Desmonte da Petrobras

Venda de refinaria no Amazonas vai encarecer gasolina na região

Debate expõe contradições da diretoria da Petrobras que pretende vender mais uma refinaria, agora, no Amazonas. Região ficará sob risco de desabastecimento e aumento de preços dos combustíveis
Venda de refinaria no Amazonas vai encarecer gasolina na região

Foto: Alessandro Dantas

Senadores e especialistas do setor de petróleo e gás apontaram nesta quarta-feira (23), durante audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), como a concretização da venda de uma refinaria localizada no estado do Amazonas prejudicará ainda mais a população com a possibilidade de desabastecimento e aumento do preço dos combustíveis.

Em agosto do ano passado, a Petrobras assinou o contrato de negociação da Refinaria Isaac Sabbá (Reman) e seus ativos logísticos por R$ 994 milhões para o grupo Atem. Após a transação, pesquisadores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) apontaram que a refinaria estava avaliada com um valor mínimo de R$ 1,463 bilhões, valor aproximadamente 30% maior do que o negociado.

A diretoria da Petrobras argumenta que a venda da refinaria aumentará a competição no setor na Região Norte. Mas debatedores discordam e apontam que a venda apenas criará um monopólio regional para o setor privado.

Além disso, a privatização da refinaria trará prejuízos para a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no estado e, também, vai interferir negativamente na geração de empregos.

“A refinaria é um complexo de emprego e renda relevante para a Região Norte. Ela tem um importante peso fiscal para a região e tem uma influência na cadeia de fornecedores e na relação com a sociedade local que pode ser perdida com a conclusão da venda”, explicou Carla Ferreira, pesquisadora do Ineep. “O processo de venda da refinaria vai criar um novo mercado com aumento de importadores na região da Amazônia e a criação de um monopólio regional para o setor privado”, completou.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria, criticou a mudança de política adotada pela Petrobras após o golpe de 2016 e implementada a partir do governo Temer. Para ele, a empresa deixou de cumprir sua função social junto à população e passou a entregar para a iniciativa privada seus ativos com o argumento de gerar lucro. Mas o lucro obtido com a venda de ativos, segundo Jean Paul, não passa de “um lucro enganoso” que tornará a empresa “microscópica”.

“Venderam todos os dutos de gás no Sudeste no final do governo Temer. Venderam todos os dutos de gás do Nordeste. Depois venderam a BR Distribuidora. Lucrar assim, até eu lucro. É isso que a Petrobras faz, anuncia lucros oportunistas em cima das meras vendas de ativos. Estamos sendo enganados o tempo todo com essa conversa. Você vende refinaria, duto, terminal, todos os postos de gasolina. É óbvio que você vai ter lucro. Lucro enganoso e desastroso que vai fazer a Petrobras virar uma empresa microscópica”, criticou.

Para Jean Paul, a nova lógica adotada pela diretoria da Petrobras ameaça de desabastecimento de combustíveis as regiões mais longínquas do país, como o interior do Amazonas. O senador acredita que dificilmente uma empresa privada vai se propor a fornecer combustíveis nessas regiões pelo alto custo logístico e a dificuldade em ter retorno.

“O desabastecimento [de combustíveis] está ocorrendo porque não vai haver mais interesse em entregar gasolina nos confins do Amazonas e do Acre. Essas atividades não são lucrativas. Elas são lucrativas hoje porque estão dentro de uma estrutura maior em que o mais lucrativo compensa o menos lucrativo. Essa tem que ser a lógica de uma estatal como a Petrobras. O exemplo da Petrobras de Bolsonaro é o contrário. Ela existe para dividir dividendos e bônus para a diretoria de um milhão de reais numa empresa pública. Está tudo errado”, enfatizou.

O analista do Departamento intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cloviomar Cararine, lembrou que a Reman tem uma importância estratégica para o Brasil, já que é a única refinaria da Região Norte. Além disso, ele destacou o fato de a refinaria ter uma atuação diversificada, produzindo nafta, GLP, gasolina, querosene de aviação, óleo diesel, óleos, óleo leve para turbina elétrica e asfalto.

A refinaria tem capacidade de refinar 45.916 barris por dia. Mas desde 2010 a carga processada vem caindo ano após ano. Em 2021, foi de apenas 30.403 barris por dia, 66,2% da capacidade de utilização. Para ele, isso revela a perda de interesse da Petrobras e uma estratégia para facilitar a venda do empreendimento.

“Isso teve muito a ver com a tentativa de venda da refinaria. Uma estratégia utilizada pela Petrobras de reduzir a capacidade de suas refinarias e atrair investidores, importadores de combustíveis, para a região Norte”, disse.

O representante do Dieese ainda mostrou a diferença dos preços nos terminais de vendas das refinarias já praticados pela Petrobras e pela Acelen, responsável pela Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia. O preço da gasolina aferido nos terminais das refinarias da Petrobras, em 19 de março, era de R$ 3,778. Já nos terminais da Acelen, o valor aferido na mesma data era de R$ 4,112.

Situação na Bahia

O coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, mostrou a atual situação da Bahia, após a privatização da Rlam, e afirmou que o mesmo pode ocorrer no Amazonas caso seja concluída a venda da Reman.

Segundo ele, a estatal vendeu a Rlam, em São Francisco do Conde (BA), e logo em seguida surgiu o primeiro problema, que foi o desabastecimento. Agora os baianos ainda pagam uma gasolina mais cara.

“Está faltando óleo combustível para navios que chegam à Baía de Todos os Santos. Além disso, as distribuidoras reclamam que não conseguem ter a compra garantida. A Bahia tem hoje uma das gasolinas mais caras do Brasil, e já chega a R$ 8,90 em alguns postos, por conta do monopólio privado e da falta de compromisso da empresa que adquiriu a refinaria. Quem sofre com isso? A população”, apontou.

Ações judiciais

Em maio do ano passado, três sindicatos do ramo de transportes e do setor petrolífero apresentaram uma ação civil pública na Justiça Federal do Amazonas para barrar a venda da refinaria. Os representantes pediram a elaboração de um estudo sobre o impacto socioeconômico para a economia amazonense, além da realização de uma audiência pública para debater o tema com a população do estado.

Em junho, o juiz Diego Leonardo Andrade de Oliveira, da 9ª Vara Federal do Amazonas, determinou o envio do processo para a Justiça Federal do Rio de Janeiro. Por fim, em 14 de setembro, o juiz Júlio Abranches Mansur, da 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, negou o pedido dos sindicatos para suspender o processo de venda da refinaria.

O senador Jean Paul também fez severas críticas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que, segundo ele, foi omisso e conivente em relação aos processos de venda de refinarias pela Petrobras.

“Não disse isso até hoje, mas tenho que dizer. O Cade é conivente, omisso e se acovardou. Não investigou mercado nenhum, não emitiu um relatório sequer provando que a Petrobras é dominante em qualquer mercado de refino de qualquer produto”, disse.

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