Tempo de cidadania – Por Walter Pinheiro e Aloysio Nunes

O Projeto de Lei da Câmara nº 41 impede que, em processos ligados a direitos humanos, o sigilo de documentos sirva de deixa para negar informação.

A famosa frase do juiz Louis Brandeis, "o melhor detergente é a luz do sol", merece um adendo: a luz do sol, a transparência não é apenas um poderoso detergente contra ilícitos na administração pública; ela é também o oxigênio imprescindível à democracia.

 

Com efeito,a transparência a próxima o Estado da sociedade civil, permite o controle cidadão das políticas, confere legitimidade aos atos do governo e fundamenta, em última instância, o exercício do poder por parte dos representantes do povo.

Entretanto, a transparência só pode ser efetivamente exercida se ao cidadão é assegurado o direito à informação. E o direito à informação só existe, de fato, quando estão disponibilizados à cidadania mecanismos acessíveis para a obtenção de documentos públicos.

Por isso, há algumas décadas, as principais democracias do mundo vêm implantando legislações para garantir e facilitar o acesso de seus cidadãos à informação. Nessas localidades, a regra geral é a divulgação ampla e facilitada das informações.

O sigilo é exceção temporária, bem justificada e sujeita a revisão periódica. Em tais países, a transparência não é apenas passiva; é também ativa. O direito do cidadão à informação tem por contrapartida o dever do Estado de fornecê-la.

Pois bem: no Brasil, já temos projeto de lei que, em consonância com tal tendência mundial, dita regras liberalizantes, mas equilibradas, para garantir o direito à informação previsto na Constituição Federal.

Trata-se do Projeto de Lei da Câmara nº 41, de 2010, atualmente em tramitação no Senado. OPLC 41 determina a divulgação das informações desclassificadas pela internet, a revisão ativa do sigilo de documentos, a criação da Comissão Mista de Reavaliação de Informações, órgão composto por representantes dos três Poderes, para decidir sobre a classificação de documentos, e o acesso facilitado do cidadão comum às informações.

Ademais, o PLC 41 acaba com o injustificável sigilo eterno de documentos, tal como já aconteceu nos EUA, e impede que, em processos relativos aos direitos humanos, o sigilo possa servir de desculpa para a negação de informações.

Apesar disso, o senador Fernando Collor de Mello apresentou substitutivo com objeções a pontos fundamentais do PLC 41. Entre várias outras alterações, o substitutivo desobriga o poder público de colocar as informações na internet e reintroduz o sigilo eterno de documentos. Além disso, permite-se a denegação de informações sigilosas a processos sobre direitos fundamentais.

O senador Collor alega que o PLC 41 provocará imenso WikiLeaks oficial, o qual comprometerá a soberania nacional. Isso não faz sentido, já que o PLC 41 prevê somente a divulgação de informações cujo sigilo já tenha sido devidamente revogado.

Gostaríamos de lembrar que o sigilo injustificado não promove soberania. A obsessão pelo sigilo não impediu que ditaduras da América Latina, do Leste Europeu e do mundo árabe ruíssem como castelos de cartas. A única soberania estável é a soberania democrática. O Wikileaks, apesar de embaraçoso, não fará ruir democracias.

Para justificar as prorrogações ad infinitum do sigilo, o senador Collor afirma, à la Hegel, que “o tempo do Estado não é o mesmo dos homens particulares”. É verdade.
Mas, numa democracia, o tempo do Estado tem de estar submetido ao tempo da cidadania. Pois bem, é tempo de cidadania no Brasil.

É hora de aprovar o PLC 41 e contribuir para aperfeiçoar e oxigenar a jovem democracia brasileira.

Walter Pinheiro é senador pela Bahia (PT).

Aloysio Nunes Ferreira é senador por São Paulo (PSDB).

Artigo publicado na Folha de S.Paulo.

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