Por quase seis horas, senadores e representantes dos trabalhadores discutiram os efeitos do projeto que amplia a terceirizaçãoO plenário do Senado abriu espaço para uma sessão temática nesta terça-feira (19). Em debate, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados que regulamenta a terceirização (PLC 30/2015). Depois de quase seis horas de discussões, um ponto pode ser considerado consenso: a terceirização é uma realidade e é necessário que haja regras para que esse tipo de relação trabalhista deixe de frequentar um vácuo jurídico. Já as divergências foram muitas.
De um lado, as entidades que representam trabalhadores, em sua maioria, criticaram o projeto, que originalmente tinha o número 4330/2004, mostrando, com números e dados, que ela precariza as relações trabalhistas e retira direitos dos trabalhadores. De outro lado, representantes de entidades patronais defendendo o projeto, contestando os mesmos números e dados, alegando distorções.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) abriu a sessão repetindo o que tem dito a cada vez que é perguntado sobre o projeto: que é contrário à ideia de “vale-tudo”. Ou seja, ele discorda do item que defende a terceirização da atividade-fim, mas deixou claro que o tema é muito polêmico: “Por um lado, a economia carece de competitividade e de produtividade, e muitos defendem a necessidade de modernização das relações de trabalho; por outro, os relatos sobre opressão de terceirizados nos deixam receosos de qualquer medida que possa afetar os direitos trabalhistas”, disse, assegurando que não vai apoiar cortes em direitos trabalhistas e previdenciários.
O ministro do Trabalho, Manoel Dias (PDT), defendeu a rediscussão da proposta, para que se chegue a um consenso. Disse que é importante garantir o vigor da indústria brasileira, mas sem que isso resulte em precarização das relações de trabalho. “Na medida em que não houver a construção de garantias que possam impedir a generalização da terceirização, entendemos que ela pode precarizar o trabalho”, observou Manoel Dias.
Entidades como Confederação Nacional dos Transportes, Confederação Nacional da Indústria, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Confederação Nacional do Comércio insistiram que a contratação de trabalhadores por meio de prestadoras de serviço é uma realidade em todo o mundo. E que a lei é absolutamente necessária para o País.
A maioria das entidades que representam os trabalhadores, como Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e do Fórum contra a Terceirização deixaram clara a preocupação com os funcionários. A preocupação vai além dos direitos trabalhistas; também passa pela segurança do trabalhador, já que os dados demonstram que os terceirizados sofrem muito mais acidentes – inclusive fatais – que os contratados.
Até entre os economistas, que trabalham com números e, portanto, têm dados exatos, mostraram posições completamente diferentes. Helio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), defendeu que a competitividade do Brasil está diretamente ligada ao projeto de terceirização. “O projeto é um texto muito equilibrado”, sentenciou. Na outra ponta, Marcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trouxe dados para demonstrar que o resultado da terceirização são salários menores, maior rotatividade e mais insegurança. Com isso, segundo Pochann, a desigualdade entre as duas “categorias” de trabalhadores tende a crescer tanto quanto a ampliação da terceirização.
Dois lados
Quando a sessão foi aberta para os pronunciamento dos senadores, a divisão entre os que defendem a terceirização ampla e irrestrita e os que se preocupam em garantir que os trabalhadores não sofram quaisquer ataques a seus direitos também marcou o debate.
O líder do PT, Humberto Costa (PE) disse que é importante defender a criação de empregos no Brasil. “Mas empregos de qualidade para todos os brasileiros”, observou, acrescentando que a terceirização não permite essa possibilidade. E lembrou a fórmula britânica, que obriga os trabalhadores a estarem disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, nos moldes do período pré-revolução industrial.
“De forma que aumentar a atividade econômica e controlar o desemprego apostando em fórmulas que reduzam a qualidade do emprego e achatem salários não é uma prática que se coadune com o padrão de desenvolvimento inclusivo e sustentado a que aspiramos para o Brasil”, resumiu. O líder disse ainda que é simpático à ideia de rejeitar o projeto que veio da Câmara “e abrir um processo de discussão com os movimentos sociais para substituí-lo por uma proposta que, de fato, seja minimamente defensável”.
O senador Paulo Paim (PT-RS), que tem se manifestado incansavelmente contra a proposta, defendeu a sugestão de Humberto. Disse que o Senado precisa discutir outro projeto para tratar da terceirização. Ele destacou que todas as centrais que representam trabalhadores estão contra o projeto. “Até a Força Sindica, que estava a favor da proposta, agora se manifestou contrária”, anunciou.
Também claramente contrária à proposta da Câmara, a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) lembrou o estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos que coloca que os terceirizados recebem salários menores, trabalham mais tempo e são mais sujeitos a calotes e acidentes de trabalho.
Giselle Chassot
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