Governo age para evitar retrocesso no combate ao trabalho escravo

Governo age para evitar retrocesso no combate ao trabalho escravo

Governo quer ampliar debate sobre regulamentação do trabalho degradante. Projeto em tramitação ameniza punição.

O Executivo Federal atua no Senado para alterar a proposta de regulamentação da PEC do Trabalho escravo para evitar que haja retrocesso no combate ao emprego degradante e forçado. Desde a semana passada, acendeu a luz amarela sobre o tema quando um grupo de senadores tentou forçar a discussão e aprovação do PLS 432 ao mesmo tempo em que a PEC sobre o tema (PEC 57-A/1999) também seria apreciada no plenário da Casa.

A principal preocupação é em relação ao conceito do que é trabalho escravo – o texto do relator Romero Jucá (PMDB-RR) deturpa o termo, provocando insegurança jurídica na aplicação das penas já previstas no artigo 149 do Código Penal. Com isso, a punição ao trabalho escravo seria amenizada.

Diante da polêmica, a intenção do Governo é aprovar primeiro a PEC que abre a possibilidade de expropriação de imóveis rurais e urbanos onde a fiscalização comprovar exploração de trabalho escravo e ampliar a discussão do projeto de regulamentação, já aprovado na Comissão Mista Especial para Consolidação. Isso é o que defende a senadora Ana Rita (PT-ES), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa, preocupada que não haja risco de retrocesso na aplicação da legislação que visa o combate ao trabalho escravo no País.

“A regulamentação precisa ser mais bem debatida. Não dá para se votar rapidamente a regulamentação sem que haja um amplo debate. Para mim, essa regulamentação traz um conceito que flexibiliza o trabalho escravo e precisamos ampliar o debate com quem atua nessa área”, disse.

Outra distorção no texto é a previsão de que a desapropriação alcançará apenas os imóveis, urbanos ou rurais, nos quais tenha ficado comprovada a exploração do trabalho escravo diretamente pelo proprietário. Isso exclui, por exemplo, a tomada de imóveis alugados. Há ainda a condição para que a expropriação ocorra só em caso de sentenças condenatórias transitadas em julgado, ou seja, para as quais não seja possível interpor recursos judiciais.

Veja o que diz demais trechos do PLS 432:

– submeter alguém a trabalho forçado, exigido sob a ameaça de punição, com uso de coação ou que se conclui de maneira involuntária ou com restrição de liberdade pessoal;

– o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador;

– a manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho ou apropriação de documentos ou objetos pessoais para mantê-lo no local de trabalho;

– a proibição de locomoção do trabalho por causa de dívida.

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“Para mim, essa regulamentação traz um
conceito que flexibiliza o trabalho escravo
e precisamos ampliar o debate com quem
atua nessa área”

Críticas

O fato chamou também atenção de ativistas de direitos humanos como Leonardo Sakamoto, representante da ONG Repórter Brasil na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. No domingo (03), o jornalista publicou em seu blog, um texto crítico ao conteúdo do PLS 432/2013, dizendo que, aprovado, o texto trará insegurança jurídica para a questão do trabalho escravo no Brasil.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, são elementos que determinam trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador), jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).

“É só uma regulamentação, mas nela repousa a luta entre o respeito à dignidade humana e a barbárie”, ressalta Sakamoto, em seu blog.

Retrocesso
O Brasil reconheceu formalmente a existência de escravidão no seu território, em 1995. Desde então, mais de 35 mil trabalhadores foram retirados dessas condições, recebendo seus direitos trabalhistas, assim como os infratores vem sendo cobrados pelo Ministério Público do Trabalho, através da assinatura de Termos de Ajustes de Conduta e respondendo Ações Civis Públicas.

“Iniciou-se então um novo período marcado por avanços importantes no combate ao trabalho escravo, bem como na consciência das formas perversas que este vem assumindo na atualidade: o escravo moderno encontrado pelos competentes auditores fiscais do trabalho, procuradores e policiais, integrantes dos grupos móveis especializados, não é mais aquele sujeito sem direitos (ou melhor: não-sujeito), preso a correntes, como no tempo da Colônia ou do Império”, diz nota da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgada na última segunda-feira (04).

“Sua aprovação eventual significaria um dramático retrocesso no combate à escravidão moderna, uma chaga que atinge hoje milhares de trabalhadores rurais, cortadores de cana, carvoeiros, pedreiros em grandes obras e imigrantes latinos. Sob essas restrições, de nada adiantaria aprovar o confisco da propriedade por um crime cuja materialidade formal já não seria mais plausível de ser encontrada. Tudo não passaria de uma gritante hipocrisia”, aponta o documento da CPT, referindo-se a aprovação do PLS 432.

Veja como o Ministério Público do Trabalho busca atualmente:

– atenção ao trabalhador, com o resgate e a inclusão ou reinclusão social, para prevenir o retorno à superexploração e quebrar o ciclo de pobreza. O trabalhador qualificado profissionalmente e inserido no mercado formal de trabalho sairá da vulnerabilidade social que o em¬purra ao trabalho escravo moderno;

– punição e conscientização do empregador, que, muitas vezes bus¬cando maior lucratividade, economiza justamente na mão-de-obra, findando por olvidar a condição de ser humano dos obreiros envolvi¬dos no seu negócio. Nesse sentido, Termos de Ajuste de Conduta e Ações Civis Públicas manejados pelos Procuradores do Trabalho impõem sanções severas para inibir a repetição da conduta, com co¬brança de indenizações pelos danos morais coletivos e individuais;

– alerta à população, que precisa entender o que é a escravidão contemporânea para denunciá-la e possibilitar aos atores envolvidos o maior alcance no combate, devendo toda a sociedade repudiar a prática, provocando inclusive, a reflexão do consumidor e da cadeia econômica acerca da procedência do produto em foco.

Ministério do Trabalho
No portal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) o cidadão ainda pode encontrar uma cartilha explicando o que pode ser caracterizado como trabalho escravo.

Clique aqui para acessar a cartilha do MTE “Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo”

 

Conheça o relatório da PEC 57-A/1999

Conheça o relatório do PLS 432/2013

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