“Chega de sermos tutelados. Chega de pessoas que não compreendem nossos modos de vida falando por nós e pensando em alternativas para nossos problemas. Nós podemos falar por nós mesmos”. Esse foi um dos pedidos da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta quarta-feira (10).
Guajajara apresentou os projetos e objetivos do inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI) para os próximos dois anos. A ideia da criação da pasta, de acordo com a ministra, foi permitir o protagonismo indígena e promover os direitos dos povos. Primeira pessoa a ocupar o cargo na história do Brasil, ela afirmou que trabalhará “muito” para não ser a única.
“Que outros e outras possam dar continuidade a essa ocupação de espaço que por tanto tempo foi negada e por tanto tempo teve a nossa ausência”, disse. “Precisamos reunir esforços para construirmos juntos políticas públicas de Estado que assegurem a manutenção dos direitos constitucionais dos povos indígenas”, emendou.
A senadora Augusta Brito (PT-CE) elogiou o gesto do presidente Lula ao decidir criar um ministério inédito focado, especificamente, nos interesses dos povos indígenas. “Parabenizo o presidente Lula pela criação de um ministério com a intenção real de fazer o reconhecimento histórico e devido aos povos originários”, destacou.
Tragédia Yanomami
Desde que assumiu o MPI, no começo do ano, a equipe do ministério, segundo Sonia Guajajara, tem dedicado boa parte do seu tempo e todos os esforços ao monitoramento, acompanhamento e articulação para a efetivação das ações que visam à resolução dos inúmeros problemas identificados na terra Yanomami.
A ação integrada realizada por oito ministérios do atual governo para desintrusão do território Yanomami, além de tratar da questão sanitária dos yanomamis, já resultou em 43 prisões, R$ 138 milhões em recursos bloqueados e 40 mandados de busca e apreensão.
Além disso, 70 balsas, 18 aviões, 2 helicópteros e 12 embarcações foram inutilizados. Também foram apreendidos 169 motores, 33 geradores de energia elétrica, 13.735 quilos de cassiterita, 327 equipamentos desmobilizados e 2 portos de apoio logístico.
“A solução para a crise humanitária no estado de Roraima não passa pela regularização do garimpo ilegal. Vivemos um novo tempo. Para além da crise humanitária que enfrentamos na terra Yanomami, o mundo vive uma emergência climática”, alertou a ministra.
Ela ainda criticou um projeto do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) que autoriza o garimpo em terras indígenas. Para a ministra, a proposta não pode avançar, uma vez que o garimpo não é uma atividade indígena.
“Os povos indígenas querem viver livres nos seus territórios, com direito de ter a segurança alimentar, de produzir seu alimento, de gerar renda. Para isso, precisamos ter o território livre desses invasores, seja de garimpeiros, madeireiros, seja de grileiros. É importante para nós esse reconhecimento. É essencial para a garantia da vida e proteção da nossa identidade”, enfatizou.
O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), relatou ainda o impacto dos conflitos e invasões em territórios indígenas pelo país. No ano passado, o estado do Maranhão teve o maior número de conflitos e invasões dentro da Amazônia Legal, com 178 registros. Na sequência vêm o Pará com 175, Amazonas com 152 e Mato Grosso com 147. Essas violações e conflitos geraram sete mortes ao longo do ano de 2022.
Outro dado apontado pelo senador dá conta de que a Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, que atua desde 2004, registrou 704 trabalhadores indígenas resgatados de situação análoga à de escravo. Destes, 7% eram de mulheres indígenas.
“O mundo atual precisa aprender a conviver com os diferentes. Sem intolerância, com respeito às várias etnias dos povos indígenas, com toda a diversidade da beleza que é a democracia. Sem imposições e, principalmente, com respeito a todos”, destacou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Atribuição da Funai
A ministra pediu, durante a audiência, que os senadores apoiem a manutenção da Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) como detentora da atribuição para demarcação de terras indígenas.
Não há lugar mais justo e mais adequado, segundo Guajajara, do que a Funai para tomar decisões sobre o tema.
O retorno de políticas públicas voltadas aos povos originários no governo Lula também foi destacado pela ministra. No último dia 28 de maio, no final do Acampamento Terra Livre, o presidente Lula assinou a demarcação de seis Terras Indígenas e anunciou a liberação de R$ 12,3 milhões para a Fundação Funai para ajudar os yanomamis.
“Todo esse drama vivenciado pelo povo Yanomami é algo que mancha a história do nosso país e golpeia de modo inquestionável a dignidade da pessoa humana”, disse Sonia Guajajara.
Também foram assinados decretos que instituíram o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI) e a recria o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), ambos extintos pelo governo anterior.
A senadora Teresa Leitão (PT-PE) relatou a dificuldade enfrentada pelos povos indígenas na região metropolitana do Recife. Cerca de 60 famílias indígenas ocupam terreno no município de Igarassu. Teresa relatou que o desmonte promovido pela gestão anterior, que desestruturou a Funai, dificulta a negociação de uma solução para o conflito que ocorre no estado.
“Ontem encaminhamos ofício ao Ministério dos Povos Indígenas para a reabertura da Superintendência da Funai em Pernambuco. Restam apenas 13 funcionários efetivos da Funai em Pernambuco depois que ela foi desaparelhada. Carecemos de uma política de Estado”, destacou Teresa.