Abandono e desolação. É como se pode descrever a situação dos yanomami ao final do governo Bolsonaro. A série de alertas publicados pela imprensa, especialmente nos últimos dois anos, não surtiu efeito. Ao contrário. Mais cortes orçamentários feitos pelo governo federal praticamente paralisaram a ação dos órgãos de proteção desses povos e agravaram sua penúria. Tudo documentado, sob a batuta de um governo que do começo ao fim agiu para extinguir os povos originários.
Que o diga a Urihi Associação Yanomami, que na semana passada denunciou a grave situação infantil na aldeia Kataroa, município de Alto Alegre, no norte de Roraima: “as crianças estão com desnutrição severa, além de outras doenças como a malária. Resultado do avanço do garimpo e da falta de assistência do DSEI”, sigla para Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Os DSEIs deveriam fazer o controle dessas doenças, mas após seguidos bloqueios orçamentários – o último, de R$ 250 milhões, há dois meses, deixou a estrutura capenga até de combustível – não há mais recursos para tocar o trabalho. Fotos arrepiantes mostram idosos esqueléticos e crianças expelindo vermes pela boca.
O quadro levou o senador Fabiano Contarato (PT-ES) a acionar o Ministério Público Federal (MPF) pedindo providências para proteger os yanomami. Na representação, o senador solicita a abertura de investigação para apurar as práticas de crimes contra essa população.
“É um cenário desesperador. Crianças doentes, desnutridas e sem atendimento médico! A degradação ambiental, a violência e a presença de intrusos são fatores que ameaçam gravemente a segurança e a manutenção dos modos de vida das comunidades indígenas. Não tenho dúvida: os indígenas estão sendo dizimados! Não é só pelos garimpeiros, mas pelo poder público! Não podemos nos calar! Queremos resposta concreta” – frisou Contarato.
Restam cerca de 30 mil yanomami, que habitam os estados de Roraima e Amazonas e avançam pela Venezuela, formando o maior território de população originária no mundo. No Brasil, estão distribuídos em 8 milhões de hectares, uma área 10% menor que Portugal. Mas o crime organizado, principalmente o garimpo ilegal, não para. Balsas, escavadeiras hidráulicas, aviões, helicópteros avançaram mais do que nunca nos últimos anos, afetando diretamente a vida de 56% dos yanomami. As águas estão envenenadas por mercúrio e restos de combustível, e os animais de caça foram afugentados pelo barulho constante das máquinas do garimpo.
Crise humanitária
“O abandono do governo Bolsonaro nesses quatro anos vai ser sentido por gerações. Situações absurdas como essa são inéditas. Esse tipo de descaso não é incompetência, é projeto”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), que vem denunciando nos últimos anos o flagelo yanomami; primeiro, sem vacina; depois, sem proteção das florestas; e agora, sem mesmo o que comer e beber e expostos à violência da criminalidade crescente. Sem a presença do Estado, até mesmo pistas de pouso antes utilizadas por equipes de saúde foram tomadas pelos garimpeiros. Para o procurador Alisson Marugal, do Ministério Público Federal (MPF), que já esteve em audiência no Senado para relatar a situação dramática dos yanomami, o quadro verificado desde 2021 na região é de “crise humanitária”.
Corrupção
A ação ostensiva de Bolsonaro e seus auxiliares a favor do crime organizado na Região Norte pode te rido além do incentivo a garimpeiros ilegais e a desmatadores. A Polícia Federal (PF) e o MPF investigam os responsáveis pelo desvio de recursos que deveriam ser usados na compra de medicamentos para os povos indígenas. Empresários e servidores do Ministério da Saúde estariam envolvidos nos crimes que deixaram pelo menos 10 mil crianças indígenas sem medicamentos.
A poucos dias de seu fim, a atuação do governo Bolsonaro frente aos povos indígenas pode ser resumida por outra imagem que circula nas redes sociais: é a foto da Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) de Homoxi, noroeste de Roraima, sendo incendiada por garimpeiros na terça-feira (6) passada. Suspeita-se que tenha sido uma retaliação do crime organizado à destruição, pela PF, de equipamentos usados no garimpo ilegal. Mas simboliza o lado defendido pelo presidente que finalmente se despede do país. Não é o dos indígenas.