Se houvesse um ranking de gravidade das mentiras contadas por Bolsonaro, seguramente figuraria entre as piores a que ele espalhou no dia 21 de outubro do ano passado, em transmissão ao vivo, afirmando que “vacinados [contra a Covid] estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids]”. De tão grave, essa fake news pode levá-lo a ser indiciado em processo no Supremo Tribunal Federal (STF). A pedido do ministro Alexandre de Moraes, a Procuradoria Geral da República (PGR) deve se pronunciar a respeito.
Se dependesse da CPI da Covid no Senado e da Polícia Federal (PF), Bolsonaro já estaria indiciado. A conclusão do órgão policial é que o presidente usou sua live semanal para disseminar desinformações sobre uso de máscaras e vacinação. Assim, escreveu a PF na petição ao STF, o discurso teve potencial de alarmar espectadores, ao incentivá-los ao descumprimento de normas sanitárias compulsórias estabelecidas na legislação vigente.
Na prática, a investigação da PF dá razão ao pedido feito pela CPI da Covid, que funcionou entre março e outubro de 2021 no Senado. No relatório, os senadores pediram que Bolsonaro fosse indiciado, entre outros delitos, pelo previsto no artigo 286 do Código Penal: incitação ao crime, que consiste em incentivar, estimular, publicamente, que alguém cometa um crime. Se condenado, o criminoso pode ser preso por até 6 meses.
Fabiano Contarato (PT-ES) disse esperar que o titular da PGR, Augusto Aras, não opte por tentar, novamente, blindar o presidente da República. “O Procurador-Geral da República precisa ser exímio cumpridor da lei e ativo militante contra a corrupção e a impunidade. O país espera que Augusto Aras cumpra seus deveres. A própria Polícia Federal viu indícios de crimes na conduta de Bolsonaro”, justificou o senador.
Na época, Bolsonaro alegou que apenas reproduzia trecho de reportagem da revista Exame. Mas tal publicação era do ano anterior, 2020, baseada em suspeita – infundada, segundo cientistas de todo o mundo – que, pouco depois, foi completamente descartada pela Ciência. Ou seja, o presidente e sua assessoria sabiam que se tratava de algo absurdo. As plataformas YouTube e Facebook também, tanto que retiraram o programa do ar, três dias depois.
Outra mentira contada naquela mesma transmissão pelo inquilino da cadeira presidencial dava conta que a maioria das vítimas da gripe espanhola, em 1918, teria morrido, na verdade, de pneumonia bacteriana “causada pelo uso de máscara”. Aqui, Bolsonaro atribuiu a “informação” a um estudo médico norte-americano. De novo, muito antes da “abobrinha” presidencial já havia um desmentido da equipe que divulgou o estudo, afirmando que as tais mortes por pneumonia bacteriana nada tiveram a ver com o uso de máscaras. Mas é certo que o pronunciamento de Bolsonaro prejudicou as campanhas da área de Saúde que clamavam pelo uso de máscaras como meio de proteção eficaz contra a transmissão da Covid.
Para o líder da bancada do PT, senador Paulo Rocha (PA), as mentiras contadas naquela live são especialmente graves porque ocorreram num momento de desespero da população, que precisava ser incentivada ao uso de máscara e à vacinação, e não desestimulada.
“Entre os tantos crimes cometidos por Bolsonaro, está essa associação absurda que influenciou negativamente a população a respeito da vacina contra a Covid-19. Está chegando a hora do atual presidente pagar por seus desserviços ao país, um dos mais afetados do mundo pela pandemia”, pregou Paulo Rocha.
A abertura de processo formal contra o presidente da República depende dessa manifestação da PGR, órgão ao qual cabe apresentar eventual acusação contra autoridades com prerrogativa de foro no STF.