“Aníbal Diniz: Somos segregacionistas”

Sinto-me honrado de participar desta sessão em comemoração ao Dia da Consciência Negra, em homenagem de um grande líder negro brasileiro o escritor, dramaturgo, ex-Deputado e ex-Senador Abdias do Nascimento, em homenagem ao Dia de Zumbi dos Palmares e também
e também ao Ano Internacional dos Afrodescendentes e ainda o primeiro ano de vigência do Estatuto da Igualdade Racial, aprovado pelo Congresso brasileiro, que teve como resultado toda essa mobilização, esse esforço do qual o Senador Paim é um ativista incansável.
Eu quero aqui dar o meu testemunho e dizer que me sinto absolutamente honrado em fazer parte desta legislatura e ter Senadores da qualidade do Senador Paim, do Senador Suplicy, da Senadora Lídice da Mata, para a gente poder aprender muito de política e de construção de uma igualdade racial no Brasil.
Quero ainda prestar homenagem à Fundação Palmares, criada a partir de uma reivindicação do Movimento Negro para estimular, no debate político, a necessidade do combate ao racismo e em favor da promoção da igualdade racial.
Considero de extrema importância participar hoje desta sessão de histórica e repleta de significados. É para mim uma grande alegria ter-me associado ao Senador Paulo Paim e à Senadora Lídice da Mata na propositura de requerimento para que, nesta ocasião, homenageássemos também o Ano Internacional dos Afrodescendentes.
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas proclamou o ano de 2011 como Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, com o objetivo de estimular as ações concretas para que as populações negras possam usufruir plenamente de direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos. E tivemos eventos determinantes cujos impactos deverão marcar os próximos anos.
Ao instituir o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, a Organização das Nações Unidas reconheceu que as pessoas de ascendência africana representam um setor da sociedade cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos.
De fato, as pessoas de ascendência africana são reconhecidas pela comunidade internacional como as que permanecem sofrendo a discriminação como um legado histórico e perverso do comércio transatlântico de escravos. Mesmo aqueles que não são descendentes diretos dos escravos enfrentam ainda hoje o racismo e a discriminação.
Estima-se que 150 milhões de pessoas que se identificam como sendo de ascendência africana vivam na América Latina e no Caribe. De acordo com o Censo nacional brasileiro de 2010, mais da metade do povo brasileiro declara-se negro.

O Brasil é o maior país negro fora da África. São noventa milhões de afrodescendentes declarados vivendo em nosso território, enriquecendo a nossa cultura, contribuindo com o seu trabalho para o progresso e a grandeza do País. E vale a pena ressaltar dois aspectos muito importantes: mesmo sendo a maioria da população brasileira, a participação dos negros nas funções políticas do nosso País é muito restrita. Também nos nossos tribunais e nos nossos organismos de decisão mais importantes do Brasil, a participação dos negros ainda é muito restrita. Vale a pena ressaltar que, nos Estados Unidos, com a participação de apenas 18% da população negra, ocorre uma presença muito maior do negro nos espaços de decisão. Por isso, nós estamos a dever muito à população negra e afrodescendente aqui, no Brasil. Podemos afirmar, sem exagero, que ainda vivemos, apesar do Estatuto da Igualdade Racial, num regime de segregação racial. Somos, infelizmente, segregacionistas do ponto de vista da participação negra nos espaços de decisão em nosso País, e precisamos refletir profundamente sobre como fazer para mudar essa realidade.
Embora sejamos um país de cor, multicolorido, multirracial, sabemos que, mesmo com os importantes avanços alcançados em favor da igualdade racial, ainda temos muito mais a fazer na luta contra a discriminação e o preconceito que perduram em nossa sociedade. As desigualdades ainda são gritantes, e os afrodescendentes são os que mais sofrem com a pobreza e o desemprego. De acordo com o último Censo de 2010, por exemplo, os rendimentos médios mensais dos brancos são em torno de R$1.500,00, aproximando-se do dobro do valor recebido pelos negros que é, em média, R$800,00.
Em relação à educação, o quadro não é diferente. Enquanto entre os negros ,de quinze anos de idade ou mais, a taxa de analfabetismo é 14,4%, entre os brancos, essa taxa é em torno de 6%. Essa é uma realidade que precisa mudar.
Quero destacar que, nesses últimos dias, como prova de que a luta contra a intolerância e o racismo toma cada dia mais relevância, a cidade de Salvador, a cidade que tem a maior população de afrodescendentes fora da África, sediou, durante quatro dias, um monumental evento que discutiu e celebrou o Afro XXI, o Encontro Ibero-americano dos Povos Afrodescendentes.
O Afro-21 reuniu 12 Chefes de Estado, inclusive nossa Presidenta Dilma Rousseff, em debates sobre o combate ao racismo, a xenofobia, a discriminação e a intolerância raciais.
Foram reuniões importantes com a presença de gestores públicos, representantes de organizações da sociedade civil, artistas e pesquisadores envolvidos com a questão racial. Desse encontro entre representantes da sociedade civil ibero-americana, caribenha e africana foram construídas propostas que contribuíram para a assinatura da Carta de Salvador, uma agenda para assegurar a inclusão plena de dezena de milhões de cidadãos e cidadãs afrodescendentes. O Afro-21 foi um evento de celebração pela maturidade do movimento social de luta pela igualdade, mas também um momento de reflexão sobre o futuro.
No discurso de encerramento do Encontro Ibero-Americano, em Salvador, nossa Presidenta Dilma Rousseff lembrou que o Brasil, faz 123 anos, pôs fim institucional à escravidão, um período em que a herança mais dramática foi a crença de que era possível que o País pudesse crescer e se desenvolver, como Nação próspera, sem inclusão social, sem distribuição de renda, sem considerar o conjunto de sua população.
Foi justamente contra esse modelo mental arcaico, atrasado, perverso, que tivemos a contribuição importante do ex-Presidente Lula, a quem rendo todas as homenagens, porque foi o governo mais includente que tivemos na história de nosso País. Lula deu uma grande contribuição ao criar mecanismos de inclusão, mantidos e ampliados pelo atual Governo de nossa Presidenta Dilma Rousseff.
No Brasil, nos últimos oito anos, conseguimos avanços na inserção socioeconômica da população negra, graças à inclusão dos temas da igualdade racial no debate público e na agenda governamental.
Tivemos a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2003, com o objetivo de combater o racismo e promover ações afirmativas pela igualdade racial, a obrigatoriedade do ensino da cultura negra e indígena nas escolas, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial – que é outro marco fundamental –, o Programa de Atenção à Saúde dos Negros e o Programa Universidade para Todos.
Temos ainda as ações voltadas para as comunidades quilombolas e o sistema de cotas das universidades públicas, federais, brasileiras. Vale ressaltar, inclusive,
Vale ressaltar, inclusive, que há quem se oponha a esse regime de cotas ainda no Brasil, dizendo que o que tem que valer é a meritocracia. Acontece que nós temos uma discriminação tão perversa que coloca a população mais pobre, inclusive, impedida de disputar em igualdade de condições com os demais. Por isso, a gente defende sim e vai continuar defendendo a importância dessa política de cotas para assegurar que em toda universidade pública brasileira tenha sim assegurada a presença do negro, que é o mais pobre e o mais discriminado no nosso País.
Na base dessas mudanças temos de destacar as ações permanentes de organizações do movimento negro e os inúmeros agentes da manutenção e recriação de valores culturais que têm garantido a continuidade de ações para a igualdade racial. Mas sabemos que temos de avançar muito mais, reforçar as políticas públicas de inclusão, as ações de saúde da mulher e o combate à pobreza. Aqui defendo, em especial, o cuidado com o jovem afrodescendente, esse segmento fundamental da nossa sociedade. É nesse contexto de defesa do jovem afrodescendente que quero destacar as informações que foram divulgadas na última sexta-feira, em Salvador, num evento paralelo ao Afro XXI.
Esses dados são fruto de uma pesquisa do Fundo de População das Nações Unidas, a Unfpa, que é uma agência da Organização das Nações Unidas, que lançou em Salvador um relatório sobre a juventude afrodescendente da América Latina. Esse relatório é o primeiro a apresentar um panorama regional das dinâmicas populacionais dos jovens e das jovens afrodescendentes, tanto em termos demográficos, como de distribuição territorial. Esse documento revela que, infelizmente, os jovens e as jovens afrodescendentes da América Latina e do Caribe são um dos grupos populacionais que enfrentam as maiores desvantagens, exclusão e discriminação.
Apenas na América Latina a juventude afrodescendente representa mais de 24 milhões de pessoas, de um total estimado em mais de 81 milhões de afrodescendentes. O relatório da Unfpa mostra que quase metade da juventude brasileira tem ascendência africana, mas a origem desses jovens no Continente Latino-Americano é causa de discriminação e exclusão socioeconômica e resulta em baixos índices de saúde, educação e emprego.
Da América Latina, o Brasil é o país com maior população de jovens adrodescendentes, são mais de 22,5 milhões de pessoas, o que representa 47,3% do nosso total de jovens.
Isso nos torna o país que reúne a maior quantidade de jovens afrodescendentes, tanto em termos relativos, como absolutos. Então, precisamos ter um olhar diferenciado para os nossos jovens.
A desigualdade que caracteriza a América Latina se reflete, também, na juventude afrodescendente, que sofre uma tripla exclusão: étnico-racial, por ser afrodescendente; de classe, por ser pobre; e geracional, por ser jovem.
Os dados do relatório do UNFPA apontam, ainda, a existência de diferenças na implementação dos direitos de saúde reprodutiva entre as jovens mulheres afrodescendentes, já que a maternidade em idade precoce é tanto ou mais elevada entre elas que entre as demais jovens.
Essa é a realidade mundial que temos de mudar, principalmente na nossa América Latina. Também é uma realidade que trabalhamos para mudar.
Nos últimos anos, temos tido a felicidade de contar com maior visibilidade dos anseios e demandas da comunidade afrodescendente, graças ao aumento das organizações e das articulações afrodescendentes que defendem seus direitos.
No ano passado, entrou em vigor, no Brasil, o Estatuto da Igualdade Racial.
Esse é um instrumento importantíssimo, Senador Paim, para erradicarmos todas as formas de discriminação contra os afrodescendentes e promovermos o respeito à diversidade de nossa herança cultural. V. Exª sabe disso mais do que ninguém, já que trabalhou com afinco, durante anos a fio, para ver implementada essa lei.
Não resta dúvida de que o Estatuto da Igualdade Racial representa um marco na defesa dos direitos dos negros no Brasil. Essa defesa permanece como o marco da nossa luta, de ontem e de hoje, para construir a verdadeira igualdade racial na sociedade brasileira, que só vai acontecer, de fato, quando tivermos autoridades em todas as instituições, em todos os segmentos de poder da nossa sociedade com representação negra, para mostrar que o País é, verdadeiramente, respeitador da diversidade racial.
Eu agradeço a oportunidade e externo a minha solidariedade a esse povo afrodescendente para o qual temos tanto o que fazer para reparar a nossa dívida histórica.
Muito obrigado e aceitem esta minha solidariedade.

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