Na prática, a convalidação significa tornar válidos os incentivos fiscais com base no ICMS que foram concedidos por estados como forma de atrair investimentosDepois de dois anos de negociações, inúmeras audiências públicas, idas e vindas, o plenário do Senado finalmente aprovou na noite de ontem, por 63 votos favoráveis, sete contrários e uma abstenção, o projeto (PLS 130/2014) que garante a convalidação dos incentivos fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A matéria seguirá para apreciação final da Câmara dos Deputados. A convalidação, na prática, significa tornar válidos os incentivos fiscais com base no ICMS que foram concedidos por estados como forma de atrair investimentos para suas localidades, mas acabaram julgados ilegais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010.
A inconstitucionalidade decretada pelo STF tinha como ponto central corrigir o que se convencionou chamar de guerra fiscal. Isto, porque ao longo dos últimos 30 anos, os estados ofereceram incentivos fiscais do ICMS para que empresas instalassem fábricas em suas áreas, como forma de promover o desenvolvimento regional. Porém, a legislação determina que um estado pode assinar um convênio de incentivo somente se todos os outros estados da federação, de maneira unânime, aprovar esse benefício – e isso não ocorre.
A decisão de aprovar por unanimidade os incentivos, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), caiu por terra quando um estado, à revelia da unanimidade exigida, decidiu por sua própria conta e risco conceder o incentivo fiscal do ICMS a uma empresa, dando início ao que se chama de guerra fiscal.
Assim, quando o STF julgou que esses incentivos fiscais dados pelos estados sem respeitar o princípio da unanimidade do Confaz eram inconstitucionais, criou-se uma expressiva insegurança jurídica, porque outro estado poderia requerer da empresa beneficiada no estado vizinho o recolhimento de todo o valor relativo ao ICMS que deixou de pagar ao longo do tempo. Os valores estimados do ICMS que deixaram de ser arrecadados pelas empresas incentivadas superam a casa dos bilhões de reais.
Portanto, o projeto aprovado ontem convalida esses incentivos, sendo que no Confaz os convênios se tornarão válidos com a aprovação de três quintos dos votos nacionais e pelo menos um terço dos votos dos estados de cada região.
O senador José Pimentel (PT-CE), líder do Governo no Congresso Nacional, votou a favor da proposta por entender que a convalidação dos incentivos beneficia os estados mais pobres, como os da região Nordeste. Ele destacou a importância da aprovação da matéria para garantir segurança jurídica e que será possível a partir de agora modular os efeitos da decisão, determinando a partir de quando ela deve ser aplicada. Uma data será estabelecida para que a partir dali todo e qualquer novo convênio a ser feito respeite a unanimidade.
Sem consenso
Nem todos os parlamentares queriam votar a convalidação na noite de ontem. A senadora Marta Suplicy (PT-SP) defendeu esperar mais um pouco até surgir a sinalização do governo a respeito da criação de dois fundos que deverão ser criados, um de compensação de perdas na arrecadação do ICMS e outro de desenvolvimento regional.
O senador Walter Pinheiro (PT-BA), um dos parlamentares que deu o pontapé inicial da discussão dessa matéria, ainda em 2011, defendeu a aprovação ontem mesmo e cobrou o compromisso do governo para criar esses fundos, até porque ele foi o relator de uma Medida Provisória (599/2013) que perdeu a validade quando as negociações da reforma ampla do ICMS travaram.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que nos últimos dois anos presidiu a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), alertou que a aprovação apenas da convalidação dos incentivos do ICMS não resolve o problema e nem a situação criada quando o STF julgou ilegais. “Se aprovarmos a convalidação sem encerrar a guerra fiscal, o que vamos ter no País é uma guerra fiscal muito maior. Essa é a consequência concreta, porque governadores e empresas saberiam que, ao terem sido convalidados os incentivos sem acabar com a guerra fiscal, com certeza, estariam estimulados a fazer mais guerra fiscal à espera de uma futura convalidação”, disse ele.
Lindbergh fez uma analogia ao que acontece em alguns municípios que dão isenção de pagamento do IPTU. “O resultado é que, um longo tempo depois, ninguém paga IPTU porque fica à espera de uma nova isenção”, disse ele, ao pedir a postergação da votação.
O atual presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), também fez esse alerta, porque a convalidação votada isoladamente não significa acabar com a guerra fiscal. No Senado já está pronta para ser votada uma resolução que reduz as alíquotas do ICMS dos atuais 7% e 12% para taxas de 4%, 7% e 10%. Além disso, também está no plenário do Senado o projeto que troca o indexador da dívida dos estados; uma proposta de emenda constitucional (de autoria de Delcídio) que estabelece no destino o recolhimento do ICMS das operações feitas por meio do comércio eletrônico e outra proposta de emenda constitucional (de autoria de Walter Pinheiro) que estabelece a criação do fundo de compensações das perdas e o fundo de desenvolvimento regional.
“Mesmo votando a convalidação, nós temos uma lição de casa muito grande pela frente. A convalidação e outras mudanças no ICMS correspondem a 70% da reforma tributária, mas poderíamos esperar a reunião do Confaz que acontecerá na sexta-feira, dia 11”, afirmou Delcídio. “Está havendo um descasamento entre o Confaz e o Senado Federal, que é a casa da federação. E os secretários de fazenda dizem não votem”, disse Lindbergh.
O senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator do PLS 130/2014, se absteve de votar justamente porque havia prometido aos secretários de fazenda aguardar a reunião da próxima sexta-feira. O ideal, segundo alguns senadores, era que o próprio Confaz tomasse a decisão de convalidar os incentivos ilegais. Não foi possível chegar a esse ponto, porque os estados mais ricos, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, sempre foram opositores à concessão de benefícios por parte de estados menores e mais pobres.
A preocupação dos senadores é que só a convalidação não acaba com a guerra fiscal. Ela pode ser acelerada, já que a abertura de uma brecha na concessão de benefícios joga por terra todos esses debates realizados desde 2011, no âmbito do pacto federativo.
Marcello Antunes
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