Com a implantação da Emenda Constitucional 95, que instituiu um limite de investimentos públicos, passando pela reforma trabalhista e, mais recentemente, a reforma da Previdência, o país estagnou e entrou em declínio social e econômico, como nunca visto. Só obtivemos recordes negativos: aumento do desemprego, da informalidade, da pobreza e da miséria. Há milhões de brasileiros que gritam e pedem socorro. Somos um país desigual, onde pouquíssimos têm muito e a grande maioria não tem nada. Temos a segunda maior concentração de renda do mundo. Os 1% mais ricos detêm 28,3% de toda a renda do país, nos deixando somente atrás do Catar, conforme dados do RDH (Relatório de Desenvolvimento Humano) da ONU (Organização das Nações Unidas).
Pude recordar nestes dias, durante minhas leituras da madrugada, o sempre querido Herbert José de Sousa, o Betinho, que criou e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Dizia ele que é um absurdo um país como o nosso, com tantas possibilidades, assistir a sua população vegetar na periferia das grandes cidades. O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade. Quão atualíssimas são essas palavras ditas há mais de 20 anos. Mas o pior é que nada aprendemos e colocamos em prática. Ou, se o fizemos, foi por pouco tempo, em experiências de governos populares, mas que logo saíram de cena.
Agora, com a pandemia do novo coronavírus, ficou escancarada toda a falta de estrutura de governo e de Estado que temos para resolver os problemas e encontrar soluções ágeis e rápidas, condizentes com as necessidades da população: saúde, emprego, renda. Há uma enorme burocracia e falta de vontade política. Mesmo o Congresso fazendo a sua parte, o déficit de diálogo e unidade entre os Poderes é evidente. E aqui eu repito o que venho dizendo há muito tempo: a mesquinhez daqueles que só buscam o poder pelo poder e suas disputas ideológicas, em comunhão com os que só querem aumentar seus lucros, tem feito deste nosso país apenas uma terra de sonhos e de castelos de areia. A “casa grande e senzala” continua a mesma, apenas com novos senhores. Cada vez mais, o Brasil é governado por olhos desumanos.
Temos muitos desafios pela frente e, por isso, temos que pensar no agora e no pós-pandemia. As pessoas estão sendo contaminadas e estão morrendo. O nosso complexo de assistência à saúde é crítico. Estamos aquém do mínimo necessário, mesmo seguindo os protocolos da OMS (Organização Mundial de Saúde). Ademais, continuamos errando e estamos, cada vez mais, excluindo a nossa gente do amparo legal e de oportunidades para uma vida digna. Há 50 milhões de brasileiros na pobreza e 13,5 milhões na extrema pobreza. É gente que passa fome, bebe água contaminada, está em estado de desnutrição, dorme nas ruas e praças e é alvo de toda espécie de violência. Conforme a FGV (Fundação Getulio Vargas), o desemprego poderá atingir mais de 20 milhões de pessoas. Isso seria o caos social. Ou como me disse, recentemente, um colega do Senado: “estamos caminhando a passos largos para nos tornarmos um inferno de Dante”.
A taxação das grandes fortunas é possível e é elemento indispensável para que o nosso País melhore o sistema de saúde, salve vidas, crie políticas de erradicação da pobreza e oportunize emprego e renda.
Está mais do que na hora de pensarmos na taxação das grandes fortunas, ou IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), para ser aplicado na saúde e no desenvolvimento social. Não é nada de outro mundo, até por que está na nossa Constituição Cidadã, artigo 153, inciso 7, ainda carecendo de regulamentação. Trata-se de um imposto federal, ou seja, de competência exclusiva da União para sua instituição e aplicação. Em 2008, apresentei proposta nesse sentido. Há mais outras três que tramitam no Senado, apresentadas recentemente. O ideal é juntarmos todas elas, em uma mesma peça jurídica. Segundo os auditores fiscais, poderiam ser arrecadados R$ 40 bilhões por ano. Mas há estudos que falam em R$ 100 bilhões. Daí a responsabilidade do Senado de colocar em debate e votação. Não há tempo a perder.
Vários países do mundo já adotaram ou adotam a taxação das grandes fortunas. Muitos, inclusive, a utilizam em épocas de crise. Na Alemanha, o tributo sobre o patrimônio abrange contribuintes que dispõem não apenas de bastante dinheiro, mas também do poder econômico e político. O Código Tributário alemão descreve os critérios e indica a lei de avaliação para a base de cálculo do lançamento. Na França, o imposto é intitulado de “Robin Hood” e abrange o patrimônio das pessoas físicas, tendo como fato gerador a posse de bens no dia 1º de janeiro. Na Suíça, a incidência se dá sobre o patrimônio das pessoas físicas e jurídicas, com alíquotas até mesmo baixas. Na Áustria, o imposto é pago sobre a renda, tendo em vista que as alíquotas também são baixas e não superiores a 1%. Enfim, inúmeros países adotam impostos semelhantes.
Vejam só: em 1999, o bilionário norte-americano e hoje presidente Donald Trump propôs um imposto sobre grandes fortunas para que o governo dos Estados Unidos pudesse ter recursos suficientes para saldar a dívida pública. Passados dez anos, Warren Buffett, outro bilionário e investidor norte-americano revelou que sua secretária pagava, proporcionalmente, mais imposto do que ele. Ele sugeriu, assim, que a taxação de grandes fortunas poderia ser uma resposta aos problemas enfrentados pelos EUA e pela Europa. Com essa sugestão, o então presidente Barack Obama propôs ao Congresso americano a criação de um novo imposto para taxar os chamados ricos. Recentemente, o fundador da Microsoft, Bill Gates, disse que bilionários como ele deveriam pagar bem mais tributos, pois se beneficiam mais do sistema.
Os trabalhadores e a grande maioria da população brasileira já deram seu quinhão nos anos e décadas de suor e geografia das mãos calejadas, no direito retirado e negado, na possibilidade de uma vida digna. Por isso, eu acredito na virada do jogo. A taxação das grandes fortunas é possível e é elemento indispensável para que o nosso país melhore o sistema de saúde, salve vidas, crie políticas de erradicação da pobreza e oportunize emprego e renda. O ato de encontrar o caminho do bem-estar social e da felicidade individual e coletiva, acrescido de um desenvolvimento sustentável que respeite o meio ambiente e o ser humano, está em nossas mãos, nos versos que criamos e nas justas causas que abraçamos com o coração e com a alma. É como eu acredito: a cidadania é como o Universo… Sempre haverá uma descoberta a alcançar, uma nova estrela a ser confirmada, um novo amor a ser amado.
Artigo originalmente publicado no site do Nexo Jornal