As comissões de Direitos Humanos (CDH) e Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) realizaram nesta terça-feira (8) audiência pública para debater o assassinato do refugiado congolês Moïse Kabagambe e a violência contra imigrantes e refugiados em solo nacional.
Os convidados foram unanimes ao afirmar que a violência praticada contra Moïse não se trata de um fato. E destacaram que o desmonte promovido por Jair Bolsonaro em programas de proteção a imigrantes e refugiados agravou ainda mais a situação, alimentando a condição de completa vulnerabilidade.
“Nos últimos anos milhares de pessoas deixaram suas casas, seu país e migraram para o Brasil. Pessoas que muitas vezes são perseguidas ou estão em situação de vulnerabilidade extrema. Todavia, o país que por longos anos foi sinônimo de acolhimento, hoje é palco de recorrentes ações de violência contra imigrantes, sobretudo os negros, que se deparam com uma sociedade marcada pelo racismo, xenofobia e intolerância religiosa e cultural”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da CDH. “Principalmente no contexto político em que vivemos no qual o próprio presidente da República comete esses atos criminosos e desumanos”, completou.
José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns de Direitos Humanos, destacou que o Brasil é um país violente e “extremamente racista”, tornando-se, assim, um lugar perigoso para refugiados, principalmente, os negros.
“O negro é visto como ameaçador, portanto, descartável. E fingimos que vivemos numa democracia racial”, disse. “A família de Moïse veio ao Brasil em busca de segurança e se deparou com outra dura batalha, a luta por respeito e oportunidade de uma vida digna. Se deparou com um país preconceituoso, com um governante que exalta torturadores, pede ao filho que condecore milicianos, persegue defensores dos direitos humanos, desmonta o órgão responsável pelo combate e prevenção à tortura, estimulando, assim, a tolerância com a violência e a chacina. Essa é a realidade brasileira”, enfatizou.
O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CMMIR, lamentou o que tem acontecido com imigrantes, refugiados, negros e a população LGBTQIA+ que assim uma escalada contra seus direitos mais básicos. No caso de Moïse, o senador afirmou que ele foi tratado como um escravo.
“[Ele foi] amarrado, amordaçado, espancado e assassinado. Essa é a realidade”, lamentou Paim.
A vereadora Tainá de Paula (PT-RJ) defendeu que o caso Moïse não seja tratado de forma isolada e alertou para a necessidade de o Brasil aprofundar o debate em torno da questão racial.
“Infelizmente, Moise e a família Kabagambe revelaram para nós um buraco profundo da negação dos direitos para negros e negras. É essencial que possamos construir um diálogo e um legado que aprofunde o debate racial brasileiro”, disse.
Família pede ajuda com a investigação
Familiares de Moïse denunciaram, durante a audiência pública, a adulteração das provas do crime bárbaro. Segundo eles, as imagens divulgadas foram editadas para proteger cúmplices do assassinato.
“Estamos pedindo justiça pelo nosso irmão. Tem muita coisa escondida ainda. Tem mais participantes [no assassinato] que não estão presos porque estão sendo protegidos. Nós queremos acesso integral aos vídeos, porque sabemos que tem mais pessoas envolvidas”, denunciou Djodjo Kabagambe, irmão de Moïse.
“Sem a prisão de todos os envolvidos, a nossa família não se sentirá segura”, emendou Yannick Kamanda, tio de Moïse.
O senador Humberto Costa explicou que na próxima semana deve ocorrer a diligência do colegiado para que os senadores possam verificar, in loco, o andamento das investigações. O parlamentar também lembro que, na condição de refugiado, a segurança e a integridade física e mental de Moïse era responsabilidade do governo federal.
“Na condição de refugiado, Moise deveria ter sua integridade física e psicológica garantida pelo governo federal e o acesso a todos os direitos garantidos pela Constituição. No entanto, não vimos isso acontecer”, lamentou.
O procurador do Trabalho e Coordenador Regional no RS da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho, Lucas Santos Fernandes, destacou que a situação dos imigrantes no Brasil piorou durante a pandemia. E, com isso, esse grupo tem sido vítima constante de trabalho análogo à escravidão.
Moïse Kabagambe trabalhava por diárias em um quiosque na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. E foi assassinado após cobrar dois dias de pagamentos atrasados do dono do quiosque. O procurador também lembra que existem, no país, uma infinidade de refugiados e imigrantes trabalhando em condições sub-humanas, principalmente, para grandes empresas.
“Não basta observar e punir quem é o capanga, mas quem é a grande empresa que se beneficia da exploração de imigrantes”, alertou.
Medo de viver no Brasil
A imigrante congolesa, Gaelfie Ngouaka, estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirmou que a morte de Moïse Kabagambe trouxe ainda mais medo para outros imigrantes negros que vivem no Brasil.
“Eu, como mulher negra e imigrante, quando vejo um carro da polícia, faço a volta. Não sei o que se passa na cabeça deles. Hoje vivemos com medo no Brasil. Por medo, não posso me expressar, fazer minhas coisas, viajar. Posso parar em São Paulo e ser questionada pelo que estou fazendo ali. Hoje, o medo faz com que a gente não consiga avançar”, disse.
A estudante também criticou o silêncio de Jair Bolsonaro diante das agressões e crimes cometidos contra imigrantes em solo brasileiro. Para ela, o caso de Moïse só ganhou visibilidade diante da pressão popular e das imagens obtidas que mostram a crueldade praticada contra o imigrante.
“A sociedade brasileira é racista e tem sido cada vez mais cruel com os africanos e imigrantes. O caso Moïse ganhou relevância porque foi filmado. Mas quantos não aconteceram sem serem filmados? Eu saí do meu país para estudar e me deparei com uma realidade como essa, onde como imigrante estou sendo ameaçada e o governo brasileiro fecha os olhos a respeito. O presidente da República deveria falar a respeito, mas prefere se calar. O governo se cala diante do caso Moïse e de tantos outros imigrantes que hoje trabalham de forma escrava”, enfatizou.