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PL do Veneno: votação é adiada e comissão fará nova audiência

Em debate, especialistas demonstraram que projeto vai na contramão dos países desenvolvidos; relator promete novo parecer
PL do Veneno: votação é adiada e comissão fará nova audiência

Foto: EBC

O segundo dia de audiência pública sobre o PL do Veneno (PL 1459/2022) terminou com os anúncios presidente da Comissão de Agricultura (CRA), senador Acir Gurgacz (PDT-RO), de que haverá uma terceira audiência sobre o assunto na próxima quarta-feira (29) e de que, como relator da matéria, fará uma reanálise do texto para proferir novo parecer, também na próxima semana. Ele próprio admitiu que a mudança de curso — já que havia a possibilidade de votar o projeto logo após a audiência dessa quinta — ocorreu em razão de questionamentos de especialistas durante o debate.

Não foram poucos. Thuanne Henning, mestra em ciência do solo e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, condenou a permissividade do PL do Veneno, que legaliza tudo que não traga “risco inaceitável”. Segundo Thuanne, o termo é subjetivo demais e não protege os serviços ecossistêmicos envolvidos no solo.

Especializada em ecotoxicologia, área da ciência que estuda os efeitos do lançamento de produtos químicos na natureza, ela afirmou que determinados produtos têm tanta toxidade que exterminam a fauna, responsável pela decomposição de matéria orgânica e pela penetração da água e circulação do ar na terra, por exemplo. Ela também atacou o artigo que permite registro de um agrotóxico por equivalência de toxidade, ou seja, bastando ter o mesmo princípio ativo de outro já em uso. Thuanne explicou que formulação equivalente não significa o mesmo grau de toxidade, e deu o exemplo do Imidacloprido, que, testado em rótulos diferentes, apresentou impacto duas vezes maior na reprodução de minhocas, essenciais no ecossistema.

Contramão

Doutora em saúde pública e pesquisadora da Fiocruz, Karen Friedrich lembrou que países europeus adotaram recentemente uma regra em vigor no Brasil desde 1989, na Lei de Agrotóxicos, para avaliar o risco toxicológico. “Um dos pontos que o atual projeto modifica não é um critério atrasado, obsoleto. É, isso sim, um avanço que a nossa legislação de 1989 já mostrava e que foi copiado, vamos dizer assim, pela Comunidade Europeia”.

A mesma Comunidade Europeia, registrou Karen, publicou, nesta quarta (22), um plano com metas para a redução do uso de agrotóxicos, com o fim do uso dos produtos que apresentam riscos à saúde.

Também nessa semana, especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) lançaram um apelo para que o Congresso Nacional brasileiro rejeite o PL do Veneno. De acordo com o documento, a aprovação do projeto “enfraqueceria a regulamentação do uso de agrotóxicos no Brasil e exporia pessoas de todas as idades, incluindo agricultores, trabalhadores, povos indígenas e comunidades camponesas, a substâncias perigosas com consequências potencialmente devastadoras para sua saúde e bem-estar”.

Os cientistas independentes chamados pela ONU afirmam, ainda, que há consequências globais, além de locais, em razão do uso de agrotóxicos. E rebatem o argumento ruralista sobre a segurança alimentar: “É um mito que os agrotóxicos são necessários para alimentar o mundo e que seus efeitos adversos na saúde e na biodiversidade são de alguma forma um custo que a sociedade moderna tem que arcar”.

Marina Lacôrte, representante do Greenpeace, confirmou essa tese, explicando que é a monocultura que consome mais agrotóxicos, especialmente soja, milho e cana, que são cultivadas para ração animal e produtos processados, e não para matar a fome no mundo. Se fosse para a segurança alimentar, não teria fome no planeta, acentuou.

“Dizer que se produz sobretudo alimentos é uma falácia, porque os gráficos mostram que as commodities é que ocupam esse lugar, que mais utilizam essas substâncias e que movimentam muito mais o mercado e a economia do que atendem a uma demanda por alimentos”, argumentou Marina, mestra em Ecologia Aplicada, que sugeriu melhorias na legislação atual, em vez de uma nova lei que altera completamente as regras do setor.

Esse é um dos argumentos da senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que defendeu o aumento da capacidade técnica dos órgãos responsáveis por registro e fiscalização, e não a substituição da lei. Com a mesma lei que os ruralistas querem derrubar, lembra Zenaide, foram aprovados 1.682 novos agrotóxicos em pouco mais de três anos.

“Essa comissão era para estar exigindo do governo federal a contratação de novos profissionais, para não deixar a demanda reprimida sobre aprovação e registro de novos produtos”, criticou a senadora e médica, para quem o PL do Veneno faz o oposto do que falam seus defensores.

“Não é possível que a ciência não seja ouvida. Há estudos sobre a presença de agrotóxicos na água. O índice de câncer não é normal, tem algo aí. Esse é um projeto altamente danoso à vida, não só dos seres humanos, mas do meio ambiente”, acrescentou, demonstrando especial preocupação com o artigo que permite registro temporário, mesmo sem passar por análise da autoridade competente. “Quem é que vai garantir que depois que tiver o registro temporário a gente vai ter uma fiscalização sobre os riscos?”, questionou Zenaide Maia.

Resistência

Para o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), as audiências têm mostrado que há muito a ser esclarecido e modificado no texto. Por isso, reiterou a importância de desacelerar a tramitação da matéria e ampliar o debate, estendendo a análise do projeto, no mínimo, às comissões de Meio Ambiente e de Direitos Humanos.

“Não se trata de interesses de radicais ambientalistas contra o agronegócio. Essa pauta exige cada vez mais nossa atenção e a nossa dedicação. O Brasil está no centro dessa questão, porque estamos entre os maiores exportadores de grãos, o que mostra a importância do agronegócio, mas também temos um papel no aspecto do meio ambiente”, ponderou o líder do PT.

Pelo menos mais uma audiência ficou garantida. Será na próxima quarta-feira (29), pela manhã, com a presença de representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Agricultura. Mas a intenção da bancada ruralista é votar o projeto logo em seguida. Do lado progressista, a ideia é aumentar a pressão sobre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para que a proposta não se esgote na CRA e seja distribuída a mais comissões antes de ir a Plenário.

Autofiscalização

Após a audiência, os senadores aprovaram projeto (PL 1293/2021) que transfere aos produtores rurais a responsabilidade de criar seus próprios programas de defesa agropecuária, que são as etapas de controle fitossanitário hoje desempenhadas pelo poder público. Se for transformado em lei, o projeto aprovado pela CRA fará com que os órgãos oficiais de controle se restrinjam a averiguar o cumprimento dos planos montados pela produção agropecuária.

Como destacou Zenaide Maia na votação, a proposta acaba com uma competência da vigilância sanitária. “E o que chama mais a atenção é que os produtos que vão ser exportados vão ter vigilância. Você que compra carne aqui no Brasil, no seu açougue, cuidado que não vai ter fiscal. O Estado não vai estar presente para dizer se tem brucelose, tuberculose. Agora, a carne que vai se exportar vai ter sim, e vão ser os vigilantes estatais que vão fazer o serviço. Me preocupa muito essa omissão estatal”, justificou.

O PT também votou contra o texto, que, se não for levado a Plenário por meio de recurso, seguirá diretamente para a sanção presidencial.

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