O ex-ministro da Saúde do Nelson Teich afirmou aos senadores, nesta quarta-feira (5), em seu depoimento à CPI da Covid que decidiu deixar o cargo após 29 dias no cargo diante do desejo de Bolsonaro em ampliar o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com a doença.
De acordo com o ex-ministro, ele percebeu que não teria autonomia para atuar à frente da pasta.
“O pedido específico [de demissão] foi pelo desejo [do governo] de ampliação do uso de cloroquina. As razões da minha saída do ministério são públicas, elas se devem basicamente a constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo”, disse Nelson Teich.
O senador Humberto Costa (PT-PE) questionou o ex-ministro acerca da postura do Conselho Federal de Medicina (CFM) em relação a utilização da cloroquina no tratamento de pacientes de Covid-19. Ele apresentou requerimento junto à CPI para que o presidente do CFM, Mauro Britto, explique o posicionamento da entidade sobre o tema.
“Acho uma postura inadequada, porque pode estimular o uso de um remédio que a gente não tem comprovação, em condições em que o paciente pode estar mais exposto a não ter os cuidados necessários para o uso do medicamento. Então eu sou contrário”, criticou Nelson Teich.
A cloroquina não tem eficácia para tratamento da Covid, de acordo com estudos científicos. Mas desde o início da pandemia, contrariando a ciência, o presidente Jair Bolsonaro insiste em estimular o uso do medicamento para tratar a doença.
O senador Humberto Costa ainda teceu duras críticas à postura do governo Bolsonaro ao longo da pandemia e afirmou que após as primeiras informações trazidas pelos ex-ministros da Saúde, caso sejam confirmadas as informações de que o presidente Bolsonaro agiu de forma deliberada expondo a população ao vírus em busca da chamada imunidade de rebanho, ela representaria o cometimento de um “crime doloso contra a vida humana no nosso país”.
“Se o presidente fez tudo o que fez dentro de uma concepção de que, quanto mais gente se contaminasse no espaço de tempo mais curto possível porque seria esse o melhor caminho para diminuir custos e se manter o equilíbrio fiscal e ser efetivo. Francamente. Por isso apresentei requerimento de convocação do deputado Osmar Terra, o maior disseminador dessa teoria sem nenhuma fundamentação. Essa tese foi a grande responsável pelas 410 mil mortes que temos até agora. Se essa tese é verdadeira, ela representa um crime doloso contra a vida humana em nosso país. É isso que essa CPI precisa, ou não, comprovar”, disse.
Delito continuado
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) reforçou a tese de que havia uma ação deliberada do governo Bolsonaro em promover a exposição da população ao vírus na busca de uma imunização natural na medida em que os cidadãos fossem contraindo a Covid-19.
“O que vimos do início da pandemia até agora é uma ação deliberada. Tenho registros do [deputado] Osmar Terra, que era ministro do Desenvolvimento Social, dizendo que tínhamos que deixar as pessoas expostas [ao vírus]. Essas falas foram reproduzidas. E precisamos ouvi-lo na CPI para saber baseado em que ele dizia que, em 14 semanas, a pandemia se extinguiria, haveria a imunidade de rebanho expondo as pessoas a um vírus que ninguém conhecia e ninguém conhecia seu grau de letalidade”, disse o senador.
Na avaliação de Rogério Carvalho, a CPI está diante de um “delito continuado” praticado pelo presidente, já que Bolsonaro insiste em manter impedir a medida mais eficaz de combate à pandemia que é o distanciamento social.
“Se podemos falar em delito continuado, temos hoje mesmo o presidente da República ameaçando assinar um decreto para acabar com as restrições de circulação de pessoas determinadas por prefeitos e governadores. Justamente aquilo que minimamente reduziu a circulação do vírus no País e que se mostrou mais eficaz na expansão do contágio que é o isolamento social. E ele faz isso desde o começo da pandemia”, criticou.
Pazuello foi indicado por Bolsonaro
Nelson Teich afirmou aos senadores que a entrada de Eduardo Pazuello no corpo técnico do Ministério da Saúde partiu de indicação feita por Bolsonaro.
O ex-ministro disse que Pazuello havia sido designado para cuidar da logística de distribuição de insumos da Saúde. “Embora não tivesse experiência em saúde, eu contava que, sob minha orientação, ele [Pazuello] executasse o que fosse definido na minha estratégia de planejamento”, afirmou.
Questionado sobre a atuação do ex-ministro Eduardo Pazuello no comando da pasta, Nelson Teich respondeu que “seria mais adequado” que o general da ativa do Exército tivesse “conhecimento maior sobre gestão em saúde” antes de assumir o cargo.
Economia e saúde não são distintas
O ex-ministro também criticou a falsa dicotomia promovida pelo governo Bolsonaro entre economia e saúde ao longo da pandemia. Para ele, as duas questões não são distintas. O problema, na avaliação de Nelson Teich, foi que Bolsonaro considerou a economia como “dinheiro e empresa”.
“A economia foi tratada como dinheiro e empresa e a saúde como vidas, sofrimento e morte, mas na verdade, tudo é gente. Quando você fala de economia você não fala de empresas, você fala de gente. Quando você avalia a sociedade, o nível de saúde da sociedade, você tem o cuidado em saúde, e tem os determinantes sociais da saúde, você tem economia, saúde, educação, onde a pessoa mora, uma série de coisas. Se achava até que a educação era o principal fator de saúde da sociedade”, elencou.