“Não aceitamos conviver no Brasil com a discriminação”, diz Paim sobre combate à homofobia

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT – RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, nesta segunda-feira, como nós temos um espaço especial, que é de 20 minutos, eu vou me ater a três temas, mas o tema principal do dia de hoje, Senador Ricardo Ferraço, que preside a sessão, fala um pouco da liberdade e da importância de termos uma lei que combata a homofobia, que combata o ódio e a violência, que, infelizmente, ainda é voz corrente neste País.

Começo dizendo que a Constituição da República contém, no conjunto de suas diretrizes para a construção do Brasil que sonhamos – e eu estava lá, ajudei a escrevê-la –, indiscutível vetor civilizatório que nos propõe a convivência social harmoniosa, coesa, tolerante e hospitaleira.
Na há lugar num país democrata, num país livre como o nosso e o país dos nossos sonhos, em que a convivamos ainda com aceitação da discriminação e da intolerância de qualquer matriz. Eu duvido que alguém diga que é homofóbico, eu duvido que alguém diga que gosta do ódio, eu duvido que alguém diga que é adepto da violência. Não aceitamos no Brasil a discriminação, seja racial, seja religiosa, seja por deficiência, seja por idade, seja por gênero ou seja por opção sexual de cada um. 
Por essa razão, estamos fazendo um bom debate, ouvindo todos os setores sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 122, que criminaliza a homofobia. Aceitei, sim, a relatoria porque entendo que sobre esse tema o Brasil tem que se debruçar, e o Congresso tem que decidir. 
Senhoras e senhores, os debates que dizem respeito à diversidade sexual passam por questões de conteúdo moral e religioso. Em uma sociedade plural e democrática, todas as correntes filosóficas, teológicas, ideológicas, enfim, todo e qualquer grupo de pressão merece dar a sua opinião, expressar sua visão, no espaço que entender adequado. A convivência pacífica nas ruas e bairros, nas escolas, no local de trabalho, mesmo aqui no Parlamento, nos impõe, ao Estado, igualdade no tratamento a crentes e descrentes, a ateus, agnósticos ou aqueles que acreditam no Criador do Universo – em Deus –, e eu acredito.
Se pegarmos a Constituição do inesquecível dia 5 de outubro de 1988 – eu estava lá, eu assinei a Constituição! –, veremos que no caput do art. 5o, entre os mais importantes vetores da Carta que regula a nossa vida coletiva, está ali: a Constituição promove a dignidade da pessoa humana no seu art. 5o, e estabelece que, em nosso processo democrático,

Art. 5º Todos [todos!] são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [privada], nos termos seguintes…

Em seguida, no art. 5o, ainda, oferta à sociedade brasileira seu longo e admirável catálogo de direitos fundamentais, distribuídos em nada menos que 78 incisos, que se destinam, pela força do nosso pensar e agir coletivo, a viabilizar a mais completa emancipação, tanto material quanto espiritual do povo brasileiro. Vislumbramos, portanto, a convivência mais harmônica e respeitosa dos membros da sociedade brasileira, muito embora reconhecendo que a razão de ser da política, o seu suporte e o seu núcleo residem exatamente na administração dos conflitos em uma sociedade complexa, na certeza de que no transcurso infindável do tempo o debate nos preserve minimamente o direito à própria expressão.
Se algum espaço houver, na prática de uma política que se queira maiúscula e não apequenada, em qualquer sociedade avançada, é preciso compreender que a intolerância, legalmente albergada e aceita, não é compatível com a democracia e com política de direitos humanos. A democracia não tem como tolerar a própria intolerância.
Em uma discussão, no âmbito físico e espiritual do espaço público, de relevância para a coletividade, parece politicamente inegociável que a livre expressão represente a condição de base para a garantia da liberdade humana.
O ser humano, dotado de consciência e razão, nasce livre, livre em sua essência mais profunda. Desprovido da liberdade, calado em seu direito mais sagrado de tomar a palavra na rua ou na praça, terá morrido, espiritualmente, para a vida social e até mesmo para a vida privada.
Senhores e senhoras, o púlpito deste plenário, no Senado da República, representa nada menos que o espaço democrático de livre expressão das unidades federativas e, consequentemente, de cada uma das suas gentes. E essa prerrogativa, historicamente construída, deve se reproduzir em todos os aspectos da vida coletiva.
Em nossa visão, ao Estado laico cumpre a tarefa de a todos ouvir, indistintamente, sem se deixar dominar por esta ou aquela visão de mundo, sem que se admita a errônea cristalização, no ordenamento jurídico, de concepções ultrapassadas que, visando uniformizar mulheres e homens não uniformizáveis, culminem na supressão do direitos inalienáveis das minorias.
Ao representante público, portanto, pouco importa os termos com que uma determinada confissão religiosa ou filosófica, ou de setores da sociedade, encaram os fenômenos demasiado humanos, como, por exemplo, o homossexualismo ou a diferença da cor, da idade ou do sexo. Nós queremos é política de direitos humanos. 
Quero pontuar novamente que, em uma sociedade que se pretenda democrática, a vontade geral só poderia admitir a intolerância, nos estritos marcos legais, contra a própria intolerância. Ou seja, nós temos que ser intolerantes com a intolerância, aí sim. Agora, ser intolerante com razão à caminhada de vida de cada homem e de cada mulher deste País é descabido.

Acreditamos ser nosso dever e nossa salvação combater as compreensões de mundo que vislumbrem a uniformização dos seres humanos a partir de réguas, critérios e particularidades que lhes sejam próprios.
A infeliz experiência de autoritarismos e totalitarismos, em países supostamente avançados, como a Itália, o Japão e, principalmente, a Alemanha da primeira metade do século XX, mostra claramente que a felicidade humana deve ser veiculada pelo debate livre que nos conduza à aceitação das mais variadas formas de vida, na certeza de que o pluralismo social vem a ser nossa maior riqueza. Respeitar as diferenças.
Por isso, em face do renitente preconceito de raça ao afrodescendente ou da intolerância aos gays, às lésbicas, aos bissexuais e aos transgêneros, reiteramos, no Senado da República, o direito de todos e de cada um à dignidade da própria existência, não importando o gênero ou a idade, por exemplo; o direito de todos – se tem uma deficiência ou não – e de cada um ao exercício cotidiano de sua liberdade de ser e à livre escolha no que diz respeito à vida privada.
Consideramos desumana toda e qualquer forma de intolerância que resulte na ofensa moral ou física a quem quer que seja e temos trabalhado diariamente, no Senado, pela construção de um país francamente acolhedor. Como é bom alguém acolher alguém! Como é bom a gente dizer um país francamente acolhedor a todos os seres humanos indistintamente.
Considero importante relembrar, no âmbito da religiosidade, que, na obra máxima da cristandade, a Bíblia sagrada, o admirável Paulo manifesta sua perplexidade ante as contradições da existência humana, reconhecíveis em cada um de nós. Diz o apóstolo de Cristo: “Por que não faço o bem que quero, mas, o mal que não quero, esse faço.”

Vou tomar emprestadas as poéticas palavras de Paulo para me reportar à quantidade de barbárie cotidiana que, infelizmente, existe, em que uma mulher é fisicamente agredida a cada cinco minutos – olhem bem onde estamos –ou no mundo em que crianças de todos os continentes são alvo diário da violência de adultos brutalizados e sofrem com a exploração, abusos e doenças, ou enfrentam, em sua mais linda idade, a necessidade de deixar seus lares por conta de conflitos armados, sob governos que não lhes garantem educação básica.
Exatamente porque, no mundo em que vivemos, mulheres e homens não fazem o bem que desejam fazer, mas apenas o mal que não querem.
Cerca de 213 milhões de menores submetem-se, diariamente, ao inaceitável trabalho infantil e, entre elas, 300 mil atuam na condição de crianças-soldado, ou seja, são mandadas para a guerra.
Impõe-se a todos nós, portanto, trabalhar pela inversão da máxima do apóstolo Paulo, tanto mais porque o mundo em que vivemos parece estar gravemente adoentado.
Nele, as almas perdidas frequentemente governam e tiranizam, submetendo a seu jugo populações inteiras, por anos ou décadas.
No Brasil, acredito que a lenta e paciente organização de nossa democracia irá nos conduzir à gradativa neutralização da intolerância. Todos contra a intolerância.
Não faz muito tempo nós vivíamos concepções de mundo mesquinhas e antigas, que tiranizavam africanos e afrodescendentes e que negavam às mulheres o direito à voz, ao voto e a qualquer atuação fora dos estreitos limites do próprio lar.
Avançamos. Esse é um tempo que esperamos não volte nunca mais.
Nós seguimos apostando no aprofundamento dos níveis de educação como antídoto à brutalização de nossa vida social.
No país que desejamos, todas as escolhas lícitas e não ofensivas ao direito do próximo merecerão de todos o máximo respeito, e do Estado a natural acolhida.
O Poder Judiciário brasileiro, por exemplo, tem caminhado neste sentido, reconhecendo a liberdade na orientação sexual, a licitude da vida comum partilhada, inclusive no que se refere às repercussões patrimoniais da opção de cada um.

Ao Estado laico cumpre reconhecer, nas centenas de milhares de ativistas políticos reunidos, anualmente, nos desfiles públicos em favor dos direitos dos homossexuais em todo o Brasil, a indiscutível existência de um grupo de pressão tão legítimo e válido quanto os defensores dos interesses dos empresários, dos trabalhadores, das donas de casa, das mulheres, dos deficientes, dos negros, dos índios, dos pobres. Tão aceitável é a luta deles como essas que eu citei, dos cidadãos que promovem os direitos humanos e, dentre eles, por exemplo, os defensores dos direitos máximos de cada um. Os promotores dos direitos dos portadores de necessidades especiais são um exemplo.
Quero, com essa menção, reiterar que, em uma sociedade plural, todos os lícitos interesses do cidadão pagador de impostos merecem acolhida e reconhecimento pelo Estado, que pondera interesses na realização do bem comum.
Sr. Presidente Ferraço, tenho a grata satisfação de atuar, na Comissão de Direitos Humanos, como relator, depois de um amplo diálogo com todos os setores, do Projeto de Lei da Câmara nº 122, que criminaliza a homofobia. Na condição de relator, tenho a intenção de dar amplitude ao debate, pela abertura do espaço democrático da nossa Comissão às vozes da sociedade, tanto àqueles que são contra ou a favor ao 122. Muita gente diz que é contra o 122, mas não leu o 122; outros dizem que são a favor do 122, mas não leram o 122.
Por meio de tantas audiências públicas que já fizemos, pretendemos apresentar uma nova redação, um relatório equilibrado, buscando o consenso ou, pelo menos, um grande entendimento com uma maioria, já que dizem que consenso é impossível, porque esse é um debate internacional em curso – e o Brasil não pode se omitir –, um debate internacional que contemple todos os interesses em jogo, ao mesmo tempo em que sirva para o combate à homofobia, combate ao ódio, combate à violência, infelizmente, que campeia ainda no Brasil.
A premissa com que pretendo nortear o debate e a redação é a premissa maior do que todos somos, a despeito de nossa cultura, de nossa opção religiosa ou orientação sexual. Contrário, sim, à homofobia, na medida em que a liberdade humana está na base dos direitos humanos.

Ouvimos no debate humano, desde tempos imemoriais, a voz audível de intelectuais humanistas que fazem engrandecer e avançar, geração após geração, o valor inegociável da liberdade humana.
Pensadores como, por exemplo, Elie Wiesel, nascido na Transilvânia de confissão judaica, tendo perdido, aos 15 anos, a mãe, o pai e uma irmã nos campos nazistas de extermínio, que afirmou o seguinte:

Eu jurei nunca ficar em silencio onde os seres humanos estiverem passando por sofrimento e humilhação. Devemos sempre tomar partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o atormentado.

Ainda que profundamente marcado por sua vivência infeliz de aniquilamento e ódio, Elie Wiesel, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em 1986, costumava, com as seguintes palavras, relembrar: “O oposto do amor não é o ódio, mas é a indiferença”. A profundidade dessa frase, Srs. e Srªs Senadoras, no meu entendimento, é grande: o oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença daqueles que ficam, atrás da moita, sem querer se pronunciar em nenhuma situação!
Ele logrou trabalhar por um mundo melhor, mais livre, mais aberto à aceitação das diferenças.
O tempo presente nos incita à ação coletiva em defesa das liberdades. Neste ano de 2013, em que a Igreja escolheu o seu novo Papa, que terá por desafio a bem-vinda renovação valorativa do cristianismo no mundo…

(Soa a campainha).

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT – ES) – … vale relembrar que a octogenária Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, assinou nova Declaração de Direitos Humanos, contra qualquer tipo de discriminação, apoiada por 54 Estados.
O Brasil generoso, aberto, democrático, conciliador e plural haverá de reforçar, com a sua posição, em todo o mundo, os melhores exemplos de tolerância e de hospitalidade, primando pelas garantias inerentes à liberdade humana e os direitos humanos, uma vez que, nas palavras do sociólogo português Boaventura Souza Santos,
Temos o direito de ser iguais, quando nossa diferença nos inferioriza, e temos o direito de ser diferentes, quando a nossa igualdade nos descaracteriza.
Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades e a homofobia”.

Sr. Presidente, eu tenho conversado. como Relator da matéria, com evangélicos, com a comunidade gay, enfim, com todos os matizes, e percebo que ninguém é homofóbico, ninguém quer o ódio e ninguém quer a violência. Por isso, acredito que vamos construir. sim, uma nova redação, que dê uma nova cara ao projeto, mas que garanta a todos o principio maior da liberdade na linha de uma política de direitos humanos.
As minorias no Brasil sempre reiteram que, dadas as condições humanas, “ser diferente é normal”, e o que pretendemos, no Senado da República, é fomentar e garantir o direito inalienável de que cada concidadão nosso busque, de maneira lícita e que mais lhe aprouver, a própria felicidade, que orienta a trajetoria pessoal de cada indivíduo no mundo.
Por isso, Sr Presdidente, eu estou muito traquilo, porque tenho dialogado com todos os setores, repito, para buscar essa redação final.
Permita-me, Sr. Presidente, que eu termine essa minha fala dizendo, primeiramente, que V. Exª trabalhou muito junto comigo, pelo que deixo mais uma vez aqui um comentário sobre a importância da regulamentação da profissão de comerciário. V. Exª foi um dos relatores desse belo projeto que hoje já é lei.
E por fim, Sr Presidente, eu apenas destaco que fizemos, hoje pela manhã, uma grande audiência publica, com cuja realização eu havia me comprometido com os sevidores militares, já que eu havia ouvido os civis, como ouvi os trabalhadores da área privada, sobre a importância da recuperação dos seus proventos, política de cargos e salários e também, naturalmente, a melhoria no universo das suas condições de vida e de trabalho.
Por isso, se V. Exª me permitir, eu gostaria de concluir, nesses últimos dois minutos que V. Exª está me dando agora, fazendo uma homenagem, com essa pequena poesia, a todos, porque todos são trabalhadores. A cidadania plena é para servidores militares e civis.
Permita-me, então, que eu leia uma posesia em homenagem a esses homens que defendem a Pátria e que tem como título “Os de sabre e os de lança”:

Quando as éguas já não derem mais potros
Nem se escutem os relinchos de um cavalo,
Quando nenhum talão de bota bater esporas
Nem em cumprimento, nem por elegância, bem da Cavalaria!
Quando não se levante mais o pó Da Cavalaria em intrépida carga,
Quando já ninguém mais compreender nada de cavalos, de clarins, de sabres nem de lanças.
Quando já se tenham ido para sempre os centauros, os ginetes de minha raça,
Os que por honra faziam a guerra,
os que por amor honravam a Pátria,
os que na luz do sol davam a vida e na luz da lua serenatas para a china amada,
Os de histórias de amores e entreveros,
os de sabre e os de lança
Quando já se tenham ido para sempre com a glória altissonante dos clarins
E o último ginete tenha morrido
Delirando com suas cargas e fanfarronices,
Eu sei, onde se poderá encontrá-los
Com suas cargas, seus cavalos e suas lanças
E só eu sei onde estarão então:
os de sabre e os de lança.
Os acharei no céu da glória. No mundo infinito das almas
Porque este mundo lhes ficou muito pequeno, 
Para as mais céleres de suas cargas.
Bem distantes estarão os ginetes no vento
Levando os relâmpagos do céu por suas lanças
E ferindo formações de nuvens com seus sabres
Usando estrelas como rosetas
Fazendo trepidar o mesmo céu
Em cargas impetuosas, eternamente, para o nada.
Distantes, lá estarão muito próximos de deus:
os de sabre e os de lança.”

Muito obrigado, Sr Presidente, agradeço a tolerancia de V. Exª pelos meus três pronunciamentos.
Considere na íntegra as partes que não li.
Obrigado.

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