O problema das drogas no centro de São Paulo é antigo e agravado violentamente com o aumento do tráfico e do consumo de crack.
Qualquer ação séria, que pretendesse resultados, teria de começar pela articulação dos órgãos que atenderiam aos usuários: preparação de leitos para internação, serviço médico treinado e a postos, albergues, centro de convivência e assistentes sociais em número suficiente. Em resumo, uma ação preparatória e coordenada que antecedesse qualquer tipo de repressão.
A opção pela intervenção pirotécnica, semelhante, porém mais violenta que a de 2009, segue para o mesmo resultado: a falta de solução. Uma ação espalhafatosa com cunho nitidamente político para dar resposta a duas questões, como informou Catia Seabra (“Kassab e Alckmim temiam ação do governo federal”, “Cotidiano”, ontem). Pesquisa interna indicava cobrança da opinião pública na comparação entre ações do mesmo tipo no Rio, planejadas e bem-sucedidas, e em São Paulo.
Dilma lança programa nacional de combate ao crack, o ministro Padilha vai in loco se inteirar da situação na cracolândia. Em função disso, apressadamente, governo e prefeitura buscaram entendimento para ação conjunta.
Sem preocupação com o usuário, repete-se a mesma encenação, versão três etapas: arrasa e “limpa” a área (farta cobertura), visa prender traficantes (todos aplaudimos), apesar do comandante da PM na região central dizer de sua certeza de que não vai acabar com o tráfico no centro. Afirma-se que “a dor e o sofrimento” do usuário irão fazer com que ele procure ajuda (onde?). Última etapa: dispersão dos moradores de rua agrupados.
O que foi, de fato, preparado para resgatar e reinserir esse ser humano? O tratamento do dependente de crack é dos mais difíceis e custosos que existem. A Prefeitura de São Paulo tem orçamento de R$ 38,7 bi, disponibilidade para investimentos de R$ 5,2 bi e outros R$ 7,5 bi em caixa. Poderia, se a preocupação fosse verdadeira, elaborar com cuidado e competência um programa modelo, que seria até referência internacional de intervenção social em grandes metrópoles. Preferiram a farsa.
Daqui a alguns dias, outros assuntos tomarão as páginas de jornal e outros locais serão escolhidos pelos mesmos desesperados para se agruparem. E a prefeitura poderá mostrar sua intransigência contra traficantes e a cidade suja na campanha “Antes não tinha, agora tem”.
Publicado na Folha de S.Paulo