O tráfico internacional de seres humanos movimenta US$ 34 bilhões anualmente e só perde para o de drogas e o de armas. As cifras dão uma ideia da dimensão do crime, que está “cada vez mais organizado e difícil de ser combatido”, na opinião da procuradora do Trabalho Daniele Correa. Ela foi uma das participantes da audiência pública realizada nesta quinta-feira (22/09), pela Comissão de Direitos Humanos para marcar o Dia Internacional Contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças.
A audiência foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e acompanhada pelos senadores Ana Rita (PT-ES) e Wellington Dias (PT-PI), que destacaram a relevância do debate. “Depoimentos fortes e emocionantes. É um tema difícil e espinhoso, mas são necessárias ações de combate ao trafico de mulheres”, comentou a senadora no twitter, logo após o encerramento da reunião.
O senador Wellington destacou a importância do “Guia de Retorno ao Brasil”, cartilha editada pelo Itamaraty para auxiliar as vítimas de tráfico no exterior. Os representantes do Ministério da Relações Exteriores apresentaram o material aos presentes à audiência.
A prostituição não é o único fator motivador do crime. A adoção ilegal de crianças, a escravidão, o trabalho forçado e até a remoção de órgãos para transplantes também foram citados como motores do tráfico de pessoas.
Para combater o problema, a procuradora Danielle Correa reivindicou a mudança urgente no Código Penal brasileiro, cujo artigo 231 trata apenas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. “Tal artigo tem que ser mais amplo, criminalizando outras finalidades, além da exploração sexual. Daí a importância da atuação do Legislativo”.
Por razões históricas e culturais, as mulheres são a maioria das vítimas do tráfico de pessoas. “Historicamente a mulher sempre foi vista como pertence de alguém. Primeiro do pai; depois do marido”, lembrou a senadora Lídice da Mata (PSB-BA).
A Espanha é o país onde as brasileiras se encontram em pior situação. Segundo a diretora do Ministério das Relações Exteriores, Luiza Lopes, naquele país os traficantes adotam a tática de fazer com que as vítimas circulem de cidade em cidade, não ficando mais do que 15 dias em cada uma delas. “Isso as impede de conhecer pessoas, fazer relacionamentos, criar vínculos sociais e ainda dificulta o acesso a informações”, explicou.
A representante do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra crianças e Adolescentes, Karina Figueiredo, alertou para o aumento da exploração sexual de adolescentes em função da realização de grandes obras, principalmente no Norte e Nordeste do País. Ela relatou que esteve recentemente no distrito de Jaci-Paraná, em Porto Velho (RO), que tem 4 mil habitantes e recebeu mais de 50 mil trabalhadores para construções de hidrelétricas na região. O resultado foi a proliferação de bares e prostíbulos e a exploração sexual de jovens, sem nenhum tipo de fiscalização. “O Brasil vai ser a quinta economia do mundo à custa da violação dos direitos humanos?”, indagou.
Karina Figueiredo lamentou o fato de as questões sociais não serem levadas em conta nos relatórios socioambientais que são exigidos em obras de grande porte. “Há migrações de massas de trabalhadores e, depois das obras, sobram o rastro de violência, filhos sem perspectivas e doenças sexualmente transmissíveis. E muitas dessas obras são feitas com dinheiro do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], em nome do desenvolvimento econômico”, afirmou.
O crescimento econômico do Brasil provocou alteração no panorama do tráfico humano. A diretora do Departamento de Justiça da Secretaria Nacional de Justiça, Fernanda dos Anjos, lembrou que o país não envia ao exterior, mas recebe estrangeiros irregularmente, principalmente, africanos, chineses, coreanos, bolivianos, paraguaios e peruanos. “Em geral, eles são explorados pela indústria têxtil, pela pirataria de eletrônicos e até pelo tráfico de drogas”.
Na tentativa de mudar o quadro de Jaci-Paraná, o Serviço Social da Indústria (Sesi) vai instalar em breve uma unidade no local para atender crianças de até 14 anos, com cursos profissionalizantes e projetos sociais, segundo anunciou o presidente do Conselho Nacional da entidade, Jair Meneguelli. Ele ainda pediu mais integração e comunicação entre os órgãos do governo: “Muitas ações têm sido feitas, mas é preciso mais organização. Temos que formar uma rede do bem, ainda maior que a rede criminosa de exploração”.
Relato
No fim da audiência, a Comissão ainda ouviu o depoimento emocionado de uma mulher moradora da Ilha de Marajó, que teve a filha sequestrada e levada para a França, onde viveu em condições degradantes até conseguir fugir de volta ao Brasil. Hoje, a vítima tem problemas mentais, segundo relatou a mãe.
Os participantes da audiência ainda assistiram o vídeo sobre o projeto Carinho de Verdade, desenvolvido pelo Sesi em parceria com a Rede Globo e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Com reportagem da Agência Senado