A possibilidade de extensão da política de cotas ao serviço público federal repercutiu entre os senadores do PT após a notícia de que o governo pretende enviar um projeto ao Congresso Nacional sugerindo a adoção de cota racial para preenchimento de vagas por concurso e também para os cargos de confiança. Em exame na Casa Civil, a proposta pode ficar pronta em novembro deste ano, conforme registros da imprensa. O texto básico elaborado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) define a reserva de 30% das vagas para negros.
“Só posso ver com bons olhos uma iniciativa destinada a promover o acesso de negros, pardos e índios a posições na esfera pública, onde estão claramente subrepresentados. Isso é fundamental para a construção de uma sociedade mais igualitária e democrática”, afirmou Paulo Paim, único senador negro do parlamento e presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH).
A senadora Ana Rita (PT-ES), vice-presidente da CDH, acolhe sem reservas a concepção de uma lei específica para estender as cotas ao serviço público. Feliz com a regulamentação das cotas para as universidades e institutos federais, tema em que esteve engajada como relatora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ela torce para que o governo concretize a ideia de enviar ao Congresso o projeto para os cargos públicos. “Será um avanço no curso histórico da luta pelas ações afirmativas no País”, avaliou.
Estatuto da Igualdade Racial
O período de dois anos, desde que entrou em vigor o Estatuto da Igualdade Racial, ainda é curto para que seja possível mensurar os impactos gerados por ele, principalmente se comparado à dimensão histórica da desigualdade que o País construiu.
A avaliação foi feita pela secretária de Políticas das Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Silvany Euclênio. Apesar dessa avaliação, a secretária acredita ser possível perceber alguns desdobramentos do texto legal, como o impulso às ações afirmativas. “O estatuto aglutinou várias leis que já havia no País, mas obviamente ele tem uma importância simbólica muito grande porque se trata de um marco legal que determina, por exemplo, a adoção de ações afirmativas como instrumento de reversão das desigualdades raciais. Você tem o governo se comprometendo mais com essa pauta em função do documento”, disse.
O senador Paulo Paim, autor do estatuto, enfatizou que o documento está cumprindo seu principal papel, que é “assegurar o princípio maior das políticas afirmativas”. Para ele, a regulamentação da Lei de Cotas, pelo Decreto nº 7.824/12, que prevê a destinação de, no mínimo, metade das vagas em universidades e institutos federais a estudantes que frequentaram todo o ensino médio em escolas públicas, com recorte de renda e de raça, é uma consequência, entre outros fatores, deste movimento.
“Esta aí o resultado: o Supremo Tribunal Federal reconheceu que as cotas são legais com base no princípio do próprio estatuto e da Constituição Federal, o Congresso Nacional aprovou a implementação desta política, que também foi regulamentada pela presidenta Dilma. De imediato vamos ter 12,5% novos jovens nas universidades. Só isso já é um grande avanço”, disse.
Por outro lado, o senador defendeu maior avanço na regulamentação do estatuto, embora tenha destacado que “90% de seu conteúdo são autoaplicáveis”. Paim citou pontos que ainda não estão em plena aplicação, como a inclusão do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas brasileiras, o que já era previsto na Lei 10.639.
“Infelizmente, apenas 20% dos municípios aplicam o artigo, que prevê o ensino da história dos negros na formação do povo brasileiro. A consolidação dos efeitos do estatuto depende principalmente de uma mudança cultural em toda a sociedade brasileira, que, por sua vez, depende de uma divulgação ampla, total e geral da lei”, disse.
Senadores de outros partidos também apoiam
Para o senador Roberto Requião (PMDB-PR), as cotas expressam um novo momento no processo civilizatório brasileiro. Conforme diz, as insatisfações só prosperam entre os “herdeiros da casa-grande”. No serviço público, ele salienta que já existe uma experiência pioneira no País: uma lei sancionada em 2003, que instituiu reserva para afrodescendentes, de 10% das vagas em todos os concursos públicos no estado do Paraná. “Vamos chegar ao dia em que as cotas serão desnecessárias, mas até lá as diferenças precisam ser liquidadas, pela inclusão definitiva”, afirmou.
Sérgio Souza, outro peemedebista da bancada do Paraná, que também se inclina a favor das ações afirmativas, desde já declara voto favorável a uma possível proposta de cotas para ingresso no serviço público. Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) também se mostrou favorável a toda política que promova a redução dos antagonismos sociais, inclusive para os cargos públicos. “As diferenças sociais não são produtos do acaso, e sim reprodução de situações de desigualdades determinadas por uma estrutura social injusta. Espero que as cotas se convertam numa porta aberta para construção de uma sociedade mais igual”, defendeu.
Com informações de agências de notícias
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