Necessidade urgente de nova legislação é consenso entre participantes da primeira rodada de debates no SenadoA construção de uma aliança que incentive o progresso científico e a preservação ambiental mobiliza toda a comunidade mundial. Na vanguarda dessa discussão, o Brasil está consolidando, no projeto do novo Marco da Biodiversidade (PLC 2/2015), os princípios e diretrizes para a exploração de sua biodiversidade e conhecimentos das comunidades tradicionais. A matéria está em discussão no Senado Federal, que tenta aprimorar o texto aprovado na Câmara dos Deputados.
A necessidade urgente da nova legislação foi levantada por representantes de sete ministérios, na manhã desta terça-feira (17), na primeira rodada de debate promovida pelo Senado. Eles destacaram o quanto as regras em vigor sobre o acesso ao patrimônio genético nacional são “burocráticas” e “restritivas”. “Os pesquisadores estão fugindo, trabalhando com a biodiversidade de outros países, porque não conseguem lidar com a legislação vigente”, destacou o diretor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Paulo Sérgio Beirão.
De acordo com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), embora o País concentre a maior biodiversidade do planeta (cerca de 20%), a produção científica de conhecimento e o reconhecimento dessa riqueza não chega a 5% do que é produzido no mundo. E isso reflete na economia brasileira, e com mais força na região Norte, porque a biodiversidade amazônica, que não é exclusiva do Brasil, tem sido apropriada pelos países vizinhos Peru, Guianas, Colômbia e Venezuela.
Além da perda de criação de empregos e desenvolvimento de produtos, a falta de conhecimento sobre toda essa diversidade dificulta o controle de ações predatórias. Por essa razão, a incorporação dos princípios da bioprospecção (busca sistemática por organismos, genes, enzimas, compostos, processos e partes provenientes de seres vivos em geral que possam, eventualmente, levar ao desenvolvimento de produtos) e da rastreabilidade (documentação sobre origem e destino de produtos) no novo Marco são considerados importantes avanços pelo secretario-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Francisco Gaetani: “Procuramos explorar essa biodiversidade de forma sustentável e adequada. Precisamos que as universidades, as empresas e os institutos de pesquisa se engajem nesse processo de construção do interesse nacional.”
Conhecimentos tradicionais
Passados de geração em geração ao longo dos séculos, os conhecimentos tradicionais de ribeirinhos, agricultores familiares, índios, povos quilombolas e de comunidades tradicionais de matriz africana também possuem um alto potencial de exploração econômica. Na verdade, ao longo da história, este saber já vem sendo de alguma forma explorado, mas não necessariamente da forma adequada.
“Muitos de nós usamos, desde os tempos coloniais, ervas, chás, formas de curar por meio de recursos naturais que possuímos no Brasil com a nossa grande diversidade”, ressaltou a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), Nilma Lino Gomes. “Lamentavelmente, a escravidão foi uma forma de usufruir da mão de obra de trabalho de povos e comunidades africanas escravizadas no Brasil”, completou, pedindo a atenção dos senadores para a proteção das comunidades tradicionais que, em sua grande maioria, contam com poucos recursos financeiros.
Por outro lado, as atuais regras de repartição e regularização, que orientam a devolução de parte dos benefícios econômicos adquiridos a partir do uso comercial do patrimônio genético ou dos conhecimentos tradicionais de um povo, também não beneficiam as comunidades tradicionais brasileiras. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), nos 15 anos da lei que tenta inibir a biopirataria no Brasil (Medida Provisória 2.186-16/2001), apenas 110 contratos de repartição de benefícios feitos. Desses, apenas um foi celebrado com uma comunidade indígena.
“O que temos hoje, além de prejudicar a academia e a indústria, também prejudica as comunidades tradicionais dos povos indígenas”, afirmou Rafael de Sá Marques, representante do Mdic. “Falar em 110 contratos de repartição de benefício é um desperdício, é quase um insulto ao nosso povo e à capacidade que se poderia ter, de geração de renda, de empregos, de desenvolvimento econômico”, concluiu.
Tramitação
O novo Marco da Biodiversidade é um projeto da Presidência da República, enviado ao Congresso Nacional em junho de 2014, sob urgência constitucional, que estabelece prazo de votação de 45 dias para cada Casa Legislativa. Após ter sido aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto chegou no início de fevereiro ao Senado Federal tramitando conjuntamente nas comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) e de Agricultura e reforma Agrária (CRA), de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE).
Para garantir o cumprimento do prazo regimental e promover os aperfeiçoamentos que ainda cabem na matéria, os senadores decidiram realizar uma agenda comum das comissões e organizaram um ciclo de debates que deve trazer entre os dias 17 e 24 representantes da comunidade científica, do governo federal e dos movimentos sociais. O objetivo é afinar o texto e resolver as polêmicas que ainda rodam a matéria, como as regras que nortearam a exploração por pesquisadores e laboratórios internacionais da riqueza natural brasileira.
Catharine Rocha
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