ARTIGO

Políticas de uso de redes sociais não se sobrepõem à nossa Constituição, por Fabiano Contarato

Senador critica retrocesso alinhado à extrema direita e defende regulação das redes sociais para proteger a democracia no Brasil

Alessandro Dantas

Políticas de uso de redes sociais não se sobrepõem à nossa Constituição, por Fabiano Contarato

Senador aponta, no artigo, para a necessidade de seguirmos vigilantes aos ataques orquestrados contra a nossa democracia

Virou o ano, mas o sentimento é de que estamos andando para trás. Com o retorno de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, o radicalismo de extrema direita voltou a abrir as asas no mundo. Um exemplo disso foi o anúncio da Meta — dona do Facebook, WhatsApp e Instagram — de que vai reduzir as políticas de moderação de conteúdo de suas plataformas. Na prática, essas redes sociais não terão mais nenhum compromisso com a verdade e a segurança dos usuários — inclusive menores de idade.

Entre outras medidas, a Meta acabará com o sistema de checagem de fatos, e o algoritmo, que tinha sido ajustado por incitar a agressividade e a polarização, voltará a recomendar mais conteúdo político. Além disso, personalidades ligadas ao partido de Donald Trump passarão a ocupar cargos-chave da empresa, como o Conselho de Administração e a chefia de políticas públicas.

Outra iniciativa da Meta foi alterar as normas contra discursos de ódio, passando a permitir que pessoas LGBTQIA+ sejam classificadas como “doentes mentais” ou “anormais”. É um escárnio criminoso, não admitido pela legislação brasileira.

Mentes intolerantes comemoram esse retrocesso, alegando suposta defesa da liberdade de expressão. Sabemos, no entanto, que a defesa dessa liberdade fundamental jamais poderá ser usada como escudo protetivo para a prática de crime. Se a opinião de alguém fere, dói, machuca, mata, então essa pessoa não tem liberdade para se expressar.

Esse é um problema global, que acompanha o avanço da extrema direita. É até irônico que aqueles que se intitulam patriotas se curvem e clamem por interferência estrangeira para burlar nossa legislação. Felizmente, o Brasil já possui mecanismos institucionais e jurídicos para coibir eventuais abusos de plataformas que se julguem superiores aos valores protegidos pelo nosso Estado Democrático de Direito, estabelecidos na Constituição Federal.

Dentre os princípios constitucionais mais importantes e evidentes, está o de proteção à dignidade da pessoa humana, que não pode ser violado por manifestações em nenhum meio. Ora, se um cidadão no Brasil não pode ser racista, xenofóbico ou homofóbico numa mesa de bar, a mesma regra vale para a manifestação de ideias nos meios virtuais. A proliferação dos discursos de ódio no ambiente virtual se dá, em grande medida, devido ao sentimento de pretensa liberdade moral —e legal— para agir de forma preconceituosa.

O ordenamento jurídico brasileiro é mandatório em nosso país. Não há nada que um CEO de rede social possa fazer a respeito, a não ser se sujeitar à nossa legislação. Ou suas empresas se submetem à soberania das nossas leis, ou deixam de operar no Brasil. Simples assim.

Devemos, entretanto, seguir vigilantes aos ataques orquestrados contra a nossa democracia, atentos às investidas de interferência estrangeira sobre nossas instituições. Ao anunciar que irá “trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo”, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, dá o recado de que não poupará esforços para agir contra a soberania das nações – o que, para ele, não passa de mercados em potencial.

Por isso, defendo a aprovação urgente, no Congresso Nacional, de uma regulação séria das redes sociais, para que não voltem a funcionar como terra sem lei, dominadas por fake news. As plataformas precisam, sim, ser responsabilizadas pelo conteúdo compartilhado ali. Sem isso, a internet continuará dando ainda mais voz e engajamento aos intolerantes.

O que está em jogo aqui é a democracia brasileira, que corre riscos sem precedentes —enquanto Zuckerbergs e Musks pretendem lucrar bilhões em cima do caos. Caros leitores, teremos um futuro nebuloso a enfrentar, mas garanto que o Brasil tem força para combater mais essa onda temerosa de ataques aos direitos fundamentais que se aproxima, venha de onde vier.

Artigo publicado originalmente no Tilt, conteúdo de Tecnologia do UOL

To top