Quase dois meses após a publicação da portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, o ministro Ronaldo Nogueira compareceu ao Senado para prestar esclarecimentos acerca da medida do Poder Executivo que enfraquece as regras de combate ao trabalho escravo.
A medida que foi duramente criticada por parlamentares, sociedade civil e por membros do próprio governo está suspensa desde o final de outubro por uma decisão liminar da ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber.
“É incontestável que a portaria não atendeu ao interesse da sociedade. Não vi um único setor da sociedade defender a portaria. Nós não queremos flexibilizar e nem aceitar nenhuma visão escravocrata. O governo deveria revogar a portaria”, disse o senador Paulo Paim (PT-RS), relator do Projeto de Lei do Senado (PLS 432/2017) que trata da exploração de trabalho escravo.
“O relatório está disponível e foi amplamente debatido com a sociedade. Nós regulamentamos a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde se verificarem a exploração do trabalho escravo. Basta vontade política para votar essa proposta”, enfatizou Paim.
O ministro afirmou, durante a audiência, não haver nenhuma possibilidade de retrocesso na legislação que trata do trabalho análogo a escravidão, incluindo a divulgação da lista suja. Conjunto de empresas que colocam o trabalhador em “situações indignas”.
“A escravidão moderna, muitas vezes, fere a dignidade do trabalhador. A intenção, com a edição da portaria, é dar maior segurança jurídica para o trabalho do auditor fiscal quando definimos quais provas serão juntadas nos autos do processo administrativo. O que nós queremos também é que o escravocrata responda a um processo criminal e que esse processo criminal o leve a condenação e à cadeia”, afirmou Ronaldo Nogueira.
A senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH), utilizou uma fala do próprio ministro para questioná-lo. “Então para que a portaria, ministro? ”.
Para ela, a portaria depõe contra a própria biografia do próprio ministro que, segundo ela, sempre foi muito “acessível e sensível a luta dos trabalhadores”.
“Se ela [portaria] foi tão contestada pelo próprio governo, eu acho que o mais correto, o mais humano, seria revogar essa portaria”, disse.
O procurador do Ministério Público do Trabalho, Maurício Ferreira Brito, relatou ter tomado “um verdadeiro susto” com a edição da portaria. Ele é membro da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), integrante do Poder Executivo, e afirmou que o ministro nunca participou das reuniões do grupo de trabalho que discute “diuturnamente lista suja, conceitos de trabalho escravo e não houve, em momento algum, possibilidade de discussão da portaria”.
“Os casos de trabalho escravo são criteriosamente analisados e selecionados. São casos gravíssimos analisados um a um”, disse, ao explicar o processo complexo que envolve o direito à ampla defesa até a publicação do nome de uma empresa na chamada lista suja.
“A forma como o governo agiu, usando uma portaria, usando o braço forte do Estado para colocar em xeque os avanços conquistados na área e, ao final, ainda serviu para proteger aqueles que escravizam. Isso foi ruim”, criticou o senador Paulo Rocha (PT-PA).
Já a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) destacou o fato de a legislação brasileira de combate ao trabalho escravo ter sido atualizada e aperfeiçoada desde o governo FHC, ainda nos anos 90, passando pelos governos Lula e Dilma.
“É inegável o avanço que o Brasil vinha conquistando nessa área. Por isso, nossa indignação com essa portaria e cortes no orçamento que já restringiram, e muito, o papel da fiscalização no combate ao trabalho escravo”, salientou.