A CPI da Covid ouviu nesta terça-feira (6) a servidora Regina Célia Silva Oliveira, do Ministério da Saúde, acerca da autorização para compra da vacina indiana Covaxin. Ela era a fiscal do contrato.
Regina Célia foi citada à CPI pela primeira vez no último dia 25, no depoimento de Luis Ricardo Miranda, que é chefe da divisão de importação no Departamento de Logística do Ministério da Saúde.
Durante o depoimento desta terça, Regina admitiu aos senadores que foi designada para fiscalizar os termos do contrato da compra da vacina Covaxin apenas no dia 22 de março, dois dias após a reunião na qual os irmãos Miranda relataram ter com Bolsonaro para denunciar indícios de fraude detectados na negociação pelo servidor.
De acordo com o contrato, uma primeira remessa deveria ter chegado ao Brasil no dia 17 de março. Mas nunca foram entregues. Ou seja, caso a irregularidade contratual não tivesse sido detectada por Luis Ricardo Miranda, possivelmente, o Brasil teria perdido milhões de reais num contrato fraudulento de compra de vacinas que sequer ainda tinha fiscal designado.
Com relação ao contrato, Regina afirmou que aprovou apenas a mudança na quantidade de doses que seriam entregues na primeira remessa, de 4 milhões para 3 milhões. Mas afirmou que não aprovou o pagamento à empresa Madison, com sede em Singapura, que apareceu na nota fiscal da primeira remessa. O pagamento antecipado constante na nota fiscal é um dos pontos que chamou a atenção de Luis Ricardo Miranda por não constar no contrato.
Diversos senadores questionaram a servidora sobre a divergência na nota fiscal e o prosseguimento no processo contratual, mesmo com as divergências detectadas, já que a fabricante da Covaxin é a empresa Barath Biotech e a representante da empresa no Brasil é a Precisa Medicamentos. Mas na nota fiscal aparecia a Madison, com sede em Singapura, como empresa para pagamento.
Ela afirmou que fez observações ao setor de importação do Ministério, mas, ao não obter resposta imaginou que os problemas contratuais estivessem superados.
O contrato do governo para a compra da vacina Covaxin girava em torno de R$ 1,6 bilhão. O contrato foi suspenso pelo governo no último dia 29 de junho após as denúncias de irregularidades no contrato se tornarem públicas.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) alertou para o padrão detectado pela CPI de os contratos relacionados à pandemia no governo Bolsonaro, preferencialmente, só avançarem quando tem um intermediador envolvido na transação.
“Intermediação virou a regra no governo Bolsonaro. A Covaxin tem intermediário, a Precisa. A Cansino tinha Luciano Hang e Carlos Wizard como intermediários. A Pfizer teve [Fábio] Wajngarten, da Secom, como intermediário. Nós precisamos colocar nosso olhar sobre como esse governo opera. E ele só opera, ele só faz acontecer quando tem intermediário. A gente precisa prestar atenção, porque é nisso que mora o risco da corrupção”, alertou o senador.
Governo Bolsonaro dispensou tratamento VIP à Precisa Medicamentos
O senador Humberto Costa (PT-PE) mostrou estranhamento com o curto prazo envolvido na negociação para a compra da Covaxin por parte do governo brasileiro. A Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech, conseguiu a autorização do Ministério da Saúde em apenas 97 dias.
“A Precisa é a empresa que teve o tratamento VIP. Basta fazer uma comparação com a Pfizer, 330 dias [para obter a autorização]”, aponta o senador Humberto Costa.
O senador lembra que a Covaxin seria a vacina mais cara comprada pelo Brasil, 15 dólares por unidade. Além disso, contratada sem a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), prerrogativa colocada como obrigatória pelos defensores do governo para justificar o atraso na compra dos demais imunizantes.
“A Covaxin ainda seria beneficiada com a aprovação do PL da Câmara que previa pagamento antecipado e nenhuma punição caso não fosse entregue. Esse caso é muito simbólico para ver como esse governo funciona. Esses episódios são a cara do governo Bolsonaro”, enfatizou o senador.
Documentos apresentados pelo governo podem ter sido adulterados
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) apresentou à CPI indícios de fraudes nos documentos apresentados pelo governo Bolsonaro para desacreditar o depoimento dos irmãos Miranda.
O documento citado pela senadora foi apresentado pelo ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, e pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, no dia 25 de junho, logo após o depoimento dos irmãos à CPI.
De acordo com a senadora, o documento apresentado pelos representantes do governo como verdadeira tem “erros grosseiros”. Os documentos foram usados por Elcio Franco e Onyx Lorenzoni para justificar irregularidades no contrato.
“O [documento] dito ‘verdadeiro’ tem excesso de erros e não há marcas de scanner ou fax. O documento tem clara comprovação de falsidade de documento privado. Estamos falando de falsidade ideológica formulada por alguém. Ele tem a marca que o logotipo desenquadrado, não está alinhado em alguns pontos como se fosse uma montagem”, explicou a senadora.
Além disso, Simone Tebet apontou diversos erros em termos escritos em inglês como a descrição de preço que ao invés de ‘price’ estava descrito como ‘prince’ no documento. Outro indício de fraude, segundo a senadora, é a mistura de referências a termos em português e inglês no mesmo documento. “Um ‘portuinglês’ que não dá para entender”, resumiu.
Servidora nega conhecer Ricardo Barros
Regina Célia, que é servidora de carreira do Ministério da Saúde, foi questionada pelos senadores se tem algum elo com o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR).
O deputado é líder do governo Bolsonaro na Câmara e foi citado pelos irmãos Miranda na CPI como responsável pelo “rolo” no contrato da Covaxin pelo próprio presidente Bolsonaro, de acordo com relato do deputado Luis Miranda (DEM-DF).
Ela disse à CPI que assumiu a função de fiscalizar contratos em 2016, na gestão do então ministro e atual senador Marcelo Castro (MDB-PI). Após ser questionada sobre uma nomeação do dia 8 de dezembro de 2016, ela afirmou que a portaria teria sido assinada por Ricardo Barros. Mas, de acordo com a servidora, são mudanças de cargo que ocorre rotineiramente na estrutura ministerial.
“A minha nomeação em todos esses cargos foi unicamente por razões técnicas. Eu não tive nenhum patrocínio, eu não conheço nenhum político que possa ter intervindo na minha nomeação”, disse.