Suplicy altera texto e Lei das Religiões vai a plenário sem acordo

Relatório de Suplicy assegura direitos a
religiões afro-brasileiras e não cristãs e
mantém o ensino religioso em escolas
públicas, mas de forma facultativa

Apesar de todas as polêmicas e paixões que o tema desperta, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAS) do Senado aprovou, em votação simbólica, por decisão unânime e sem debates acalorados, o relatório do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) ao Projeto de Lei da Câmara (PLC 160/2009) que trata do livre exercício de crenças e cultos religiosos. Suplicy defendeu no texto a garantia de que os mesmos direitos historicamente concedidos à Igreja Católica sejam estendidos às demais religiões constituídas no País. Por um acordo de lideranças, a proposta, que deveria passar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) segue diretamente para a análise do plenário.

O líder do PT, Wellington Dias (PI) diz que a votação na CAS não indica o fim da discussão. Segundo ele, como o tema é muito delicado, houve um acerto para que as arestas fossem aparadas em votação no plenário. Alguns senadores, porém, acham essa tática arriscada, porque não há consenso para a votação e a matéria, se alterada, deve voltar para a Câmara, onde pontos considerados inaceitáveis podem ser retomados.

Embora tenha reconhecido em seu relatório que a matéria é “complexa e delicada”, Suplicy tentou resgatar a ideia, acatando emendas ao texto original. Como relator, ele tentou preencher algumas das lacunas que tornavam – na sua visão e de entidades que participaram de debates e da audiência pública realizada pela CAS no último dia 23 – a proposta um equívoco, por não prever tratamento isonômico entre as diversas crenças. O entendimento praticamente unânime dos participantes da reunião foi de que o projeto deveria ser considerado inconstitucional.

Um desses equívocos seria definir que formas de vida religiosa não constituídas como organização (pessoa jurídica) e sem amplitude nacional teriam tratamento diferente. Entre os credos que ficariam prejudicados por essa exigência estão as associações religiosas afro-brasileiras, como o Candomblé. “Nós não nos reconhecemos nesse projeto por não termos uma estrutura nacional. Uma casa de Candomblé pode ser desvinculada de todas as outras e ser ligada apenas a seus ancestrais”, explicou o representante da religião, ainda durante a audiência pública. “Na nossa Constituição, já temos a nossa liberdade de prática religiosa e de culto. Não se fala em estrutura religiosa na Constituição, mas no projeto sim. Quando institucionalizo isso, criam-se dificuldades para a prática da fé. A fé não pode ser institucionalizada”, argumentou o mesmo representante.

O relatório de Suplicy garante que a proposta da nova Lei é justamente estabelecer condições absolutamente isonômicas “para que uma associação religiosa obtenha personalidade jurídica e possa estabelecer relação formal com o Estado”. Ele garante, ainda que, “embora as formas de vida religiosa não cristãs tenham razões históricas para se preocupar, porque foram perseguidas ao longo dos séculos, o que ocorre de fato com a nova Lei é que o Estado abre portas e cria oportunidades e benefícios para todos aqueles que se dispuserem a relacionar-se com ele, em busca do bem comum, desde que não pretendam tratamento diferenciado”.

A garantia está estabelecida por uma das emendas do relator, que estabelece claramente que o Estado vai seguir se esforçando para garantir os direitos constitucionais das formas de vida religiosa não cristãs. Diz a emenda: “Fica assegurada, àquelas formas de vida religiosa não constituídas como organização religiosa nos termos do artigo 44, inciso IV da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a proteção constitucional à liberdade de crença, expressão e associação religiosas e seu reconhecimento pelo Estado”.

Ensino religioso

Outro problema com o texto, mesmo após as emendas, é que ele mantém o ensino religioso como disciplina, mesmo em escolas públicas. Embora as aulas, de acordo com o texto, sejam de matrícula facultativa, a polêmica prossegue, porque vários pais são ateus e não aceitam qualquer ingerência de religiões sobre seus filhos. O fato de as aulas serem voluntárias, no entendimento dessas pessoas, não evita o constrangimento das crianças.

Outro argumento contra as aulas de religião no ensino fundamental é de que não há professores formados e habilitados a ministrar aulas de todas as religiões e que, fatalmente, haveria prevalência de uma sobre as outras.

Para o líder, o ideal seria que as aulas fossem mais filosóficas, mostrando o papel da religião na formação do cidadão, ou até mesmo que partissem de um contexto histórico, onde se explicasse como surgiu, como se expandiu e como se consolida uma religião. “Mas o cenário desse debate também será o plenário”, observou.

O senador Paulo Paim (PT-RS) disse que votaria favoravelmente ao projeto na Comissão, já que com as emendas, era possível “tentar salvá-lo”. Ele deixou claro, porém, que haverá muita discussão ainda sobre o tema . “Vou acompanhar o relator, mas entendo que são necessárias novas discussões sobre o assunto”, antecipou, sem, entretanto, detalhar os pontos que devem ser alterados.

Proposta polêmica
A proposta entrou em tramitação no Congresso Nacional por iniciativa da bancada evangélica após o acordo, aprovado pelo Senado no final de 2009, que reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de suas instituições, como a conferência episcopal, as dioceses, as paróquias e os institutos religiosos. Sob a forma do Projeto de Decreto Legislativo (PDS) 716/2009, o texto também reconhece às instituições assistenciais religiosas igual tratamento tributário e previdenciário assegurado a entidades civis congêneres e estabelece a colaboração da igreja com o Estado na tutela do patrimônio cultural do país. Além disso, reafirma o compromisso da igreja com a assistência religiosa a pessoas que a requeiram, no âmbito familiar, em hospitais ou presídios.

Veja o relatório do senador Suplicy

Conheça o texto original do PLC 160/2009

Giselle Chassot

To top