ARTIGO

Você consegue me ver ao se olhar no espelho?, por Paulo Paim

Relatório da Oxfam Brasil aponta o aumento das desigualdades no Brasil entre 2014 e 2024

Alessandro Dantas

Você consegue me ver ao se olhar no espelho?, por Paulo Paim

Senador Paulo Paim mostra preocupação com os índices elevados de concentração de renda no país

Nossas desigualdades sociais e concentração de renda são históricas, persistentes, enraizadas na geografia e na forma de governar. Cada vez mais, os que têm menos continuam tendo menos ainda, enquanto os que têm mais continuam acumulando, muito mais. E nós sabemos que o custo disso é altíssimo.
 
Muitas vezes, o Brasil finge resolver os problemas e, quando algo é feito – ainda que timidamente –, mas que é fundamental para atacar a raiz das desigualdades sociais e da concentração de renda (uma das maiores do mundo) ou, ao menos, impedir seu avanço, logo se torna alvo daqueles que não têm compromisso com o bem-estar da população ou com o desenvolvimento do país.
 
Quantas leis foram sancionadas e não implementadas? Quantos programas governamentais foram barrados por interesses políticos e ideológicos? Os empecilhos se repetem. Não é novidade o que escrevo aqui; há anos isso vem sendo debatido. Mas é necessário insistir, perseverar, bater nessa tecla, não se omitir. Muito pior é aceitar e propagar discursos de ódio e de violência, que se alimentam da intolerância, do egocentrismo, da ambição de grupos que priorizam o poder acima de tudo e da manipulação espiritual que cada vez mais fomenta as disparidades sociais.  
 
Um recente relatório da Oxfam Brasil, “Um Retrato das Desigualdades Brasileiras: 10 Anos de Desafios e Perspectivas”, aponta o aumento das desigualdades no Brasil entre 2014 e 2024. A concentração de renda se intensificou, alcançando, em 2024, níveis próximos aos registrados durante a pandemia da Covid-19.
 
Dados do Banco Mundial mostram que, em 2024, a taxa de pobreza caiu para 20,9%, correspondendo a 45,8 milhões de pessoas, enquanto a pobreza extrema atingiu 6,8% da população – aproximadamente 14,7 milhões de brasileiros. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, em dois anos, 6 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema no Brasil.
 
O cenário é assustador, mas estamos combatendo essa realidade com programas sociais do governo federal. Entretanto, há muito a ser feito. Importante sublinhar que o conceito de pobreza não se limita a questões econômicas, mas envolve acesso a saúde, moradia, alimentação, saneamento, educação, trabalho, segurança, entre outros. É necessário que os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) assumam as suas responsabilidades.
 
Em março de 2025, mais de 335 mil pessoas estavam em situação de rua, segundo o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Esse número representa um aumento em relação a dezembro de 2024, quando eram 327.925 pessoas. Inclusive debatemos esse tema em uma audiência pública no Senado com a participação do padre Júlio Lancellotti.
 
Diante disso, enfrentamos o desafio de tornar visíveis os “invisíveis” da sociedade: pessoas ignoradas, negligenciadas, desrespeitadas, excluídas, privadas de dignidade, que passam fome. Mas será que são realmente invisíveis? Ou somos nós, como sociedade, que preferimos não enxergá-los?
 
Esses invisíveis incluem também mulheres vítimas de feminicídio, crianças mortas por balas perdidas, idosos sem acesso a medicamentos, aposentados com benefícios insuficientes, negros marcados pelo racismo e trabalhadores com direitos trabalhistas e sociais desrespeitados. Todos eles estão aí, visíveis, clamando pelo direito de viver com dignidade, conforme assegura nossa Constituição Cidadã. Negar esses direitos é ferir a democracia.

Cada pessoa tem sua perspectiva, e ninguém é dono absoluto da verdade. No entanto, há momentos em que o cansaço toma conta. O discurso agressivo e o apontar de dedos se tornam comuns — e isso não é natural, é fomentado. É nesse contexto que precisamos reafirmar: com a democracia, tudo; sem a democracia, nada. É essencial que estejamos atentos e fortes, como diz a canção imortalizada por Gal Costa.

Ainda assim, persiste a narrativa de invisibilidade, como se fosse mais fácil ignorar do que agir. Somos um país, mas ainda estamos distantes de sermos uma nação. Como não se indignar ao ver crianças e jovens mendigando nas ruas? Não há dor maior para um pai ou uma mãe do que não ter o que oferecer a seus filhos – nem um prato de comida, nem um copo de leite.

O Estado, governos, instituições e uma sociedade que não conseguem enxergar a dor do outro, que não se comovem nem se colocam no lugar de quem sofre, estão condenados à miséria da alma.

E se um desses invisíveis se dirigisse a você, perguntando: “Você consegue me ver ao se olhar no espelho?”

Artigo originalmente publicado no Jornal GGN

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