A Lei de Cotas, estabelecida em 2012, após um amplo debate com a sociedade e demorada tramitação no Congresso Nacional, foi um marco na promoção da inclusão dos pobres, negros e pessoas com deficiência na educação superior e no ensino técnico.
A legislação aprovada durante a gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff determina que universidades e instituições de ensino federais reservem metade das vagas para estudantes que fizeram todo o ensino médio em escolas públicas e consigam a nota necessária para ingressar na instituição escolhida.
Além disso, existem as subcategorias para ingresso de pretos, pardos, indígenas. Em 2016, também foram incluídas as pessoas com deficiência.
A proposta aprovada pelo Congresso Nacional, em 2012, e posteriormente sancionada, prevê a revisão do texto dez anos após o início de sua vigência.
O senador Paulo Paim (PT-RS) é um dos principais defensores da medida, e foi um dos relatores da proposta no Senado, há dez anos. Para ele, dar continuidade a Lei de Cotas é uma questão de justiça social, já que a legislação tem propiciado o desenvolvimento de toda a sociedade brasileira.
“A prática tem mostrado que essa lei está sendo decisiva para a inclusão de pessoas que antes não tinham o acesso devido as universidades. O perfil demográfico da população acadêmica brasileira mudou muito”, destacou o senador, em discurso feito em plenário.
E essa revolução citada pelo senador em plenário se confirma quando são analisados os dados referentes ao perfil dos estudantes universitários no Brasil. O Censo do Ensino Superior, de 1997, mostrava que apenas 1,8% dos jovens pretos e pardos frequentavam algum curso superior no país. Já a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que o número de matrículas de estudantes pretos e pardos nas universidades e faculdades públicas no Brasil ultrapassou pela primeira vez o de brancos em 2018, totalizando 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública. Apesar de maioria, esse grupo permanecia sub-representado já que correspondia a 55,8% da população brasileira.
Já o Censo da Educação Superior 2019, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontava que brancos ainda eram maioria somando universidades públicas e privadas: 42,6%. Pardos somavam 31,1%; pretos, 7,1%; amarelos, 1,7%; e indígenas, 0,7%. A raça/cor de 16% era desconhecida.
Chegado o prazo de revisão da Lei de Cotas, somado aos benefícios alcançados pela legislação, o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou o Projeto de Lei (PL 4.656/2020). A ideia, além de renovar o assegurar a continuidade das cotas, é permitir que as cotas também passem a ser aplicadas em instituições privadas de ensino.
Na próxima segunda-feira (29), o plenário do Senado realiza, às 10h, por iniciativa do senador Paulo Paim, sessão especial para comemorar os dez anos da Lei de Cotas.
Mas essa não é a primeira vez que o Senado vai debater o tema. Em audiência pública realizada na Comissão de Educação (CE), em dezembro do ano passado, especialistas defenderam a continuidade e a ampliação da Lei de Cotas e a aprovação do PL do senador Paim. O projeto está em tramitação na CE com a relatoria da senadora Leila Barros (PDT-DF).
Durante o debate, conduzido pelo senador Paulo Paim, a antropóloga Luciana de Oliveira Dias, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), disse que a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) defende a continuidade e o aperfeiçoamento das ações afirmativas no país. Ela disse que, desde sua publicação, a Lei de Cotas se tornou “um instrumento concreto para reparação dos danos ocasionados pela negligência estatal e pelo racismo estrutural”.
“O fortalecimento das políticas de reserva de vagas e ações afirmativas nas instituições do ensino superior é fundamental para a democratização das próprias instituições e da sociedade como um todo”, afirmou Luciana.
Ela informou que as cotas aumentaram a presença nas universidades não só de negros, mas também de segmentos sociais antes excluídos, como indígenas e quilombolas.
Bruna Chaves Brelaz, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), também defendeu a renovação e a ampliação do alcance da Lei de Cotas. Em sua opinião, as cotas têm promovido, com sucesso, a popularização do ensino superior. Para ela, como a universidade é uma “estrutura de desenvolvimento da nação”, é fundamental que ela seja mais popular e diversa.
“Uma política pública que funciona não pode ser eliminada, ela precisa ser aperfeiçoada”, disse Bruna.
A presidente da UNE defendeu, ainda, a criação de políticas públicas que ajudem na permanência do estudante na universidade, outro desafio para a população negra.
“O Brasil enfrenta um debate muito aprofundado sobre o genocídio da juventude negra, a falta de políticas públicas para a juventude, a falta de saneamento básico, a insegurança alimentar, a fome e o desemprego; a maioria das pessoas que perpassam por todos estes desafios são pessoas negras, principalmente as mulheres negras”, afirmou Bruna.
Experiência bem-sucedida
Dez anos após a sanção da Lei de Cotas, são inúmeros os casos que mostram o sucesso da iniciativa. Matéria da Agência Senado, de fevereiro deste ano, mostrou o exemplo de Thamiris Marques. Em 2009, ela ingressou na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas. Aos 18 anos, ela foi a primeira da família a frequentar uma universidade pública.
Thamiris, que sempre estudou em escola pública, já tinha tentado vestibular antes, sem sucesso. Decidiu, então, concorrer a uma vaga pelas cotas no curso de serviço social, conquistada com um recurso após ser reprovada em entrevista para confirmar sua afrodescendência. Ela conta que não tinha a mesma consciência racial de hoje, o que pode ter pesado em suas respostas e em sua inicial desclassificação. Mas Thamiris não desistiu e, após escrever um texto sobre suas origens e vivências, garantiu a vaga.
De acordo com a hoje assistente social, entrar e concluir a formação superior foi uma vitória de toda a sua família e representou o rompimento de um histórico de acesso limitado à educação. Ela, que se formou em 2014, afirma que serviu de exemplo para outros familiares e pessoas do seu convívio. Para Thamiris, a política de cotas ampliou a diversidade nas universidades públicas e se consolidou como um instrumento de reparação.
“Ao abrir as portas e mostrar possibilidades de um futuro diferente, a Lei de Cotas mudou não apenas a minha vida, mas a de uma família inteira. As cotas me deram a oportunidade de ter acesso a esse conhecimento, a essa educação e a outro mundo. Pude romper com um ciclo que vinha desde a minha avó, que não teve acesso a educação, e minha mãe, que nem chegou a concluir o ensino médio. Hoje, sou uma pessoa formada e isso, na minha família, serviu de exemplo para mostrar para outras pessoas que é possível. Defendo a continuidade da política de cotas como forma de reparação histórica para a população negra”, disse Thamiris.
No episódio de ontem (21), o programa Fantástico, da TV Globo, apresentou diversas histórias da revolução promovida pela Lei de Cotas. Dentre elas, está o economista Gilberto Nogueira, o Gil do Vigor. Ele entrou na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) pelo sistema de cotas e se formou em 2016.
Em sua entrevista, Gil destacou: “Eu me formei pela Universidade Federal de Pernambuco, em economia e fui cotista, com muito orgulho”. “Eu preciso acreditar em mim, o quanto a gente tem que falar para as pessoas, para os jovens, que entram na universidade, que são pobres, que são pretos, que passam vários tipos de discriminação dentro da universidade, tanto privada quanto pública, que ele merece estar ali, que ele é bom”, disse.
Com informações da Agência Senado