Dez anos depois de receber o título de doutor honoris causa da renomada SciencesPo, em reconhecimento às suas políticas de combate à desigualdade, Lula voltou, nesta terça-feira (16), à instituição de pesquisa francesa para dar uma palestra sobre as perspectivas para o Brasil e o mundo nos próximos anos.
Em seu discurso, que incluiu diversas falas de improviso em meio à leitura do texto que havia preparado, o ex-presidente defendeu que o Brasil precisa retornar à normalidade ética e democrática para não só voltar ao caminho da inclusão e da justiça social, mas também ajudar o mundo a superar seus mais fundamentais desafios, como as mudanças climáticas, a fome e a miséria. “Uma nova inserção do Brasil no cenário mundial passa, necessariamente, pela reconstrução do país, num processo de eleições democráticas e verdadeiramente livres, sem fake news, diferentemente do que ocorreu em 2018”, afirmou (assista abaixo à íntegra do discurso, que pode ser lido aqui).
Lula denunciou que o governo de Jair Bolsonaro, resultado direto do processo reacionário que tirou Dilma Rousseff da Presidência e o levou à prisão injustamente, corrói as finanças públicas e destrói setores da economia essenciais, como os de engenharia, óleo e gás, acabando com a maior empresa do povo brasileiro, a Petrobras, para transformar o Brasil “numa economia onde apenas especuladores e oportunistas obtêm benefícios”.
“O objetivo indisfarçável do golpe era reverter o projeto de país soberano, voltado para o desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável, com a geração de emprego e distribuição de renda para a imensa maioria historicamente excluída”, ressaltou. “O resultado é que, em apenas cinco anos, os trabalhadores perderam direitos fundamentais, o desemprego e o custo de vida explodiram, programas sociais foram abandonados ou descontinuados, incluindo o Bolsa Família. A fome voltou ao cotidiano das famílias”, acrescentou.
O que fazer?
Apesar do diagnóstico e da consciência de que o desafio do Brasil, hoje, é maior que o enfrentado em 2003, quando chegou à Presidência, Lula fez questão de se dizer otimista na capacidade do país de se reerguer e voltar a contribuir para a construção de um mundo mais justo.
Internamente, o Brasil precisa voltar a fazer política voltada para o seu povo, disse o criador do Partido dos Trabalhadores. “A ideia de que não tem dinheiro é induzida para que você guarde para pagar ao sistema financeiro. Quando, na verdade, você poderia gastar, era só ter vontade de fazer uma coisa mais produtiva para o país. (…) Tem gente que acha que dinheiro é bom é dinheiro guardado. Não. Dinheiro bom é dinheiro transformado em investimento, em educação, em obras, em estrada, ferrovia, ponte, em laboratório, em universidade… Porque é um dinheiro que vai ter retorno, que vai voltar”, defendeu, pouco antes de classificar o ministro da Economia de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, de um “destruidor de países”.
Globalmente, após retomar sua soberania, caberá ao Brasil contribuir para que o mundo supere seus desafios. “O Brasil são 213 milhões de seres humanos, das mais diversas origens, com capacidade de trabalhar, aprender, ensinar e sonhar. Na medida em que o povo brasileiro volte a decidir sobre os rumos do país, estou certo de que atuaremos fortemente em todas as iniciativas para superar a indecente desigualdade entre países, e garantir a segurança ambiental do planeta. Esta é a nossa vocação e foi nossa prática quando governamos”, assegurou.
Lula, então, defendeu a união da humanidade por meio de uma nova governança global, na qual todos os governos, e também a sociedade civil, tenham voz. “Até quando a ganância dos ricos, o isolacionismo dos governos e o individualismo vão prevalecer sobre os interesses do planeta e da humanidade? Estamos falando da responsabilidade dos Estados nacionais e da recuperação do papel da Política, em seu mais elevado sentido, para enfrentarmos juntos e coordenadamente o desafio da desigualdade. O atraso, a pobreza e a fome não são mandamentos divinos. São o resultado do que fazemos ou deixamos de fazer neste mundo”, conclamou.
“O mundo ainda vive a grande crise causada pela pandemia. Como ocorreu depois de outras grandes crises, é necessário reconstruir as instituições internacionais sobre novas bases. Não podemos continuar governados pelo sistema criado após a Segunda Guerra Mundial. É urgente convocar uma conferência mundial, com representação de todos os Estados, e participação da sociedade civil, para definir uma nova governança global, justa e representativa”, propôs.
E concluiu: “Neste planeta que compartilhamos, o futuro da humanidade precisa ser construído com diálogo e não autoritarismo, com paz e não com violência; com mais livros e não mais armas; com mais escolas para termos menos presídios. Com mais verdade, e menos mentiras. Com mais respeito à natureza, para assegurarmos a água, o ar e a vida para nossos filhos e netos. Com mais acolhimento e solidariedade, e menos exclusão”.