“TCU entende uma coisa, BC entende outra”, diz procurador sobre Plano Safra

“TCU entende uma coisa, BC entende outra”, diz procurador sobre Plano Safra

A Comissão Especial do Impeachment (sem crime) realizou nesta quarta-feira (29) a última reunião para ouvir testemunhas no rol elencado pela defesa da presidenta Dilma. E o procurador do Banco Central, Marcel Mascarenhas dos Santos, servidor da carreira da Advocacia-Geral da União, enfatizou que desde muito antes de existir a Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, a autoridade monetária segue critérios contábeis para verificação do que é e o que não é considerado operações de crédito. Na verdade, há mais de 20 anos o BC utilizava manuais técnicos para fazer tais definições e identificar a existência de passivo (crédito a pagar) e ativo (crédito recebido) nos balanços dos bancos que operam crédito rural. 

Marcel Mascarenhas explicou que a partir de 2014 o TCU começou a fazer questionamentos a respeito de uma interpretação que não era ampla, mas direcionada ao entendimento que a equalização de taxa de juros no Plano Safra era empréstimo feito do banco para o Tesouro Nacional. Esse argumento é a base da acusação – frouxa, aliás – porque o Banco Central que é a autoridade monetária do sistema financeiro e o guardião da moeda brasileira utilizava padrões internacionais para identificar as operações. 

“Quando o departamento de supervisão do Banco Central identificou alguns passivos no balanço de bancos – e aí eu falo especificamente da Caixa Econômica, na questão dos programas sociais –, houve a avaliação técnica de que tais passivos se enquadrariam dentro dos critérios especificados no manual de estatística, e aí passou, ao contar isso, de imediato, antes mesmo, até, do início da auditoria no TCU. Isso se deu em agosto e setembro de 2014. 

Segundo ele, houve a primeira determinação para que se o BC fizesse a inclusão de passivos identificados. Houve um recurso que teve efeito suspensivo. “Havia divergência de interpretação: o TCU entende uma coisa, o Banco Central entende outra. A decisão final só ocorreu em dezembro de 2015. E essa determinação foi prospectiva e dizia: ‘olha, a partir de agora, registre’. Nós fizemos isso imediatamente, em janeiro de fizemos isso imediatamente em janeiro de 2016 com os dados de dezembro de 2015 e um quadro específico com todo o histórico desde 2001”, afirmou. 

Marcel Mascarenhas exemplificou que o que havia era uma interpretação técnica divergente entre TCU e Banco Central e a gente acreditava, como ainda acredita, que a nossa avaliação estava correta. Mas, agora, existe uma decisão do TCU, e a gente não está discutindo isso, está simplesmente cumprindo. 

Deixando o tecnicismo de lado, o Banco Central nunca considerou que houve “um empréstimo” da Caixa Econômica ao Tesouro Nacional em torno dos valores que deveriam ser repassados por conta da equalização dos juros, porque simplesmente se enquadrava numa prestação de serviço.

Na prática, o Plano Safra é operado por três ministérios. A cada safra, os produtores podem pegar um valor emprestado no banco. Geralmente adquirem sementes ou equipamentos. O juro a ser cobrado do produtor, pela Caixa ou outro banco que atua nesse ramo agropecuário, é subsidiado, ou seja, é um juro muito baixo, em torno de 4% ao ano. Se a taxa básica de juro (a Selic) está em torno de 12% ao ano, o subsídio dado pelo governo ao produtor rural corresponde a 8% sobre aquele valor do empréstimo feito pelo produtor no banco. 

A lei do Plano Safra diz que o Tesouro Nacional fará a equalização dos juros. Equalização é o acerto, o pagamento daquela diferença de 8%. O que aconteceu é que a quantia a ser paga à título de equalização era feita após um período de seis meses, como dizia a lei, e em alguns momentos os pagamentos foram feitos em prazos mais largos. Nada de anormal. Não era um empréstimo. 

Era e continua sendo um valor líquido e certo que entrará na conta dos bancos. A instituição financeira recebe do produtor o valor do crédito concedido com juros de 4% ao ano e o Tesouro Nacional, mais adiante, equaliza os juros e paga a diferença de 8%. Isso não é empréstimo, é um contrato de prestação de serviço que o TCU entendeu como empréstimo do banco para o Tesouro Nacional e assim chamou de pedalada. 

O banco que vai receber o valor da equalização – que é líquida e certa – só ganhou. Não houve prejuízo para o lado do banco e nem o Tesouro Nacional atrasou os pagamentos para efeito de resultado fiscal. Há vinte anos funcionava assim, só que o acórdão do TCU em 2015 estabeleceu que o Tesouro Nacional deveria pagar todos os valores numa tacada só. E o BC respeitou esse acórdão. Crime existiria se o BC não respeitasse, assim como existiria crime se o Tesouro Nacional não pagasse os valores que poderiam ser pagos depois à Caixa Econômica. 

Para a defesa da presidenta Dilma, a participação do procurador do Banco Central também foi relevante porque mostra que não houve dolo por parte da presidenta da República. Antes a legislação não exigia o pagamento imediato da equalização e o TCU nos últimos vinte anos nunca se deparou com essa minúcia. Ao se deparar, e editar um acórdão, mesmo não concordando com a tese, o BC cumpriu o que tinha de ser cumprido. Em suma, não houve dolo, nem crime de responsabilidade. 

O que existiu, isso sim, foi um total desconhecimento das normas e regras do sistema financeiro, principalmente em relação ao Plano Safra. Note que o pagamento da equalização do juro a ser pago pelo Governo, tanto vale para a Caixa quanto para outros bancos, inclusive os privados. 

Marcello Antunes   

 

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