É motivo de chacota – e temor – o modelo de política externa adotado pelo senador José Serra (PSDB-SP) no Ministério de Relações Exteriores (MRE). As sucessivas barbeiragens de Serra e sua visão tacanha sobre atuação diplomática são motivo de preocupação crescente não só dos integrantes do Itamaraty, mas também dos países com quem o Brasil construiu relações nos últimos treze anos respeitando o princípio de não interferir em questões internas. Dessa vez, coube ao chanceler uruguaio Nin Novoa denuncia uma vexaminosa tentativa de compra de voto para prejudicar a Venezuela no Mercosul. Serra precisa explicar melhor isso, porque a referência dele para outros países é a de um nome que está enrolado na lista da Odebrecht por ter recebido R$ 23 milhões na surdina. Leia abaixo, tradução da matéria publicada no jornal El País, do Uruguai, nesta terça-feira (16):
Governo uruguaio afirma que foi “incomodado” pela tentativa brasileira de “compra de voto” contra Venezuela
O chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa acusou o governo interino do Brasil de querer “comprar o voto do Uruguai” propondo o apoio daquele país à proposta de suspensão da transferência da presidência pro tempore do Mercosul à Venezuela em troca de futuros acordos comerciais.
“Não gostamos que o chanceler brasileiro [José Serra, PSDB] tenha vindo ao Uruguai para nos dizer — e fez isso em público, por isso eu falo — que tinham a pretensão de que suspendêssemos a transferência [da presidência do Mercosul à Venezuela] e que, se aceitássemos, nos incorporariam às negociações brasileiras com outros países, como se quisessem comprar o voto do Uruguai”, afirmou Nin Novoa à Comissão de Assuntos Internacionais da Câmara dos Deputados do Uruguai, no último 1º de agosto, de acordo com as notas taquigráficas da Casa às quais teve acesso o jornal El País.
Acompanhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Serra chegou ao Uruguai dia 5 de julho para reunir-se com o presidente Tabaré Vázquez e seu homólogo uruguaio, o chanceler Nin Novoa. Em uma coletiva de imprensa, Serra revelou que o Brasil faria “uma grande ofensiva” comercial na África Subsaariana e no Irã e queria levar o Uruguai — e não todo o bloco do Mercosul — como “sócio”. Em troca, pediu ao governo uruguaio que suspendesse a transmissão da presidência do Mercosul à Venezuela.
Essa atitude irritou o presidente Tabaré Vázquez e também o chanceler, como informou Rodolfo Nin Novoa ao Parlamento. “O presidente respondeu clara e terminantemente: o Uruguai vai cumprir a normativa e vai passar a presidência do Mercosul”, enfatizou.
Reiteradas vezes, Nin Novoa deixou claro que o Uruguai entende que “a Venezuela é o ocupante legítimo da presidência pro tempore e, portanto, quando convocar uma reunião, o Uruguai comparecerá. A mensagem aos demais integrantes do Mercosul foi clara: “o Uruguai vai estar presente. Se os outros não comparecerem, a responsabilidade é deles”.
O chanceler também afirmou que o Brasil e o Paraguai recorrem a argumentos “eminentemente políticos” e têm o objetivo de “fazer bullying à presidência da Venezuela”. “Digo com todas as letras. Se atentam contra o jurídico, que é este livro que estou mostrando, que contem o corpo normativo, e acrescentam razões que não estão nas normativas, querem escapar, fragilizar, fazer bullying à presidência de Venezuela. Essa é a pura verdade”, enfatizou.
Nin Novoa concordou com o deputado que o convocou à Comissão de Assuntos Internacionais, Ope Pasquet (Partido Colorado), de que “é preciso salvar o Mercosul”. Afirmou que “não há qualquer condicionante para que um país cujo mandato [na presidência do bloco] tenha terminado continue exercendo esse mandato e que o próximo país segundo a ordem de rotação alfabética não assuma a presidência pro tempore. O Uruguai não permaneceria na presidência de forma alguma. Respeitando as normas, ao fim dos seis meses [do mandato à frente do Mercosul], iríamos deixa-la”.
Além disso, o governo uruguaio tomou a decisão de não participar das reuniões que o Brasil, a Argentina e o Paraguai vêm fazendo para tratar do tema. Nin Novoa frisou que o encontro realizado no Rio de Janeiro durante a abertura dos Jogos Olímpicos “foi um coquetel” e “não decidiu absolutamente nada”. Para o chanceler uruguaio, o “grave” foi o fato de o coordenador nacional do Brasil, o embaixador [Paulo Estivallet] de Mesquita, tenha determinado que nenhum representante brasileiro comparecesse às reuniões convocadas pela Venezuela.
Por outro lado, Nin Novoa apontou o papel que cabe à presidência do Mercosul e pediu que não se exagere a relevância da questão [“no dar por el pito más de lo que el pito vale”, expressão usada no original]. Nesse aspecto, acrescentou que a presidência do Mercosul é a coordenação dos grupos de trabalho do bloco “e pouca coisa mais”.
Ainda assim, o chanceler afirmou que esta polémica em torno da transferência da presidência do Mercosul “não pode voltar a ocorrer em dezembro, quando a Venezuela deverá passar o posto à Argentina”. “Nessa ocasião, o Uruguai terá a autoridade moral para exigir que seja feito o que deve ser feito”.
“Não castigar”
O Paraguai pediu aos demais fundadores do Mercosul a realização de uma “revisão jurídica” do protocolo de adesão da Venezuela ao bloco, devido ao descumprimento da normativa expressa naquele compromisso. Já o Brasil sustenta que o Mercosul deverá decidir as “medidas jurídicas” aplicáveis à Venezuela.
A posição do Uruguai és outra. A ideia do governo de Tabaré Vázquez é “não aplicar castigo”, e sim buscar modos de colaboração com a Venezuela, em especial porque não há sanções previstas no protocolo em caso de não cumprimento. “Para que vamos inventar, buscar atalhos políticos para assaltar o jurídico?”, preguntou o chanceler em sua fala ao Parlamento Uruguaio.
“Não vamos a tomar nenhuma decisão de aplicar sanções à Venezuela; acreditamos que não estão dadas as condições que não estão dadas as condições para aplicar a carta democrática. (…) O dia que nos disserem que [os venezuelanos] fecharam o Parlamento, para nós será uma ruptura democrática. Até lá, essa ruptura não existe”.
Chantagem abominável
O presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Câmara dos Deputados do Uruguai, o socialista Roberto Chiazzaro, condenou o comportamento “lamentável” da chancelaria brasileira encabeçada por José Serra. “Chantagear o Uruguai é algo totalmente abominável. Acho muito bom que o senhor ministro [Nin Novoa] diga publicamente que Uruguai não se sujeita a chantagens”, sustentou Chiazzaro na reunião do colegiado de 10 de agosto.
O deputado também elogiou o trabalho da Chancelaria uruguaia, que qualificou como “inatacável”. “De tudo que foi dito aqui, uma das frases que mais gostei foi ouvir do ministro que não se aceitam atalhos políticos para não cumprir com o que está na lei. Essa é a verdade que se afirma aqui. Há interesse de alguns países da região na queda do governo venezuelano”, ressaltou.
O deputado colorado Ope Pasquet — autor do requerimento que convocou Nin Novoa à comissão — também elogiou “a dignidade do governo uruguaio em não ceder diante do que foi, evidentemente, uma pressão do Brasil”. E concluiu: “”Creio que [o governo uruguaio] agiu corretamente”.
Por outro lado, Ope Paquet questionou a compreensão da Chancelaria uruguaia de que não há ruptura da ordem democrática na Venezuela. “Discordo da interpretação do Ministério de que não há elementos para entender que está configurada a ruptura democrática. Claro que há!”
Tradução Cyntia Campos
Leia a matéria original do jornal uruguaio El País (em espanhol)
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