Consórcio entre militares, benefícios recebidos no âmbito do Exército e, até mesmo, a venda de um carro para o tenente-coronel Mauro Cid. Essas foram algumas das explicações dadas pelo sargento Luis Marcos dos Reis, integrante da equipe de Ajudância de Ordens de Bolsonaro, para justificar as movimentações atípicas identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O sargento Reis trabalhou diretamente com Mauro Cid e Jair Bolsonaro entre janeiro de 2019 e agosto de 2022. Análise feita pelo Coaf, em posse da CPMI, revela que, apesar de ter uma renda mensal de R$ 13,3 mil, o sargento movimentou em suas contas bancárias R$ 3,34 milhões entre 1º fevereiro do ano passado e 8 de maio deste ano.
Nessas transações, ele recebeu dezenas de depósitos e repassou quase a totalidade deles para outras contas – parte dos recursos foi para Mauro Cid.
A relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), acredita que essa movimentação volumosa de recursos possa levar às investigações aos financiadores da tentativa golpista. Dados em posse dos parlamentares apontam para repasses feitos pela empresa Cedro do Líbano Comércio de Madeira e Materiais para Construção para a conta do sargento.
A mesma empresa, conforme investigações da Polícia Federal, tem como sócio Vanderlei Cardoso de Barros, ex-auxiliar da Presidência no Palácio da Alvorada. A mesma empresa também tinha contratos com o governo Bolsonaro, como com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf).
“A Cedro do Líbano fez uma movimentação de mais de R$ 32 milhões entre 2020 e 2023. Segundo o Coaf, [a movimentação] é incompatível com o porte e a estrutura da empresa. E essa mesma empresa transfere entre o titular da empresa e a própria empresa o equivalente a R$ 74.280 para o senhor [Luis] dos Reis”, explicou a senadora.
A senadora também citou 11 transações feitas por TED e Doc no valor de R$ 550 mil feitas em outubro, novembro e dezembro de 2022. Eliziane questionou se o sargento conhecia o joalheiro Heitor Garcia dos Santos, que fez transações superiores a R$ 25 mil com Mauro Cid, e Adriano Alvez, ajudantes da Presidência.
Novamente, o sargento Reis apresentou explicações confusas e não apresentou os nomes dos envolvidos nas transações.
“No entorno da Ajudância de Ordens [de Bolsonaro] se vê uma série de movimentações absolutamente estranhas e atípicas. Esses integrantes faziam movimentações de posse do cartão corporativo do ex-presidente. Esse emaranhado de transações financeiras exige explicação, porque pode haver relação com o dinheiro que irrigou o 8 de janeiro”, reforçou a relatora.
Sargento admite participação em ato golpista
Durante o depoimento, o sargento Reis confirmou aos parlamentares ter participado das manifestações golpistas do dia 8 de janeiro na Esplanada dos Ministérios. Reis classificou a ida para a Esplanada como um caso “impensado” e disse ter ido para a manifestação após um convite feito pela esposa, por “curiosidade”.
“Não entrei dentro de nenhum lugar, não vi quebrando. Na hora que cheguei estava sob controle da polícia”, disse.
Apesar da suposta curiosidade do sargento, que disse ter ido até a rampa do Palácio do Planalto para fazer imagens, dados obtidos pela Polícia Federal mostram mensagens enviadas por ele para o tenente-coronel Mauro Cid cobrando uma “posição” e, até mesmo, a convocação dos “caras da reserva” para “nós entrar em ação [sic]”.
Além disso, o sargento também enviou para Mauro Cid informações sobre sua localização durante os atos dizendo estar “no meio da muvuca” e que “o bicho vai pegar”.
O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), destacou o fato de a participação do sargento nos atos antidemocráticos não ser o comportamento esperado de um integrante das Forças Armadas.
“O senhor participou de movimentos antidemocráticos. Um militar da ativa. Bolsonarismo é isto: nega a ciência, ovaciona torturador, fala que ali é a favor da liberdade de expressão, mas apoia ditadura, censura. Esse é o bolsonarismo, que fala que a terra é plana, que nega vacina à população, que matou 700 mil pessoas e enfia ivermectina na população”, elencou Contarato.
O sargento ainda confirmou uma visita ao acampamento bolsonarista em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, cerca de dois meses antes do ataque à Esplanada dos Ministérios. “Fui lá depois de um almoço um dia. Não sabia que era proibido ir. Fui para ver qual que era”, disse.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), está claro que a narrativa de negligência do atual governo não se sustenta diante do acúmulo de fatos que comprovam a trama bolsonarista. Além disso, o senador defendeu a aplicação de “punição exemplar” para membros das Forças Armadas que se alinharam e contribuíram para a tentativa de golpe militar.
“Aqueles que resistiram no Exército contra o golpe, meu respeito. Aqueles que se colocaram junto nessa aventura golpista, meu desprezo. Que a punição seja exemplar. Sem anistia para quem traiu a democracia e o Brasil”, enfatizou.
Pagamento feito a pedido de Bolsonaro
O sargento Luis Marcos dos Reis confirmou à CPMI a realização do pagamento de um boleto para a família de Bolsonaro, enquanto atuava na equipe do ex-presidente. Ao ser questionado sobre como esse pagamento foi feito por ele, o militar decidiu ficar em silêncio.
O militar havia negado a execução de pagamentos em nome do então presidente Jair Bolsonaro ou da ex-primeira-dama Michelle. Depois de ter confirmado o pagamento de uma mensalidade da filha de Bolsonaro, os parlamentares não obtiveram mais respostas sobre o tema.
Silêncio sobre fraudes nos cartões de vacina
Luis Marcos dos Reis foi preso em maio durante as investigações sobre um esquema de falsificação do cartão de vacinação do ex-presidente Bolsonaro. Questionado por diversos parlamentares sobre a questão, o sargento permaneceu em silêncio.
CPMI quebra sigilos da bolsonarista Carla Zambelli
Antes do início da oitiva do sargento Reis, a CPMI aprovou uma série de requerimentos. Entre eles, a reconvocação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid.
Os parlamentares também decidiram quebrar os sigilos fiscal, telefônico e telemático da deputada bolsonarista Carla Zambelli e de seu irmão, o deputado estadual Bruno Zambelli (SP).
Outros dois requerimentos aprovados quebram os sigilos fiscal, telefônico e telemático do coronel Antonio Aginaldo de Oliveira, marido de Zambelli, e de Renan Cesar Silva Goulart, motorista da deputada. De acordo com o hacker Walter Delgatti Neto, a deputada teria contratado seus serviços para que invadisse urnas eletrônicas e, assim, corroborasse a tese de que o processo eleitoral brasileiro é passível de fraude.