Cartazes de manifestantes que acompanhavam o debate do Código Florestal na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, nesta segunda-feira (31/10), diziam “#nãoaopacote”. Conhecida como hashtag no twitter, as palavras e expressões antecedidas pelo sinal do jogo da velha são criadas para chamar atenção. E no caso dessa audiência pública sobre a reforma do Código Florestal Brasileiro (PLC 30/2011), o “não ao pacote” estava em sintonia com a opinião expressa na mesa pelos representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Movimento Nacional dos Sem Terra (MST), associações indígenas e ambientalistas: o projeto já teve significativas mudanças, mas ainda precisa de muitas outras modificações no pacote de 69 artigos que veio da Câmara dos Deputados.
Presidente da CDH, o senador Paulo Paim (PT-RS) ressaltou a importância de abrir o microfone para estes grupos a fim de se construir uma legislação que atenda aos interesses de todos. “Quem ganha com isso é a sociedade brasileira. O Código, no meu entendimento, representará a media de pensamento da sociedade, no campo da razoabilidade e do bom senso, tirando esse falso debate entre quem quer defender o meio ambiente e quem quer produzir para o País”, afirmou.
Mitos
Ligado ao Instituto Socioambiental (ISA), o advogado Raul do Valle sintetizou as alterações consensuais, que chamou de “pontos centrais”, entre os convidados que participaram do debate desta manhã. Tomando por base o substitutivo apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB/SC), na última terça-feira (25/10), ele considerou duas “inverdades” as idéias de que: a recomposição das áreas desmatadas tem um alto culto e a recuperação de todas as Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reserva Legal (RL) podem acabar com o cultivo de algumas espécies, como os cafés de Minas Gerais, no País.
Para justificar, Raul mostrou que, em Minas, apenas 3% das áreas de produção de café estaria nas áreas que deveriam ser recompostas. Observou que 80% das áreas de passivo de APP estão ocupadas por pastagens de baixa produtividade. E citou um estudo realizado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-UPS), mostrando como a recomposição da vegetação nativa pode ser feita facilmente e sem custo, apenas com o abandono do solo.
Mas o senador Jorge Viana (PT-AC), relator da matéria na Comissão de Meio Ambiente (CMA), ponderou que por muitos anos o desmatamento era incentivado pelo Governo Federal e por isso não se pode culpar apenas os proprietários de terras pelo quadro atual. Ele exemplificou fazendo menção ao estado que representa. “No Acre, posso dizer que 100% das ocupações foram motivadas por políticas públicas de governo”, disse.
Anistia
Para o representante do ISA, ainda há no texto a previsão de anistia. Segundo ele mesmo que não se queira falar ou usar esse termo ele está presente em algumas situações. Raul pontuou que:
– a data tomada como limite, em 2008, para dividir o passivo ambiental da legislação permanente precisa retroceder para pelo menos 3 anos antes, porque da forma como está “parece que nada acontecia antes”.
– nem toda ocupação consolidada pode ser mantida, pois dessa forma terras desmatadas que estão abandonas ou inutilizadas ficam impossibilitadas de serem reflorestadas.
– há possibilidade de haver anistia eterna no artigo 51, quando se estabelece que ninguém será multado durante um ano, passível de prorrogação indefinida, a fim de se garantir um prazo para a implantação dos Programas de Regularização Ambiental.
– no que tange as RLs, seria uma perda muito grande dispensar as propriedades de até 4 módulos fiscais de fazer a recomposição e assim como a doação de dinheiro para um fundo público em troca da manutenção da Reserva Legal (RL)
– em APPs, o desmate para utilidade pública está facilitado, já que não é exigida autorização, compensação ou estudo de localização.
Jorge Viana avaliou essas observações como “importantes”, especialmente no que se refere a dar mais segurança ao texto. Afirmou que vai analisá-las, mas que não há intenção nenhuma de se fazer anistia, porque deseducaria. Para ele, o objetivo é incentivar a recuperação com mecanismos econômicos. “Nós vamos estender a mão com um Programa de Regularização Ambiental, um programa de recuperação das áreas perdidas com estímulos econômicos. Se nós queremos recuperar essas áreas perdidas, nós precisamos de estímulos de mecanismos econômicos, principalmente para a pequena produção”, ressalvou.
O representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina, José Batista de Oliveira, enfatizou que “não tem necessidade de abrir mais áreas” para exploração agrícola. E na avaliação de Cleber Busato, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o que é preciso é fazer a diferenciação do produtor familiar. Segundo ele, são diferentes as situações dos desmatamentos feitos em pequenas e grandes propriedades, uma é por necessidade e a outra apenas para exploração. “É importante fazer essa diferenciação porque se não a gente coloca todo mundo no mesmo prato”, analisou.
Rios
Uma atenção maior com os recursos hídricos foi cobrada pela representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Rosane de Matos. Segundo ela, já há dificuldade em encontrar água potável em algumas terras da região sul. “Estamos hoje com um problema de águas em nossas terras”, destacou. Na avaliação de Mario Mantovani, representante da SOS Mata Atlântica, não é possível consolidar a ocupação em margens de rio. “Não há nenhuma justificativa ética ou moral para isso”, assegurou.
Mantovani cobrou que os comitês de bacias hidrográficas sejam ouvidos durante a discussão do projeto. E ainda sugeriu que a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/ 2006) poderia servir de modelo para o Código. Nesse sentido, o senador Jorge Viana sinalizou um compromisso de após votar o Código Florestal, construir uma legislação sobre os biomas brasileiros no Congresso Nacional.
Cidades
Dom Leonardo Steiner, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lembrou do impacto que o Código Florestal tem nas cidades. Observou as catástrofes ocorridas nos grandes centros, como deslizamentos de terra, enchentes, são reflexos da recuperação desordenada do solo. E pediu dos senadores que a construção do texto seja pautada por “uma preocupação ética”.
Viana, concordando com Dom Leonardo, concluiu que é preciso aprofundar mais no problema das cidades. “A questão das cidades é fundamental para nós. As áreas de risco nós não estamos considerando. Os desastres naturais, o Brasil nem monitora. O Brasil não tem um centro de monitoramento de mudanças importantes que possam prevenir a população. Então, tem que aprofundar um pouco mais”, concluiu.
Catharine Rocha
Saiba mais:
Veja o substitutivo apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC), debatido na audiência pública desta segunda.
Ouça entrevista com o senador Jorge Viana (PT-AC).
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Ouça a avaliação do senador Paulo Paim (PT-RS) sobre o debate na CDH.
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