Os desafios e perspectivas da reforma do ensino médio estão em debate no Senado Federal sob a coordenação da senadora Teresa Leitão (PT-PE), que preside uma subcomissão destinada exclusivamente ao tema. Entre abril e julho, o colegiado realizará, pelo menos, sete audiências públicas para ouvir a sociedade sobre as lacunas e limites do novo modelo.
A Lei 13.415/2017 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei 9.394, de 1996) para gradualmente tornar integral o ensino médio, obrigar o uso de uma base curricular comum em todo o país, possibilitar ao aluno a escolha de certas áreas do conhecimento, entre outros pontos.
A reforma foi resultado da conversão em lei da Medida Provisória (MP) 746/2016, aprovada em 2017 pelo Senado. Mas apenas em 2022 a reforma passou a ser substancialmente implementada com a publicação de normas de outros órgãos, como o Ministério da Educação, que divulgou o cronograma nacional em 2021.
O colegiado ainda prevê a implementação de uma pesquisa, a ser realizada pelo DataSenado, e visitas dos parlamentares a escolas públicas de ensino médio.
De acordo com o plano de trabalho apresentado por Teresa Leitão, e aprovado pelo colegiado, o relatório final deve ser apresentado em julho — e sua votação na subcomissão está prevista para agosto.
Um dos problemas detectados pela senadora é o fato de os entes federados terem encontrado dificuldades na execução do novo modelo.
“Evidências conhecidas até aqui demonstram que não há engajamento, não há unidade de compreensão. Muitas lacunas precisam ser tratadas pelo Parlamento visando à construção de alternativas que se orientem pelo superior interesse dos estudantes, a quem o direito à educação precisa ser garantido”, apontou a Teresa Leitão, que também coordena o Setorial de Educação do Partido dos Trabalhadores.
Também foram detectados obstáculos para a ampliação da jornada, como a falta de correspondência com efetivas possibilidades de acesso a múltiplos conhecimentos e conteúdos curriculares nos chamados itinerários formativos.
Os itinerários formativos são o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher no ensino médio.
Os itinerários formativos podem se aprofundar nos conhecimentos de uma área do conhecimento (Matemáticas e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) e da formação técnica e profissional (FTP) ou mesmo nos conhecimentos de duas ou mais áreas e da FTP.
“Estão previstos itinerários, mas a escola não é obrigada a oferecer todos. O processo de frustração do estudante pode se dar logo quando ele percebe que ele pretendia seguir um itinerário, mas vai acabar fazendo o que tem disponível”, alerta Teresa.
Essas questões também têm aprofundado desigualdades entre os entes federativos que possuem distintas capacidades de implementação do novo modelo, a depender de recursos, capacidade técnica e de priorização.
“A educação é uma oportunidade de combater desigualdades. Os jovens da classe trabalhadora e os estudantes pobres precisam ter a chance de se tornarem dirigentes e não apenas dirigidos”, pontua a senadora.
O debate na Subcomissão
Logo no primeiro debate realizado pelo colegiado, no último dia 4, a senadora Teresa Leitão lembrou que a discussão em torno do novo Ensino Médio é resultado de como o governo Lula decidiu lidar com as opiniões favoráveis e contrárias ao novo modelo.
“Foi importante a resolução da equipe de transição [do governo] que ficou entre os dois polos: o ‘revoga já’ e o ‘revoga nunca’. E o caminho foi justamente a gente ter esse espaço de debate para análise, para crítica, e para, sobretudo, indicar novos caminhos da perspectiva de inclusão e combate à desigualdade, que são a base do governo Lula”, disse.
Na oportunidade, o diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Alexsandro do Nascimento Santos, sintetizou os pontos de concordância e discordância. Para o representante do MEC, três princípios da lei são corretos, mas possuem obstáculos.
“Não há divergências sobre expandir a jornada escolar. Todavia, estender o tempo sem pensar na qualidade pode ser problema sério: pode produzir evasão [de alunos]. O segundo princípio [correto] é a flexibilidade curricular. Todavia, o MEC se esquivou de coordenar esse processo e as desigualdades produzem efeitos naquilo que cada estado pode fazer. O terceiro princípio é a ideia de que a formação profissional deva estar no ensino médio não de maneira compulsória, mas na perspectiva do direito”, disse.
Já o secretário de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino (Sase) do MEC, Mauricio Holanda Maia, observou a sensibilidade da questão.
“Reforma, revogação ou aperfeiçoamento do ensino é um tema muito sensível hoje. É uma das reformas mais difíceis de se fazer. Quero legitimar a posição de quem defende revogação, pois eu vejo que há motivos legítimos. Mas quero também legitimar posição mais cautelosa. Ao revogar uma lei, não se estabelece de imediato o dispositivo anterior”, alertou Maurício.
Ele ainda explicou a consulta pública realizada pelo MEC para ouvir a sociedade e especialistas com o objetivo de subsidiar futuras decisões da pasta sobre o assunto. Segundo Maurício, a consulta atende a 12 estratégias que incluem realização de seminários, oficinas com famílias e pesquisa aberta ao público na plataforma Participa Mais Brasil. Iniciada em março, a consulta terá duração de 90 dias, prorrogável por igual período.
O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel Palacios da Cunha e Melo, disse que a falta de detalhes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) — documento que estabelece conhecimentos esperados de todos os estudantes — e o foco na escolha do futuro profissional do estudante prejudicam avaliação adequada no Enem.
“Há uma série de documentos produzidos pelo MEC que lidam com a ideia de que o jovem deve fazer o teste orientado para suas escolhas na sua educação superior. Não faz sentido você solicitar ao jovem que aos 15 anos decida qual o curso. Por que o curso de engenharia só tem que ter estudantes que fizeram certa trajetória específica no ensino médio?”, questionou Manuel.
A próxima audiência da Subcomissão está marcada para a próxima quarta-feira (17), às 14h. Na oportunidade serão ouvidos Luiz Roberto Liza Curi, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE); Ricardo Tonassi Souto, presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede); Maria Luiza Süssekind Veríssimo Cinelli, vice-presidente Sudeste da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd); e Luiz Fernandes Dourado, diretor de Intercâmbio Institucional da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae).
Preocupação com as desigualdades
Em visita ao Senado para participar de audiência pública realizada no último dia 2, o ministro da Educação, Camilo Santana, foi categórico ao afirmar que o novo Ensino Médio não pode ampliar desigualdades.
Segundo Camilo, pela incompetência do governo anterior, a implementação do novo Ensino Médio do Brasil ocorre atualmente apenas por ação de governadores e prefeitos. Por isso, houve “prejuízos enormes” nos últimos anos, especialmente no ensino fundamental.
“[Os secretários e secretárias de Educação] querem apoio técnico por parte do MEC, que infelizmente foi ausente nos últimos anos em relação às políticas educacionais deste país”, disse.
Outra preocupação do ministro é com a possibilidade de prejudicar os alunos nas avaliações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sem que o aluno tenha o devido acesso aos itinerários formativos.
“Como é que posso pegar um aluno que não teve os devidos itinerários cumpridos na escola e compará-lo com outro que estudou com todas as condições? Essa é uma das questões de desigualdade que estão sendo discutidas em relação ao novo ensino médio”, explicou, na oportunidade.
“Para ter novo itinerário, precisa ter laboratório, melhorar estrutura da escola. Ao tomar qualquer decisão, não podemos prejudicar os jovens que estão no ensino médio”, acrescentou.
Como foi construído o novo Ensino Médio
O processo de construção e encaminhamento legal foi feito logo após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A chamada reforma do Ensino Médio foi feita por Medida Provisória. A alteração foi realizada em período de forte instabilidade política e a escolha do instrumento gerou ampla resistência nacional com fortes questionamentos sobre a legitimidade e a adequação do texto legal. Uma das pautas das ocupações das escolas, entre 2016 e 2017, foi a reforma do Ensino Médio.
A última gestão do Ministério de Educação é de inconteste instabilidade dirigente, indisposição ao diálogo federativo e incapacidade de coordenação de qualquer agenda estruturante para a educação brasileira. Os quatros anos de gestão Bolsonaro são incompatíveis com a implementação de uma reforma educacional tão complexa, que exige qualidade, sustentação e engajamento. Ao contrário, o cenário observado, em todo Brasil, foi de redução da participação da comunidade escolar.
A pandemia da Covid-19 soma-se ao cenário de instabilidade política e má gestão. A crise sanitária foi grande barreira para que o diálogo democrático entre gestores, trabalhadores em educação, estudantes e seus familiares ocorresse de modo a que todas as pessoas envolvidas participassem com qualidade e pudessem ter acesso ao conjunto de mudanças iniciado em 2016. Todos os processos educacionais do período foram prejudicados, incluindo a implementação do novo Ensino Médio, além do aumento do abandono e da evasão escolar, especialmente fortes na etapa de ensino.