Sob ameaças e progressos, Estatuto da Criança e do Adolescente faz 25 anos

Sob ameaças e progressos, Estatuto da Criança e do Adolescente faz 25 anos

Direitos para os menores de idade foram alcançados com a mobilização da soeciedade O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem sido o motivador de um dos assuntos mais polêmicos no Congresso em 2015 – a redução da maioridade penal. Mas sua importância como conjunto de leis e regras vai muito além dessa discussão. Ao completar 25 anos nesta segunda-feira (13), o ECA é resultado de ampla mobilização que se seguiu à promulgação da Constituição de 1988 para reconhecimento e ampliação da cidadania da população brasileira com menos de 18 anos, hoje somando cerca de 65 milhões de pequenos cidadãos.

Na esteira da aprovação e implantação do ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), crianças e adolescentes brasileiros vem conquistando uma série de outras garantias e direitos, consagrados em outras legislações, que vem sendo continuamente ampliada e aperfeiçoada. E por causa do Estatuto, por exemplo, que o Estado passou a olhar mais rigorosamente para o combate à pedofilia (a exploração sexual de crianças e adolescentes tornou-se crime hediondo em 2014), os programas para a erradicação do trabalho infantil e a proteção a abusos físicos ou emocionais, ou, ainda o aperfeiçoamento mais recente, projeto do líder do PT, senador Humberto Costa, que agrava a penalidade para comerciantes que vendem bebidas alcoólicas para menores.

Mas nem sempre foi assim.  O reconhecimento das crianças e adolescentes como categorias sociais com demandas e necessidades específicas e como sujeitos de direitos é um fenômeno relativamente recente nas sociedades ocidentais. O início do Século 20 ainda testemunhou a visão de que os menores de 18 eram apenas “pessoas que ainda não tinham se tornado adultas” — o que, não raro, resultava na glorificação do trabalho, assunção de responsabilidades, casamento e procriação precoces e na desmedida inflexão sobre o termo poder na expressão pátrio poder, hoje substituída por “poder familiar” na maioria das legislações e literatura especializada.

“Juventude é uma invenção do pós-guerra”

Os estudiosos dos fenômenos culturais do Século 20 apontam que “a juventude é uma invenção do pós-guerra”, período em que esse grupo social começa a ter reconhecidas sua especificidades – até mesmo biológicas, como o processo da puberdade. A infância teve um reconhecimento social e científico ainda mais tardio, a partir dos estudos do historiador francês Philippe Ariès, na década de 60. A proximidade no tempo desses avanços constitucionais no reconhecimento de direitos talvez expliquem a dificuldade das mentalidades mais conservadoras para compreender o significado do ECA, do estabelecimento da maioridade penal aos 18 anos no Brasil e de outros direitos, tratados como meras “indulgências”.

Impulsionando avanços
O reconhecimento objetivo dos direitos, demandas e necessidades das crianças e adolescentes brasileiros tem no ECA um marco, mas não se esgota aí. Os avanços trazidos pela lei no trato de alguns problemas endêmicos foram notáveis em alguns casos, como o do trabalho infantil. Em 1992, as estimativas oficiais apontavam que 7,8 milhões de brasileirinhos estavam engajados em alguma espécie de trabalho infantil — geralmente, ocupações insalubres, perigosas ou penosas, já que o próprio caráter clandestino da atividade faz com que suas condições escapem à fiscalização à observância das regras. Em 2013, esse número já havia sido reduzido para 3,2 milhões de crianças trabalhando.

Outro direito de cidadão conferido aos menores foram as intensas campanhas governamentais para a efetivação do direito ao registro civil. Em 1994 , 75,1% das crianças eram registradas. Em 2011, o número subiu para 95,9% — além  da criação dos conselhos tutelares, conselhos e fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente ampliam as condições de cidadania desses pequenos brasileiros. Esse marco de cidadania ganhou um reforço recente, com a aprovação da lei que garante à mãe da criança o direito de fazer o registro civil de seu bebê, a partir de um projeto que teve a relatoria do senador HumbertoCosta.

Garantia de futuro
No campo da educação, o País também comemora uma série de conquistas complementares ao ECA que impactarão o futuro das crianças e adolescentes de hoje. A mais recente dessas conquistas está no novo Plano Nacional de Educação, elaborado pelo governo da presidenta Dilma Rousseff, que prevê para o fim da sua vigência, em 2024, o investimento de recursos equivalentes a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação, para assegurar metas como a universalização do atendimento escolar.

Também no campo da educação, o Brasil conseguiu reduzir em quatro pontos percentuais a taxa de analfabetismo entre as pessoas até 15 anos de idade, desde 2001. O índice caiu de 12,4% para 8,5%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Sujeitos de direitos
Ao longo desse quarto de século de vigência, o ECA também vem recebendo aperfeiçoamentos permanentes. Humberto Costa, autor da lei que criminaliza qualquer tipo de oferta de bebida alcoólica a menores de 18 anos, explica a lei que propôs dentro desse processo de evolução. “Nossas crianças e nossos adolescentes estavam expostos ao risco do álcool, hoje uma verdadeira tragédia social. Não havia na legislação algo que previsse uma punição severa para isso. Agora, nós temos um mecanismo efetivo. Isso aumenta a rede de proteção à infância e à juventude brasileiras”, considera o líder da bancada do PT.

Uma das alterações mais conhecidas feitas ao ECA nesses 25 anos foi resultado da aprovação, em junho de 2014, da Lei Menino Bernardo (que também alterou o Código Civil), para vedar o castigo corporal e o constrangimento de crianças e adolescentes. Os brasileiros ainda em formação tiveram reconhecido o direito de serem “educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protege-los.”

A Lei Menino Bernardo tramitou durante quatro anos no Congresso e, se contou com a mudança de mentalidade de significativas parcelas da sociedade para ser aprovadas, também enfrentou ferrenha oposição dos devotos do pátrio poder à moda antiga. Foi preciso uma tragédia — o assassinato do menino gaúcho Bernardo Boldrini, de 11 anos — ampliar a mobilização da opinião pública contra o tratamento abusivo aos pequenos e assegurar o sepultamento legal da concepção de que os pais ou responsáveis são senhores absolutos de seus filhos menores.

O corpo de Bernardo Boldrini foi encontrado em abril de 2013, enterrado às margens de uma estrada em Frederico Westphalen (RS). O pai e a madrasta são suspeitos de terem participação na morte do garoto. Antes de morrer, o menino havia procurado a Justiça pedindo para ter sua guarda transferida para a avó materna.

 

Saúde e qualidade de vida
No campo da saúde, as crianças brasileiras também têm muito o que comemorar, como a redução da mortalidade infantil e de mortalidade na infância. Em 2011, o Brasil atingiu a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) de reduzir em dois terços os indicadores de mortalidade de crianças de até cinco anos. O índice, que era de 51,6 mortes por mil nascidos vivos em 1990, passou para 15,3 em 2011. Segundo o Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) 2013, o Brasil já alcançou a meta de redução da mortalidade na infância. O principal indicador da meta é a taxa de mortalidade entre crianças menores de 5 anos, que expressa a frequência de óbitos nessa faixa etária para cada mil nascidos vivos. A taxa passou de 53,7 em 1990 para 17,7 óbitos por mil nascidos vivos em 2011.

A prioridade dos governos petistas no combate à pobreza extrema, por meio do vitorioso Programa Bolsa Família, também foi decisiva para o fim de alguns indicadores que envergonhavam o Brasil, como, por exemplo, a desnutrição infantil. A perspectiva imediata é a de que a desnutrição infantil em menores de cinco anos simplesmente desapareça em nosso País, deixando de ser um problema de saúde pública no Brasil. Em 2008, o número de crianças desnutridas correspondia a 4,84% da população nessa faixa etária. Já em 2014, o número corresponde a 3,77%, segundo apontam os dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN).

Testes e prevenção
Sucessivas ampliações da legislação protetiva asseguraram o progresso permanente desse indicador, sempre com a participação da rede pública de saúde. Nesse quesito, se incluem as campanhas e serviços lançados pelo governo federal que asseguram a realização de uma série de testes em recém-nascidos, que garantem diagnóstico precoce, prevenção e tratamento, todos financiados pelo governo federal.

Entre eles, por exemplo, está o teste da linguinha (para verificar a necessidade de cirurgia para correção no frênulo lingual, evitando a “língua presa”, que acarreta dificuldades de sucção, deglutição e mastigação, além de problemas na fala), ou o teste do pezinho, obrigatório desde 1983, mas que só a partir de 2001 passou a ter fiscalização mais rigorosa (detecta fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, ambas causadoras de deficiência mental grave), ou ainda o teste da orelhinha (obrigatório desde 2010, detecta deficiência auditiva) e o teste do coraçãozinho, que o Ministério da Saúde incluiu na triagem neonatal do Sistema Único de Saúde e identifica precocemente cardiopatias graves.

Também na lista dos avanços de proteção aos brasileiros recém-nascidos, estão as leis e programas federais que asseguram à criança a presença familiar no seu cuidado. Uma dessas leis é a Licença maternidade ampliada; outra, é aLicença Paternidade para o pai em caso de morte da mãe ou, ainda,  a Licença Maternidade para a pessoa que cuide da criança, em caso de morte da mãe.

Programas do Governo Federal, como o Rede Cegonha, buscam assegurar à crianças o direito à saúde ainda antes do nascimento, com atendimento pré-natal e perinatal, em cumprimento ao dispositivo do ECA que incumbe ao poder público proporcionar assistência à gestante e à mãe no período do pré e pós-parto. 

O envolvimento da sociedade e dos movimentos a favor da saúde dos bebês trouxe à tona a importância do da valorização do direito de mães e filhos à alimentação saudável. O governo federal desenvolveu uma Política Nacional de Alimentação e Nutrição e, nesse contexto, trabalha para que a Promoção da Alimentação Saudável (PAS), que é uma das linhas de atuação da Coordenação Geral da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (CGAN), seja adotada pela população como fundamentais para o desenvolvimento das crianças.

ECA e inclusão
O ECA também assegura que haja atendimento integral à saúde da criança e do adolescente com deficiência física e/ou intelectual, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação.

Cyntia Campos

Leia mais:

 

Relatório de Pimentel sobre maioridade leva sensatez e equilíbrio à polêmica

 

 

To top