O Império da sucata e a soberania nacional
Fernando Rosa
EUA pretendem agora, em última instância, é transformar o Brasil em comprador de suas sucatas e sobras de guerras superadas tecnologicamente.
Em janeiro de 2009, o embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel, enviou telegramas ao governo de seu país com duras críticas ao Plano Nacional de Defesa do Brasil, anunciado em dezembro de 2008 pelo presidente Lula, segundo noticiou o jornal Estadão, na época. A informação tinha como fonte um conjunto de telegramas vazados pelo site Wikileaks, também responsável por vazar trocas de informações entre o atual presidente Michel Temer e autoridades dos EUA. Segundo a matéria, o relato destacava a preocupação com “o interesse do Brasil em controlar tecnologia nos setores espacial, cibernético e nuclear”.
Os telegramas também evidenciavam a preocupação – e uma certa ironia – de Sobel com a palavra “independência” que, segundo ele, demonstravam a vontade do Brasil em controlar a produção de armamentos, e com prioridade para alianças com países que transferissem tecnologia. Sobel também destacava a preocupação dos brasileiros com as descobertas de petróleo no mar e a sua utilização como razão urgente para melhorar a segurança marítima. “Essa preocupação se fundiu à busca de duas décadas do Brasil por desenvolver um submarino nuclear, dando um novo ímpeto à pesquisa sobre um pequeno reator para propulsão naval”.
O embaixador norte-americano também manifestava contrariedade ao Plano pelo seu caráter mais amplo de visão e concepção de segurança nacional. Para ele, “algumas das propostas do plano têm menos a ver em melhorar a estrutura militar e mais com a integração da Segurança Nacional com o desenvolvimento do País”. Em sua “análise”, o plano batizado com o nome de “Paz e Segurança para o Brasil”, dava ênfase em benefícios sociais “em detrimento ao profissionalismo no serviço militar” com o objetivo de minimizar “a capacidade dos militares de se envolverem na área”.
Ao contrário das especulações do embaixador americano, e do tom de intriga perseguido, o Plano afirmava que “a disposição para mudar é o que a Nação está a exigir agora de seus marinheiros, soldados e aviadores. Não se trata apenas de financiar e de equipar as Forças Armadas. Trata-se de transformá-las, para melhor defenderem o Brasil”. Nesse sentido, o Plano definia que “projeto forte de defesa favorece projeto forte de desenvolvimento. Forte é o projeto de desenvolvimento que, sejam quais forem suas demais orientações, se guie pelos seguintes princípios:
a) Independência nacional, efetivada pela mobilização de recursos físicos, econômicos e humanos, para o investimento no potencial produtivo do País. Aproveitar a poupança estrangeira, sem dela depender;
b) Independência nacional, alcançada pela capacitação tecnológica autônoma, inclusive nos estratégicos setores espacial, cibernético e nuclear. Não é independente quem não tem o domínio das tecnologias sensíveis, tanto para a defesa como para o desenvolvimento;
3) Independência nacional, assegurada pela democratização de oportunidades educativas e econômicas e pelas oportunidades para ampliar a participação popular nos processos decisórios da vida política e econômica do País. O Brasil não será independente enquanto faltar para parcela do seu povo condições para aprender, trabalhar e produzir.
A cada dia que passa, mais claras se tornam as evidências do envolvimento externo nas operações golpistas – desde as ações de rua em 2013, passando pela Lava Jato, até o recente “encontro” de John Kerry com José Serra. As manifestações de rua tentaram reproduzir as “primaveras” golpistas, a operação Lava Jato mirou na Petrobras e no pré-sal, nas empreiteiras nacionais e no submarino nuclear. Ao mesmo tempo, os chefes do golpe apostam no alinhamento unilateral e suicida aos Estados Unidos, do que não deixa dúvidas a imediata visita do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) ao Pentágono, logo após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff.
Ao mesmo tempo, é cada vez mais temerária a postura belicista norte-americana para impedir o desenvolvimento de países e regiões, do que são exemplos a destruição do Iraque e da Líbia, e as demais guerras no Oriente Médio. Os exércitos de China, Índia e Rússia, não por acaso três países do BRICS, por outro lado, junto com EUA e França serão as forças armadas mais poderosas do mundo em 15 anos, segundo publicação político-militar “The National Interest”. O que está em jogo, portanto, nesse momento, para os interesses nacionais, geopolíticos e militares, por certo, vai além dos temas da democracia e dos direitos sociais, embora fundamentais.
O povo brasileiro, em boa parte, nas ruas de todo o país, já demonstrou seu total repúdio ao golpe e aos golpistas interinos; enquanto outra parcela certamente reagirá ainda com mais vigor diante do “pacote de maldades” sociais previsto para o pós-impeachment, se vingar. O mundo, governos, lideranças intelectuais, políticos, artistas, até mesmo dos Estados Unidos, e a mídia internacional em sua grande maioria também identificam como um golpe de estado o que está em curso no país. A CNBB acaba de perguntar “para onde vamos?”, advertindo que “democracia é respeito à vontade do povo” e conclamando “ao diálogo e à busca de soluções democráticas que preservem as conquistas e os direitos do nosso povo”.
Em 1982, a Guerra das Malvinas sepultou a política de segurança nacional regional e mundial vigente até então, quando os Estados Unidos negaram munição à Argentina, deixando os argentinos à mercê da covarde e cruel agressão dos exércitos da Inglaterra. Da mesma forma o que os EUA pretendem agora, em última instância, é transformar o Brasil em comprador de suas sucatas e sobras de guerras superadas tecnologicamente. Pode ser uma ironia a visita do secretário de Estado John Kerry à equipe americana na Escola Naval, durante as Olimpíadas, no Rio de Janeiro, mas não tem nada de casualidade a perseguição e a absurda pena de 43 anos de prisão ao Almirante Othon, responsável pelo desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro.
Nos anos 70, o general Ernesto Geisel já havia apostado na multipolaridade, ao abrir relações diplomáticas e comerciais com a China, e na independência tecnológica, ao romper o acordo de fornecimento de material bélico com os EUA, assinando o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, que resultou nas usinas Angra I e II, dando início a moderna indústria bélica nacional. Em sua Política de Defesa Nacional, sancionada em 2005, pelo presidente Lula, o Brasil definiu que “a segurança, em linhas gerais, é a condição em que o Estado, a sociedade ou os indivíduos se sentem livres de riscos, pressões ou ameaças, inclusive de necessidades extremas”. Neste momento em que tentam destruir o Poder e Estado nacional, assim como povo brasileiro, as FFAA não aceitarão o papel de “capitães do mato” do Império colonial, e honrarão a herança de Floriano Peixoto.
Publicado originalmente no blog de jornalismo “Senhor X”