Os juristas Miguel Reale Jr e Luiz Carlos |
Em um clima acalorado, a reforma do Código Penal voltou a ser debatida no Senado Federal, na manhã desta quinta-feira (28). Convidados a discutir a proposta (PLS 236/2012) em análise por uma comissão especial parlamentar, o jurista Miguel Reale Júnior e o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves divergiram sobre quase todo o texto. Um dos maiores críticos do projeto em tramitação, Reale, após listar algumas das inconsistências técnicas que encontrou no projeto, chegou a sugerir o “sobrestamento” da matéria. Ao que o relator da comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de reforma, Gonçalves, rebateu pedindo “respeito”, mas admitiu a necessidade de ajustes no texto.
O senador Jorge Viana (PT-AC), que presidiu a audiência pública, avaliou que o debate duro refletia a memória que os dois convidados carregavam, uma vez que Reale participou da primeira comissão de reforma do Código, ainda em 1984, e Gonçalves da produção do PLS 236. E defendeu a necessidade de atualizar sua legislação penal. “O País mudou muito desde que o Código Penal foi instituído, em
Arrefecendo os ânimos, o relator do projeto, senador Pedro Taques (PDT-MT), anunciou que a maior parte dos problemas apontados por Reale, já estavam sanados nas emendas de senadores acatadas por ele na elaboração de seu parecer. Mesmo assim, Taques não descartou a
Senador Jorge Viana defende atualização |
realização de novos debates no decorrer deste semestre e chegou a sugerir a reabertura do prazo para apresentação de emendas, que atualmente supera a marca de 500 sugestões de modificação. “Não podemos nos preocupar com o tempo, porque um Código não pode se feito só por doutores; temos que ouvir a sociedade. Não vou colocar meu nome em algo que não termine. E nem os senadores colocaram o nome em algo que não seja útil para a sociedade brasileira”, disse.
Críticas
Dentre as preocupações apontadas por Miguel Reale Júnior estão frases sem sentido e imprecisões em diversos dispositivos. “Há impropriedades de tamanha grandeza que o projeto pode se tornar objeto de vergonha internacional”, criticou. Segundo o jurista, há diversos conceitos que podem vir a dificultar a compreensão de advogados, juízes e doutrinadores, além de outros operadores do Direito. “Não se traz doutrina para dentro do código simplesmente para ter modernidade”, afirmou. “É um passeio pelo absurdo. Esse projeto devia ser sobrestado.”
Reale foi ainda mais enérgico ao comentar a eliminação da “liberdade condicional” – que é a possibilidade de um preso ser solto antes do fim da pena, quando apresenta bom comportamento – para crimes de menor gravidade, como, por exemplo, furtos. Este mecanismo, segundo o jurista, é uma maneira “secular” de preparar o egresso do sistema penitenciário para a reinserção social. “Se tira a esperança do condenado; a perspectiva do bom comportamento”, alegou.
O jurista se insurgiu contra a desproporcionalidade das penas. Destacou que, enquanto se estabelece pena mínima de um mês de prisão para omissão de socorro a uma criança abandonada, a punição mínima é de um ano de prisão para quem omitir socorro a um animal. E também criticou o tratamento penal dado ao parente envolvido na prática de eutanásia. Pelo projeto, o parente que mata um paciente terminal, independente de diagnóstico médico, tem o perdão judicial garantido. “Sou a favor de um tratamento benéfico no caso da eutanásia, mas não da forma como está colocado. Quantos velhinhos vão olhar com desconfiança o suco de laranja que o filho sequioso lhe traz”, ironizou.
Defesa
O procurador Luiz Carlos Gonçalves rebateu parte das críticas, que, segundo ele, atingem apenas 5% do projeto. Para ele, a proposta tem mais acertos do que erros, apesar do prazo extremamente “exíguo” em que foi elaborada. “O trabalho que tivemos foi um oceano, diante da imensidão da tarefa que nos foi dada”, avaliou.
Gonçalves destacou como avanços o fato de o anteprojeto tipificar o crime de terrorismo, não previsto na legislação
A reforma
A proposta elaborada pela comissão de notáveis, criada pelo ex-presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP), foi entregue em junho passado. O texto original incorpora medidas polêmicas, como o dispositivo que prevê a descriminalização das drogas para uso pessoal e que amplia as condições para a realização do aborto legal. Pela legislação em vigor, o aborto só é permitido no Brasil por estupro ou em casos risco de morte para a grávida.
Catharine Rocha, com Assessoria de Imprensa do senador Jorge Viana
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