A 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), realizada entre 4 e 14 de abril, lançou nesta segunda-feira (18) manifesto que conclama todos os povos, organizações e lideranças para uma luta unificada contra o projeto de extermínio dos povos indígenas personificado pelo atual governo e por parte do Congresso Nacional.
“Além de defender a nossa integração à chamada sociedade civilizada e uma propagandeada cultura nacional, visando dissolver as nossas diversas identidades socioculturais, Bolsonaro incentivou invasões aos nossos territórios e a violência contra nossos parentes. O atual presidente trabalha ainda para legalizar a atuação das organizações criminosas que agem nos territórios: garimpeiros, madeireiras, pecuaristas, milicianos e grileiros”, denuncia o documento final do ATL, evento organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), representação nacional indígena.
O “projeto de morte”, como classifica o manifesto, é materializado por propostas em análise no Congresso. “Entre estas iniciativas, destacam-se o Projeto de Lei 490/2007, do marco temporal; PL 191/2020, da mineração em terras indígenas; PL 6.299/2002, pacote do veneno; PL 2.633/2020 e PL 510/2021, da grilagem de terras públicas; PL 3729/2004 (agora PL 2.159/2021, sob análise do Senado), do licenciamento ambiental; PL 2.699, do Estatuto do Desarmamento e porte de armas”, listam os povos indígenas.
Para enfrentar essa agenda de destruição, o ATL elencou “pontos para uma Plataforma Indígena de Reconstrução do Brasil”, distribuídos em cinco eixos:
1 – Direitos territoriais indígenas, que entre outros itens reclama uma força-tarefa interministerial em nome da proteção dessas terras;
2 – Retomada dos espaços de participação e controle social indígenas, interditados pelo atual governo, que enfraqueceu conselhos onde havia essa interlocução;
3 – Reconstrução de políticas e instituições indigenistas, a partir da reestruturação, com dotação orçamentária de órgãos como a Funai, que deixaram de cumprir sua vocação, além do resgate de políticas de educação e de assistência integral à saúde indígena;
4 – Interrupção da agenda anti-indígena no Congresso;
5 – Agenda ambiental, incluindo medidas para rastrear produtos, combatendo a exploração ilegal, e cumprimento de compromissos internacionais sobre clima e meio ambiente, além da reestruturação de organismos de defesa dos biomas, como o ICMBio e o Ibama.
“Nossa luta é por nossos Povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira! Lutamos por um projeto civilizatório de país e de mundo. Um projeto baseado nos princípios do respeito à democracia, aos direitos humanos, à justiça, ao cuidado com o meio ambiente e com a Mãe Natureza; um projeto que respeite a diversidade étnica e cultural do país do qual fazemos parte, com mais de 305 povos diferentes e 284 línguas indígenas, sem racismo, preconceitos e discriminações de nenhum tipo”, reiteram os participantes do ATL.
Luta de todos nós
Em suas manifestações, senadores do PT mostraram que em parte do Congresso o eco das florestas é ouvido. “Hoje é dia de celebrar os Povos Indígenas e reforçar a luta. Mais do que nunca, é preciso mostrar que um outro Brasil é possível. A luta por terra e por condições dignas de existência dos povos originários deve ser de todos nós”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE).
O líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), sustentou que, para comemorar a data, “é preciso demarcar os territórios indígenas”. No mesmo tom, Jaques Wagner (PT-BA) registrou nas redes sociais que a data marca a luta pelo direito de existir e resistir aos frequentes ataques aos povos originários e suas terras.
“Por isso, atuamos contra os projetos que tramitam no Congresso, como o marco temporal, a mineração em terras indígenas e a ampliação do uso de agrotóxicos. Também repudiamos a exploração nas comunidades indígenas”, assinalou o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, lembrando que as terras já demarcadas ajudam na redução do desmatamento das florestas: “Território indígena é sinônimo de preservação ambiental e respeito à natureza!”
Defesa semelhante foi feita por Zenaide Maia (Pros-RN), para quem “terra indígena demarcada é território preservado; é a garantia de água limpa, de biodiversidade, é a vida colocada em primeiro lugar! No Congresso, não podemos admitir a legalização do garimpo, nem a adoção da tese do marco temporal”.
Essa tese é usada pelo atual governo para suspender processos de demarcação em nome de um suposto conflito de prazos para reivindicação dessas terras. Pelas redes sociais, Zenaide classificou como “inadmissível, também, o pacote do veneno, que polui a terra, as águas e os nossos alimentos com agrotóxicos. Sou pela saúde, pelos direitos humanos, pela preservação de nossa fauna e flora! Sou pela causa indígena, que é de todos nós!”, pontuou a senadora, num apelo compartilhado pelo colega Fabiano Contarato (PT-ES): “Defender os povos indígenas é defender a história do Brasil”. O parlamentar capixaba completou: “Estamos ao lado desses povos gigantes defendendo a demarcação de suas terras e a preservação de seus direitos, contra a mineração predatória em seus territórios e contra o lançamento de agrotóxicos em aldeias”.
Mostrando que as bandeiras mais urgentes dessa luta estão em debate no Congresso, Paulo Paim (PT-RS) também deu seu recado. “Todos juntos em defesa dos povos indígenas. Pelos direitos e pela vida. Contra o Marco Legal, a liberação do garimpo e da mineração, o desmatamento e os agrotóxicos”.
Além disso, Paim alertou para a violência que atinge os povos originários e citou o caso recente denunciado pelo líder indígena Júnior Yanomâmi, segundo o qual garimpeiros invasores teriam violentado e assassinado duas meninas yanomâmis. O senador defendeu a realização de diligências na região pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. “Conforme o Cimi [Conselho Indigenista Missionário], em 2020 o Brasil teve 182 indígenas assassinados. As terras deles são invadidas por grileiros, garimpeiros, madeireiros, caçadores. Em 19 estados, foram 263 invasões”, relatou o senador.
Já o senador Jean Paul Prates (PT-RN) acredita que só a mudança de governo fará soprar novos ventos na floresta. “Na data de hoje, é preciso reforçar a luta diária dos povos indígenas do Brasil. Com o governo que está aí, isso tem sido cada vez mais difícil”. Mas, em tom de esperança, Jean Paul lembrou que o PT e o ex-presidente Lula têm debatido com lideranças e movimentos sociais a ideia de criar um ministério para debater especificamente as questões indígenas. “O PT se preocupa com a equidade entre brasileiros e brasileiras. O Brasil é território indígena!”, escreveu senador potiguar.
Economia verde
De fato, a proteção das florestas, combinada com a chamada economia verde, estava em debate nessa segunda-feira, justo enquanto o documento do Acampamento Terra Livre era lançado. Foi num seminário realizado pelo PT, por meio da Fundação Perseu Abramo, presidida pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, e que contou com a participação do senador Jaques Wagner, da ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, de representantes da Rede Sustentabilidade – senador Randolfe Rodrigues (AP) –, do PCdoB, do PV e do PSB, além de especialistas na área do desenvolvimento sustentável, incluindo Carlos Nobre, ex-presidente da Capes e do painel intergovernamental do IPCC, sigla para o comitê da ONU que estuda as mudanças climáticas.
No evento, foram discutidas medidas para fortalecer o Ibama, o ICMBio e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), além da possibilidade da criação do Instituto Tecnológico da Amazônia para estimular pesquisa, gerar valor agregado e verticalizar a estrutura produtiva da região.
Outra possibilidade é formar um braço de sustentabilidade na estrutura do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fomentar mais ações nessa área. Foi mais um eco do manifesto indígena, num debate sobre formas de conjugar proteção ambiental, o respeito à Mãe Natureza, com desenvolvimento econômico e progresso.
(Com informações do jornal Valor)