ARTIGO

Uma reflexão sobre mobilidade urbana e qualidade de vida

Legislativo tem a obrigação de estimular a adoção de políticas públicas que deem maior conforto à população
Uma reflexão sobre mobilidade urbana e qualidade de vida

Foto: Alessandro Dantas

A questão da mobilidade urbana já se consolidou como uma das principais preocupações das sociedades modernas. E, no Brasil, não seria diferente. Há uma gama de problemas e questionamentos acerca desse tema que devem ser enfrentados, de maneira urgente e firme, por nossos gestores públicos.

O fato é que a qualidade de vida de todos nós está ligada à facilidade e à agilidade com que nos locomovemos diariamente, seja para o lazer, seja para o trabalho, seja para procurar atendimento médico e hospitalar. Isso é um ponto que deve ser levado em consideração pelos governos e pelo poder público. Ou seja, mobilidade urbana eficiente diz respeito à melhor qualidade de vida.

Além disso, cada vez mais, a questão ambiental e o respeito à natureza apontam para soluções muito bem pensadas, coletivas e sustentáveis de transporte público, buscando uma diminuição de seus impactos ambientais e do gasto de energia fóssil ou não renovável, com a redução da emissão de gases poluentes.

É verdade que o debate sobre a mobilidade cresceu e ganhou força em nosso país. Mas, a despeito desse maior volume de discussões, precisamos, efetivamente, de uma agenda nacional e de Estado. Estamos ainda muito, mas muito distantes de um quadro satisfatório em nossa mobilidade urbana, quer pelo aspecto prático, pelo coletivo ou ainda pelo ambiental.

Os congestionamentos, nas médias e grandes cidades brasileiras, a cada dia que passa, ficam maiores e piores. Pequenos municípios já começam a utilizar os parquímetros. Enquanto isso, modalidades como o metrô, os trens urbanos, veículos leves sobre trilhos, ônibus não poluentes, ainda encontram dificuldades para ampliar o seu espectro e incrementar as opções de transporte, principalmente, nas grandes cidades. Como regra, é isso.

Ao compararmos nossos números com os de metrópoles mundo afora, vemos o quanto estamos atrasados e aquém do necessário nesse campo. Enquanto São Paulo dispõe de um sistema de metrô com 101 km de extensão, o de Londres, na Inglaterra, possui 408 km; o de Nova York, nos EUA, tem 465 km; o de Seul, na Coreia do Sul, 326 km; o de Madri, na Espanha, 283 km; e o de Paris, na França, 214 km.

É fato que a tendência hoje, no mundo inteiro, é a substituição dos veículos individuais automotores por bicicletas, ônibus não poluentes, trens e metrôs, integrando os deslocamentos curtos aos de maior escala. O cenário que eu sublinho aqui é o de como facilitar o deslocamento das pessoas propiciando alternativas positivas para o conjunto da sociedade.

Quem utiliza o transporte coletivo sabe muito bem o que estou falando. Há pessoas que precisam pegar duas, três, quatro conduções para chegar ao trabalho. Ainda há o estresse da volta para casa e a falta de segurança. É uma verdadeira, na expressão popular, “via dolorosa”. É esse olhar, mais cúmplice, mais atento, mais perto do cidadão, que temos que fazer. Mobilidade urbana eficiente é direito social, pois lida com a vida das pessoas.

Há um bom tempo, várias cidades europeias disponibilizam os chamados “bicicletários” em todas as estações de trem e metrô, com inúmeras bicicletas particulares ou de aluguel. Holanda, Dinamarca e Alemanha são exemplos de países que se mobilizaram para criação de ampla rede de ciclovias, com impactos positivos na saúde da população. Na América do Sul, a cidade de Bogotá, na Colômbia, é destaque na reformulação do transporte público com estímulo ao uso da bicicleta pela população. Entre os efeitos benéficos estão a redução do trânsito, do tempo de deslocamento e da poluição urbana.

Sou relator da sugestão legislativa de nº 21/2020, de iniciativa popular, que tem como objetivo fomentar o uso da bicicleta. Creio que o Legislativo brasileiro tem a obrigação de dialogar, cada vez mais, com a sociedade, estimulando a adoção de políticas públicas de mobilidade urbana, e, assim, ajudando na melhoria de vida das pessoas. Em quatro meses, essa proposta, que agora tramita na CDH (Comissão de Direitos Humanos) do Senado, obteve mais de 20 mil apoios pela internet.

Calçadas amplas e em boas condições de circulação, rampas de acesso, semáforos, sinaleiras, placas informativas, preço de passagem e tarifas são alguns dos fatores que compõem o conjunto da eficiência da mobilidade urbana. Esses pontos não podem ser desconsiderados ou colocados em segundo plano. A qualidade da mobilidade urbana está no coletivo e no individual. Portanto, a melhoria deve ser para todos.

Em 2012, foi sancionada a Lei Federal 12.587, que prevê que os municípios com mais de 20 mil habitantes devem elaborar planos de mobilidade urbana para melhorar o deslocamento das pessoas pela cidade, integrar os diferentes meios de transportes e estabelecer um preço acessível para as tarifas dos mesmos. É uma forma de os municípios criarem e melhorarem a estrutura de mobilidade urbana. Mas, afinal, isso está sendo feito? Fica a pergunta.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Federal 13.146, de 2015, de nossa autoria, prevê a mobilidade urbana como direito fundamental para esse segmento da população. Vários dispositivos da lei tratam da adaptação de ônibus para a entrada de cadeira de rodas, da melhoria de calçadas e da construção de rampas. Uma norma anterior previa que, em 2014, toda a frota de ônibus coletivos das cidades deveria estar adaptada para o uso de pessoas com deficiência. É fato que os governos, em todos os níveis, ignoram o Estatuto da Pessoa com Deficiência temos apenas algumas poucas exceções.

Em décadas recentes, o Brasil sofreu um rápido processo de urbanização. Essa migração do campo para cidade, de forma explosiva, resultou na expansão da falta de infraestrutura de serviços públicos básicos, como o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, o recolhimento do lixo, sem falarmos da falta de moradias, da precariedade do sistema de saúde e da escassez de emprego e outras fontes de renda. Não estávamos preparados. E continuamos não estando. A questão urbana e todo o seu viés de locomoção, da mesma forma, não foi levada em consideração.

A minha intenção, com este artigo, é fazer uma pequena reflexão sobre mobilidade urbana e qualidade de vida. É evidente que há outros problemas gigantescos a respeito desse tema e, em outro momento, farei as minhas devidas considerações.

Os novos governos e agentes legislativos municipais, que assumirão em 2021, devem priorizar esse debate, ajustando a conexão com os governos estadual e federal, fortalecendo o planejamento e a implantação de políticas públicas de transporte e mobilidade urbana.

Artigo publicado originalmente no Nexo Jornal

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