugestão popular apresentada na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Respeitar e valorizar essa categoria, que tanto fez pelo Brasil e hoje vê seus benefícios reduzidos é o mínimo que temos que fazer.

O 14º salário, além de socorrer essa população, que está em grupo de risco ao novo coronavírus, também vai injetar recursos diretos na economia. Esse abono emergencial representa cerca de R$ 42 bilhões, dinheiro novo no comércio local de cada município, gerando impostos, movimentando a economia local, fortalecendo empregos e colaborando para a retomada do crescimento do país.

A aprovação do 14º salário é também uma questão de justiça, nada mais que justiça e, como já disse aqui, uma questão humanitária. Daí a urgência de os internautas e a sociedade se mobilizarem e pressionarem senadores e deputados para que aprovem a proposta ainda este ano. E aí, em 2021, avançaremos ainda mais com a aprovação do PL 4194/2020, que regulamenta a Lei Federal nº 10.639, que instituiu, no ano de 2003, a Renda Básica da Cidadania.

É nosso horizonte enfrentar as ingerências, os desatinos e os descompromissos com o desenvolvimento social, com os direitos humanos e com a dignidade humana que, a cada ano que passa, se tornam mais evidentes nas falas, formas e medidas com que se governa o país.

Não, não é assim. Não podemos mais nos perder em labirintos ideológicos, à margem das virtudes e dos encantamentos da felicidade, na ausência de solidariedade e compaixão, de compreensão da complexidade do mundo, suas dialéticas e métodos econômicos e políticos.

Não há nada mais importante que a vida.

A vida se sobrepõe ao cenário atual, que tem nos deixado órfãos da convivência humana. Reencontrar essa condição requer um enorme esforço de abertura do pensamento para muito além do que os olhos possam ver e o coração sentir. Para que o moinho funcione é preciso muitas mãos e águas de variadas vertentes.

O esforço coletivo e espiritual se faz necessário para a transposição das adversidades e descaminhos que a realidade está nos impondo e para as transformações que a humanidade e o próprio Brasil têm pela frente. Busquemos sempre a capacidade da nuvem, que bebe a água salgada e chove água doce, como nos ensina um provérbio indiano.

Artigo originalmente publicado no Nexo Jornal

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