O policial militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominguetti, reafirmou durante depoimento à CPI da Covid nesta quinta (1º/07) a denúncia de que recebeu pedido de propina por vacinas da AstraZeneca de um representante do Ministério da Saúde do governo Bolsonaro.
De acordo com Dominguetti, que se apresenta como representante da Davati Medical Supply, o pedido de propina foi feito em fevereiro durante encontro com o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias.
A oferta inicial da empresa ao governo, segundo o depoente, foi de vender 400 milhões de doses de vacina ao valor de U$ 3,50 por dose. Mas o representante do governo Bolsonaro pediu o pagamento de propina de US$ 1 por dose.
“Ele [Roberto Dias] sempre pôs o entrave que se não majorasse a vacina, não teria acordo por parte do ministério [da Saúde]”, disse aos senadores.
Além de Roberto Dias, Dominguetti também relatou aos parlamentares que teve reuniões no Ministério da Saúde para tratar da venda de vacinas com Élcio Franco, secretário-executivo da gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello, e com Laurício Monteiro, diretor do Departamento de Imunização na gestão Pazuello.
O contrato não foi fechado, segundo Dominguetti, porque haveria dificuldades práticas para incluir esse dólar extra no contrato e nas notas fiscais.
O representante da Davati disse que o encontro onde houve o pedido de propina ocorreu em 25 de fevereiro em um restaurante de Brasília. Além de Roberto Dias, Dominguetti disse que também participou da reunião o tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde.
Dominguetti afirmou ainda que o único documento que possui confirmando que ele era representante da Davati tem data de abril, depois da reunião, e que antes disso seu acordo com a empresa era verbal. Também disse que não chegou a fazer vendas da Davati antes de negociar vacinas.
“Esta CPI está na sua trigésima reunião e o questionamento sempre foi, ‘por que o governo do Brasil demorou tanto a adquirir vacinas?’. Era dito que o governo não poderia comprar vacinas sem aprovação da Anvisa. E, de repente, esse argumento não valeu para a compra da Covaxin”, disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE), estranhando a mudança de comportamento do governo Bolsonaro justamente em dois processos de compras de vacinas com suspeitas de irregularidades praticadas pelo governo Bolsonaro.
“É importante dizer que o governo do Brasil não precisa de intermediação para comprar vacinas com nenhum laboratório. O Brasil tem o maior programa de imunização do mundo e não precisaria de intermediação para comprar vacina de nenhum laboratório do mundo”, enfatizou Rogério.
Tentativa de desacreditar denúncia contra Bolsonaro
Luiz Paulo Dominguetti apresentou, durante seu depoimento denúncia de que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) procurou a Davati para negociar diretamente a compra de vacinas. Dominguetti chegou a mostrar um áudio que comprovaria a acusação, mas depois recuou.
“O Cristiano [Carvalho] me relatava que volta e meia tinham parlamentares procurando, e o que mais incomodava era o Luis Miranda, o mais insistente com a compra e o valor de vacinas. O Cristiano me enviou um áudio onde pede que seja feita uma live, o nome dele, que tinha um cliente recorrente, que comprava pouco, em menor quantidade, mas que poderia conseguir colocar vacina para rodar”, declarou.
Logo após a apresentação do áudio, diversos senadores estranharam a motivação do depoente para a vinculação do deputado Luis Miranda com o caso. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), solicitou a apreensão do celular do celular do depoente para perícia.
A base governista logo mostrou uma preocupação incomum com o depoente ao defender que a perícia se limitasse apenas à mensagem mostrada pelo depoente. Já o senador Jorginho Mello (PL-SC), também numa atitude pouco usual, recomendou ao depoente por diversas vezes, quase suplicando, que retificasse seu depoimento para que não se prejudicasse.
“Resta a suspeição de que esse depoente foi plantado para desqualificar uma das principais linhas de investigação da CPI. Quem teria feito tal implante? Quem teria colocado o senhor Dominguetti aqui? Certamente, quem se beneficiaria com a desacreditação da denúncia de corrupção do Ministério da Saúde. Obviamente, o próprio governo”, destacou Rogério Carvalho.
Rogério ainda solicitou que a CPI acione a Procuradoria Geral da República (PGR) para que instaure investigação acerca da possibilidade de que Dominguetti tenha sido plantado para atrapalhar o rumo das investigações do colegiado.
Ainda durante a sessão da CPI, o representante da empresa Davati Medical Supply no Brasil, empresário Cristiano Alberto Carvalho, negou ao jornal O Globo que o áudio do deputado Luis Miranda, divulgado por Dominguetti, tratasse da negociação de vacinas, como foi alegado. Segundo Carvalho, Dominguetti quer “aparecer”.
Senadores suspeitam de fraude
A idoneidade da empresa Davati Medical Supply foi questionada por diversos senadores ao longo do depoimento de Dominguetti. Chamou a atenção dos senadores o fato de não constar no portifólio no site da empresa a vacina da AstraZeneca, que foi oferecida ao governo.
“Ela não tem em seu site, nega que fabricasse, comercializasse ou intermediasse vacinas como, de fato, não o faz. O senhor não achou estranho representar uma empresa que não faz isso? Que vende EPI e vacina contra influenza?”, questionou o senador Jean Paul Prates (PT-RN).
Em resposta, Luiz Paulo Dominguetti reafirmou que todas as propostas feitas vieram diretamente do presidente da Davati. “Ele, como empresário americano, atuante no mercado, sabia o que ele estava ofertando. Tudo me levou a crer que essa empresa tem acesso a essa vacina”, respondeu, destacando se tratar da vacina da fabricante AstraZeneca.
O Brasil já possui uma parceria para produção da vacina Oxford/AstraZeneca por meio da Fiocruz.
O senador Humberto Costa (PT-PE) lembrou o fato de Elcio Franco, secretário-executivo da gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello, durante seu depoimento à CPI, ter relatado diversas ofertas falsas de vacina, que teriam sido devidamente encaminhas à Polícia Federal. Assim, o senador pediu ao colegiado que possa averiguar se o Ministério da Saúde realmente encaminhou algum tipo de solicitação nesse sentido para a autoridade policial.
“Nós vamos saber se o Ministério da Saúde considerou essa proposta [da Davati] adequada, viável, lícita, ou não. Essa é uma das coisas importantes para sabermos. E me parece que a proposta que vossa senhoria [Dominguetti] apresentou foi considerada pelo Ministério como lícita e a empresa como se tivesse idoneidade para tal”, disse o senador.