PARECER Nº , DE 2013
Da COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA, sobre o Projeto de Lei da Câmara n.º 122, de 2006 (PL n.º 5.003, de 2001, na origem), da Deputada Iara Bernardi, que altera a Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e o Decreto-Lei 5.452, de 1.º de maio de 1943, para coibir a discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.
RELATOR: Senador PAULO PAIM
I – RELATÓRIO
Está sob exame da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 122, de 2006 (Projeto de Lei nº 5.003, de 2001, na origem), de autoria da Deputada Iara Bernardi, aprovado naquela Casa em 23 de novembro de 2006.
O texto original impunha (em lei avulsa) sanções administrativas às pessoas jurídicas por práticas discriminatórias motivadas por orientação sexual, sob a invocação do princípio da igualdade, inscrito no art. 5º da Constituição da República. Ganhou, no entanto, o formato de lei modificativa de natureza penal ainda no curso de sua tramitação pela Casa iniciadora.
Assim, o projeto ora submetido à revisão do Senado visa alterar a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que cuida de punir crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, para nela inserir punição também aos crimes praticados por discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Para tanto, além de estender o escopo de proteção dessa lei a novos segmentos, criminaliza uma série de condutas, define o rito de apuração dos atos discriminatórios, amplia significativamente os efeitos da condenação, altera a Consolidação das Leis do Trabalho, bem como o Código Penal, instituindo nova qualificadora para o crime de injúria.
Inicialmente distribuído ao exame deste Colegiado e, também, ao da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o PLC nº 122, de 2006, foi objeto de sete audiências públicas no âmbito da CDH antes de ser remetido à análise prévia da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), por força da aprovação de requerimento.
Depois de realizar mais sete audiências públicas de instrução da matéria, a CAS emitiu parecer favorável ao PLC nº 122, de 2006, nos termos de substitutivo apresentado pela relatora, Senadora Fátima Cleide. O substitutivo acata o teor do projeto aprovado pela Câmara no tocante à proibição do preconceito e da discriminação fundados na orientação sexual e na identidade de gênero (em afronta à homofobia) e nos critérios de sexo e gênero (em afronta ao machismo). Acolhe, igualmente, a qualificação de injúria derivada da manifestação de preconceitos e a extensão da pena de reclusão a quem “impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, sendo estas franqueadas às demais pessoas”. Sem instituir novos crimes, inova, entretanto, ao sugerir a criminalização do preconceito e da discriminação fundados na condição de pessoa idosa ou com deficiência e ao substituir a expressão “procedência nacional” por “origem” nos tipos penais referidos na lei.
No âmbito da CDH, onde não foi alvo de emendas até o momento, o projeto já deu ensejo a outras cinco audiências públicas de instrução e deverá ser ainda examinado pela CCJ no curso de sua tramitação por esta Casa Revisora.
II – ANÁLISE
Nos termos do art. 102-E do Regimento Interno do Senado Federal, compete a este Colegiado opinar sobre matéria que trate da garantia e promoção dos direitos humanos, caso específico do projeto sob análise.
À luz da Constituição, o PLC nº 122, de 2006, parece estar apto a receber o aval do Senado. A nosso ver, ele não afronta cláusula pétrea, respeita o princípio da reserva de iniciativa, materializa-se na espécie adequada de lei e versa sobre matéria que está no âmbito de competência legislativa da União e das atribuições dos membros do Congresso Nacional.
Com relação ao mérito, afigura-se-nos inequívoco o mérito da iniciativa da Deputada Iara Bernardi, que se respalda no respeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo a qual todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei, independentemente de sua cor, etnia, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, idade, credo, origem ou grau de escolaridade. Afinal de contas, as pessoas devem ser reconhecidas como pessoas simplesmente: em casa e na rua, na família e na sociedade, no trabalho e no lazer, em qualquer situação.
Também não temos dúvida da necessidade de recorrer aos mecanismos penais para coibir a discriminação no território nacional e para garantir a universalidade do direito à igualdade e à diversidade, pois a homofobia é um ato juridicamente condenável, merecedor da represália social e estatal. Aliás, foi isso o que restou claro no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277, em que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, confirmou o voto do relator, Ministro Carlos Ayres Brito, segundo o qual a:
(…) Constituição do Brasil proíbe, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a mulher e o homem. Uma proibição que nivela o fato de ser homem ou de ser mulher às contingências da origem social e geográfica das pessoas, assim como da idade, da cor da pele e da raça, na acepção de que nenhum desses fatores acidentais ou fortuitos se põe em causa de merecimento ou de desmerecimento intrínseco de quem quer que seja.
Entendemos, todavia, que o substitutivo da CAS aperfeiçoa a abordagem da matéria proposta, sobretudo porque instruído por amplo e profundo debate, viabilizado pela realização de diversas audiências públicas. Com base nos pressupostos da não discriminação, da intervenção penal mínima, da clareza e simplicidade da linguagem e da ampliação do rol dos beneficiários da lei que pune os crimes resultantes de preconceito e discriminação, ele estende a proteção também às pessoas idosas ou com deficiência e limita-se a dispor sobre as condutas julgadas fundamentais para a garantia do respeito à dignidade humana.
Em nome desse respeito, aliás, e tendo em vista a indivisibilidade dos direitos humanos e o princípio de que o Estado só deve recorrer à lei penal em último caso, defendemos o aprofundamento da diretiva adotada pela CAS, no sentido da mínima intervenção legal e da máxima proteção de direitos. Por isso, oferecemos à análise dos nobres congressistas um substitutivo que se insurge contra os crimes baseados no ódio e na intolerância por qualquer tipo de discriminação.
Lembramos, a propósito, que a consciência da indivisibilidade dos direitos humanos está na raiz do combate ao preconceito e à discriminação, que tem sede constitucional no Brasil, amparando-se nos princípios e nas normas que conferem à dignidade da pessoa humana a condição de princípio-base informador da estrutura fundamental de toda a arquitetura da Lei Maior. Não por acaso, já em seu preâmbulo, a Constituição da República faz da tolerância uma de suas marcas definidoras, visto que ancora o Estado democrático de direito “nos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Também ao enunciar os Princípios Fundamentais (art. 1º), ela indica entre os fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (incisos III e V), tendo este hoje a acepção de respeito e tolerância à diversidade humana. Ademais, assenta, entre os objetivos fundamentais do País, a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV). Por fim, proclama a igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput); declara invioláveis a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas (inciso X); prevê que a lei punirá qualquer forma de discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (inciso XLI); e condena a prática do racismo, reportando-se a ele como “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (inciso XLII).
Diante de tal quadro e considerando que o preconceito e a discriminação serão melhor enfrentados com a participação e o compromisso de todos, iniciamos uma série de reuniões com diversos segmentos sociais para a construção do consenso possível em torno do tema.
O diálogo ocorreu com todos os setores da sociedade, inclusive aqueles que sempre se demonstraram contra qualquer alternativa que se apresentasse em relação a esse tema.
Dessas reuniões, firmou-se a certeza de que a solução para o problema no momento civilizatório que vivemos está na elaboração de norma que reforce a perspectiva de prevalência dos direitos humanos e condene toda prática atentatória de direitos que tenha por fundamento o ódio e a intolerância por qualquer característica ou condição do ser humano. Afinal, não há preconceito ou discriminação que seja menor ou menos prejudicial à integridade e à dignidade humana, porque essas práticas são igualmente lesivas e desumanizantes.
Ouvimos todos e não entramos na polêmica da homofobia. Essa foi a primeira mudança para elaboração desse relatório!
A segunda mudança é que colocamos no artigo 8º do substitutivo apresentado, em seu parágrafo único, parte final, “resguardado o respeito devido aos espaços religiosos,” quanto à manifestação de afetividade de qualquer pessoa em local público ou privado aberto ao público.
A terceira alteração que fizemos é que colocamos numa única Lei todo o tipo de preconceito, para que ninguém dissesse que tínhamos feito uma Lei especial para a orientação sexual, ou seja, todos os discriminados estarão contemplados. Assim, agradeço quanto a isso, principalmente o movimento negro por ter aceitado o debate e entendido esse ponto de vista.
E, a quarta mudança é que nos preocupamos em elaborar uma Lei que combata aquilo que consideramos ser unanimidade: ” combata o ódio, a intolerância e a violência de um ser humano contra o outro”.
Como disse Nelson Mandela: ” como é bom ensinar uma criança a amar e como é truculento, hediondo, querer ensinar uma criança odiar a outra por preconceito. Isso é uma violência contra ambas!”
Ao longo desses anos de vida parlamentar e principalmente nesse último ano dialogamos com inúmeras pessoas sobre o tema aqui em debate. Ouvimos histórias e nos emocionamos com elas. Contaram-nos os inúmeros preconceitos sofridos, muitas vezes um único ser humano sofre por ser negro, ser pobre e ter a sua orientação sexual questionada e reprimida violentamente todos os dias.
Por tudo isso, ao definirmos por esse substitutivo, sentimos o coração e a alma tranquilos e de que estamos fazendo a nossa parte na história, sempre perseguindo a justiça, a igualdade e a liberdade como direitos de todos e para todos.
Ao longo de nossas vidas aprendemos a sempre nos colocar no lugar do outro e assim fazemos nesse momento, ao lembrar as palavras do Papa Francisco quando esteve aqui no Brasil: “quem sou eu para julgar a conduta do outro”.
Talvez avancemos pouco se ficarmos presos à falsa contraposição entre os direitos de personalidade e de livre expressão do pensamento e de crença, mas certamente podemos caminhar juntos na defesa do respeito às diferenças que nos individualizam e às semelhanças que nos aproximam e nos fazem compartilhar a mesma humanidade. Busquemos, juntos, portanto, a solução que a todos aproveite e a ninguém prejudique: a superação de toda forma de preconceito, que sempre se firma na ignorância.
Entendemos que a vida humana com dignidade pressupõe respeito. E a supressão biológica da vida, embora seja o mais grave, não é o único ato de desrespeito possível. Há muitas formas e meios de promover a morte social, sendo a discriminação a principal entre elas. Daí o mérito dos instrumentos para coibi-la e sua relevância num sistema jurídico referenciado nos Direitos Humanos e nas liberdades públicas.
Por isso, assinalamos que o substitutivo ora apresentado amplia a proteção legal a todas as pessoas, buscando livrá-las da ocorrência de crimes de ódio e intolerância derivados de discriminação ou preconceito de origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência, além dos fatores de raça, etnia e religião, já devidamente contemplados no ordenamento jurídico nacional. Nossa proposição, insistimos, pouco modifica o texto da lei hoje em vigor e, mesmo com mínima intervenção, contribui para torná-la um poderoso instrumento de afirmação da igualdade entre todos e todas perante a lei.
Em suma, nossa proposta tem por fundamento a dignidade humana e o pluralismo político como conceitos básicos, além de dois princípios que lhe são elementares: a liberdade e a igualdade. A igualdade não implica negação de diferenças, mas pressupõe a garantia da não discriminação. Da mesma forma, a dignidade humana e o pluralismo político, como princípios fundamentais da República, obrigam o Estado a coibir a discriminação e a garantir tolerância, civilidade e imparcialidade de tratamento. Nesse contexto, elaborar uma regulação de convivência que contemple duas máximas milenares: a liberdade de arbítrio e o respeito ao próximo.
Desse modo, em consonância com a Constituição Federal, o texto que ora propomos almeja proteger a vida, não apenas em seu sentido biológico, mas nas relações sociais indispensáveis ao seu desenvolvimento. É certo que as condutas criminalizadas não tratarão da esfera da consciência, mas da esfera da convivência, definindo apenas comportamentos que impliquem lesão a direito alheio.
III – VOTO
Diante do exposto, o voto é aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 122, de 2006, nos termos da seguinte emenda substitutiva:
EMENDA Nº – CDH (SUBSTITUTIVO)
PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 122, de 2006
Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para definir e punir os crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Define e pune os crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência. (NR)”
Art. 2º Os arts. 1º, 3º, 4º, 8º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência. (NR)”
“Art. 3º ……………………………………………………………………………..
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência, obstar a promoção funcional.
………………………………………………………………………………..” (NR)
“Art. 4º ……………………………………………………………………………..
§ 1º Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência:
……………………………………………………………………………….. (NR)”
“Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos comerciais ou locais abertos ao público.
………………………………………………………………………………………….
Parágrafo único: Incide na mesma pena quem impedir ou restringir a manifestação de afetividade de qualquer pessoa em local público ou privado aberto ao público, resguardado o respeito devido aos espaços religiosos. (NR)”
“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência:
……………………………………………………………………………….. (NR)”
Art. 3º O § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 140. ………………………………………………………………………….
………………………………………………………………………………………….
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência:
…………………………………………………………………….. (NR)”
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala da Comissão,
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