Piores condições de trabalho, maior risco de morte e violação de direitos

Terceirizar é uma opção dos patrões para reduzir custos e não garantir a especialização técnicaO projeto de lei que permite a terceirização de atividades-fim ainda não chegou ao Senado, mas já provoca as mais veementes reações entre os parlamentares da Câmara Alta. Aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4330/2004 prevê a possibilidade de as empresas substituírem contratações diretas por mão-de-obra de outro empregador. Nesta terça-feira (14), a Câmara deve votar as emendas e os destaques apresentados ao texto-base do deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA).

Se for aprovado como está, o projeto amplia a possibilidade de terceirização para a realização de qualquer serviço ou produção de bens. Hoje, isso só é permitido para as atividades- meio, como limpeza e segurança, por exemplo.

O senador Paulo Paim (PT-RS), que preside a Comissão de Direitos Humanos e sempre se destacou na defesa dos direitos dos trabalhadores, saiu na frente. Nessa segunda-feira (13), ele reuniu 24 debatedores, representantes de várias categorias profissionais, do Poder Judiciário e do setor produtivo para discutir o assunto. Transmitido pelos canais de comunicação do Senado, centenas de questionamentos, que Paim fez questão de mostrar, chegaram à secretaria da comissão, via internet.

Ao final dos trabalhos Paim afirmou que a proposta, da forma como está, “fortalece apenas a parte mais forte das relações de trabalho”, o que, na sua opinião, fere o espírito da legislação trabalhista. E informou que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se comprometeu a promover uma sessão temática no plenário da Casa sobre o assunto.

Trabalho pior; risco maior

Do debate, ficou clara a real precarização da situação dos trabalhadores. A terceirização traz mais violação de direitos, maior risco para as condições de saúde e até de vida do trabalhador e piora as condições de trabalho. Isso foi demonstrado pela exposição da assessora da direção técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Lilian Arruda Marques, que fez um alerta: “a terceirização, quando se consolidou como relação de trabalho, nos anos 90, chegou num momento de desestruturação do mercado de trabalho, com um crescimento econômico muito baixo.”

A terceirização surgiu como alternativa para a reestruturação da produção, que envolveram a concentração nas linhas de produtos mais competitivos, a busca de economia de escala, em quantidade, a compactação de processos produtivos, corte de pessoal e implantação de programas de qualidade.

“Nesse período, há muita informalidade, e a terceirização vem também como uma forma de baratear a produção”, explicou Lilian. Ou seja, terceirizar foi uma opção dos patrões para reduzir custos e não para garantir a especialização técnica a que se propunha.

No fim das contas, essa estratégia levou ao subemprego, às contratações sem carteira, perda de benefícios, dos rendimentos e piora nas condições de jornada. Também piorou as condições de saúde e derrubou a segurança no trabalho. “Isso é muito importante, porque em todos os setores que a gente analisa, aumentaram os acidentes de trabalho e de doenças”, resumiu.

Números

paulo17135372965 0d2c2edfe0 nPaulo Paim: O projeto da terceirização fortalece apenas a parte mais forte das relações de trabalho, o que fere o espírito da legislação trabalhista

  • Segundo estimativa do Dieese, há cerca de 13 milhões de trabalhadores terceirizados no Brasil hoje. Sem contar os trabalhadores do meio rural;
  • Entre esses trabalhadores, a remuneração média é 24% inferior a dos profissionais contratados regularmente;
  • A jornada semanal é maior;
  • A rotatividade é nada menos que o dobro do que a existente entre contratados;
  • O número de trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravidão beira a 100%.
  • Em setores como a construção civil, o número de acidentes fatais ultrapassa dos 90%;
  • Em serviços especializados, chega a quase 100%;

Dados por setor

Lílian Marques trouxe alguns exemplos em setores específicos. Elas chocaram os presentes:

  • Na construção de edifícios: o número de óbitos informados foi de 135. Desse total, 75 operários eram terceirizados;
  • Em obras de acabamento: 20 óbitos; 18 terceirizados;
  • Em obras de terraplanagem: 19 óbitos; 18 terceirizados;
  • Serviço especializado: 34 óbitos; 30 terceirizados;

Para a especialista, os números refletem a forma como os terceirizados são tratados inclusive por empresas como a Petrobras. Em 2014, a empresa tinha 360 mil servidores terceirizados e apenas 86 mil diretos. “Cerca de 84% dos acidentes envolvem terceirizados”, denunciou.

No final, ela avaliou que a aprovação do PL 4330 vai gerar “mais acidentes, redução salarial, maior rotatividade, maior insegurança e isso vai refletir em toda a sociedade, como foi dito aqui”, previu. “Quem vai pagar por isso? Você, com mais acidentes, todos nós, mesmo os não terceirizados. A sociedade toda paga”, sentenciou.

Direitos negados

O presidente da Comissão de Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Dino Andrade, chamou o PL 4.330 de “enorme retrocesso”. Ele alerta que o texto facilita o descumprimento de direitos básicos como o atendimento médico, ambulatorial ou de refeição. “Chegaremos a uma situação em que as empresas existirão sem empregados. O texto como está favorece apenas a classe empresarial”.

Já o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Azevedo Lima, teme que a aprovação do projeto leve ao aumento de casos de corrupção, pois avalia que as vagas hoje reservadas a concursados no serviço público passarão a ser direcionadas para indicações políticas.

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Helder Amorim enfatizou que, no entender do MPT, o projeto é inconstitucional. “Terceirizar atividade finalística é inconstitucional. Atinge direitos fundamentais como o direito à greve, acordos e convenções coletivas, reduz a remuneração dos trabalhadores e as contribuições para a Previdência”, resumiu.

Amorim afirmou que se passar no Congresso a proposta de terceirização das atividades-fim, no dia seguinte o MPT começará a articular com o procurador-geral da República – a quem compete tal iniciativa – o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a norma.

Conheça o projeto

Giselle Chassot

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