Senadores e especialistas do setor de petróleo e gás apontaram nesta quarta-feira (23), durante audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), como a concretização da venda de uma refinaria localizada no estado do Amazonas prejudicará ainda mais a população com a possibilidade de desabastecimento e aumento do preço dos combustíveis.
Em agosto do ano passado, a Petrobras assinou o contrato de negociação da Refinaria Isaac Sabbá (Reman) e seus ativos logísticos por R$ 994 milhões para o grupo Atem. Após a transação, pesquisadores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) apontaram que a refinaria estava avaliada com um valor mínimo de R$ 1,463 bilhões, valor aproximadamente 30% maior do que o negociado.
A diretoria da Petrobras argumenta que a venda da refinaria aumentará a competição no setor na Região Norte. Mas debatedores discordam e apontam que a venda apenas criará um monopólio regional para o setor privado.
Além disso, a privatização da refinaria trará prejuízos para a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no estado e, também, vai interferir negativamente na geração de empregos.
“A refinaria é um complexo de emprego e renda relevante para a Região Norte. Ela tem um importante peso fiscal para a região e tem uma influência na cadeia de fornecedores e na relação com a sociedade local que pode ser perdida com a conclusão da venda”, explicou Carla Ferreira, pesquisadora do Ineep. “O processo de venda da refinaria vai criar um novo mercado com aumento de importadores na região da Amazônia e a criação de um monopólio regional para o setor privado”, completou.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria, criticou a mudança de política adotada pela Petrobras após o golpe de 2016 e implementada a partir do governo Temer. Para ele, a empresa deixou de cumprir sua função social junto à população e passou a entregar para a iniciativa privada seus ativos com o argumento de gerar lucro. Mas o lucro obtido com a venda de ativos, segundo Jean Paul, não passa de “um lucro enganoso” que tornará a empresa “microscópica”.
“Venderam todos os dutos de gás no Sudeste no final do governo Temer. Venderam todos os dutos de gás do Nordeste. Depois venderam a BR Distribuidora. Lucrar assim, até eu lucro. É isso que a Petrobras faz, anuncia lucros oportunistas em cima das meras vendas de ativos. Estamos sendo enganados o tempo todo com essa conversa. Você vende refinaria, duto, terminal, todos os postos de gasolina. É óbvio que você vai ter lucro. Lucro enganoso e desastroso que vai fazer a Petrobras virar uma empresa microscópica”, criticou.
Para Jean Paul, a nova lógica adotada pela diretoria da Petrobras ameaça de desabastecimento de combustíveis as regiões mais longínquas do país, como o interior do Amazonas. O senador acredita que dificilmente uma empresa privada vai se propor a fornecer combustíveis nessas regiões pelo alto custo logístico e a dificuldade em ter retorno.
“O desabastecimento [de combustíveis] está ocorrendo porque não vai haver mais interesse em entregar gasolina nos confins do Amazonas e do Acre. Essas atividades não são lucrativas. Elas são lucrativas hoje porque estão dentro de uma estrutura maior em que o mais lucrativo compensa o menos lucrativo. Essa tem que ser a lógica de uma estatal como a Petrobras. O exemplo da Petrobras de Bolsonaro é o contrário. Ela existe para dividir dividendos e bônus para a diretoria de um milhão de reais numa empresa pública. Está tudo errado”, enfatizou.
O analista do Departamento intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cloviomar Cararine, lembrou que a Reman tem uma importância estratégica para o Brasil, já que é a única refinaria da Região Norte. Além disso, ele destacou o fato de a refinaria ter uma atuação diversificada, produzindo nafta, GLP, gasolina, querosene de aviação, óleo diesel, óleos, óleo leve para turbina elétrica e asfalto.
A refinaria tem capacidade de refinar 45.916 barris por dia. Mas desde 2010 a carga processada vem caindo ano após ano. Em 2021, foi de apenas 30.403 barris por dia, 66,2% da capacidade de utilização. Para ele, isso revela a perda de interesse da Petrobras e uma estratégia para facilitar a venda do empreendimento.
“Isso teve muito a ver com a tentativa de venda da refinaria. Uma estratégia utilizada pela Petrobras de reduzir a capacidade de suas refinarias e atrair investidores, importadores de combustíveis, para a região Norte”, disse.
O representante do Dieese ainda mostrou a diferença dos preços nos terminais de vendas das refinarias já praticados pela Petrobras e pela Acelen, responsável pela Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia. O preço da gasolina aferido nos terminais das refinarias da Petrobras, em 19 de março, era de R$ 3,778. Já nos terminais da Acelen, o valor aferido na mesma data era de R$ 4,112.
Situação na Bahia
O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, mostrou a atual situação da Bahia, após a privatização da Rlam, e afirmou que o mesmo pode ocorrer no Amazonas caso seja concluída a venda da Reman.
Segundo ele, a estatal vendeu a Rlam, em São Francisco do Conde (BA), e logo em seguida surgiu o primeiro problema, que foi o desabastecimento. Agora os baianos ainda pagam uma gasolina mais cara.
“Está faltando óleo combustível para navios que chegam à Baía de Todos os Santos. Além disso, as distribuidoras reclamam que não conseguem ter a compra garantida. A Bahia tem hoje uma das gasolinas mais caras do Brasil, e já chega a R$ 8,90 em alguns postos, por conta do monopólio privado e da falta de compromisso da empresa que adquiriu a refinaria. Quem sofre com isso? A população”, apontou.
Ações judiciais
Em maio do ano passado, três sindicatos do ramo de transportes e do setor petrolífero apresentaram uma ação civil pública na Justiça Federal do Amazonas para barrar a venda da refinaria. Os representantes pediram a elaboração de um estudo sobre o impacto socioeconômico para a economia amazonense, além da realização de uma audiência pública para debater o tema com a população do estado.
Em junho, o juiz Diego Leonardo Andrade de Oliveira, da 9ª Vara Federal do Amazonas, determinou o envio do processo para a Justiça Federal do Rio de Janeiro. Por fim, em 14 de setembro, o juiz Júlio Abranches Mansur, da 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, negou o pedido dos sindicatos para suspender o processo de venda da refinaria.
O senador Jean Paul também fez severas críticas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que, segundo ele, foi omisso e conivente em relação aos processos de venda de refinarias pela Petrobras.
“Não disse isso até hoje, mas tenho que dizer. O Cade é conivente, omisso e se acovardou. Não investigou mercado nenhum, não emitiu um relatório sequer provando que a Petrobras é dominante em qualquer mercado de refino de qualquer produto”, disse.