A Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), recebeu nesta quarta-feira (16) o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres. O órgão e seus servidores têm sido alvo de ataques recorrentes após ataques de Bolsonaro à Anvisa por autorizar a vacinação contra a Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos de idade.
Barra Torres relatou aos senadores que a agência havia recebido apenas três ameaças até 16 de dezembro de 2021, quando foram aprovados os imunizantes para a vacinação infantil. Na mesma data, Bolsonaro cobrou, numa transmissão ao vivo nas redes sociais, os nomes dos servidores que participaram da decisão.
Desde então, a Anvisa recebeu 458 mensagens eletrônicas contendo ameaças aos servidores do órgão. De acordo com Barra Torres, as mensagens têm sido enviadas à Polícia Federal, ao Supremo Tribunal Federal, Gabinete de Segurança Institucional, Procuradoria-Geral da República e Ministério da Justiça.
“Me parece muito claro o sentido que o presidente quis dar [ao cobrar nomes de servidores da Anvisa]. Como se o ofício de um servidor concursado da Anvisa tivesse provocado uma contrariedade, algo nocivo no entendimento das pessoas. E seria justo revelar que pessoas seriam essas. Nas 48 horas após a live, o número de ameaças saltou de três para 124”, destacou. “No ambiente da Anvisa, existem hoje uma insegurança e uma tensão desnecessárias”, criticou.
Críticas à prática off label como política pública de saúde
O diretor-presidente da Anvisa foi questionado pelos senadores acerca de nota técnica, emitida pelo Ministério da Saúde, que indica o uso da hidroxicloroquina no tratamento contra Covid-19 como efetivo e seguro. A nota ainda aponta que o mesmo não pode ser dito sobre as vacinas.
Barra Torres explicou que a Anvisa não participou da confecção da nota. E criticou a tentativa do governo Bolsonaro de dar uma conotação política à prática chamada de off label – quando um medicamento é prescrito para situações não previstas em sua bula.
“A prática off label prevê a particularização do caso, a decisão médica em função daquele paciente, daquele indivíduo. Ela existe e é antiga. Mas causa uma certa preocupação, uma certa perplexidade que isso possa ganhar uma conotação de uma política pública que, portanto, é abrangente. Não consigo vislumbrar uma razoabilidade nisso”, criticou.
O senador Humberto Costa criticou a omissão do Conselho Federal de Medicina (CFM) diante de posições negacionistas de profissionais médicos ao longo da pandemia. Humberto citou, como exemplo, sessão ocorrida no plenário do Senado, na última segunda-feira (14), em foram vistas diversas manifestações negacionistas. A médica Roberta Lacerda chegou a afirmar que a imunização aumenta as chances de sequelas cardiológicas e oncológicas.
“Eu insisti muito na CPI da Covid sobre a omissão completa por parte do CFM no processo da pandemia. Ouvir uma profissional da área de medicina dizer absurdos e afirmações criminosas, a partir dessa sessão macabra que ocorreu no plenário, reforça a incompetência e a irresponsabilidade do CFM. Lamento profundamente”, disse o senador.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), vice-presidente da CDH, também lamentou o fato de o Senado abrigar o discurso negacionista numa sessão do plenário e lembrou que o presidente Bolsonaro, ao invés de usar o governo para criar mecanismos de desacelerar a contaminação dos brasileiros, sempre fomentou o discurso negacionista junto a população.
“Enquanto cidadão, nunca vi o presidente percorrendo hospitais públicos e se solidarizando com as vítimas. Nunca vi o presidente pedindo para as pessoas se vacinarem. Pelo contrário, ele participava de motociatas e acreditava na imunidade de rebanho. Não tenho dúvida que a personalidade do presidente é totalmente voltada para o crime. Ele agiu de forma cruel e leviana violando o principal bem jurídico: a vida”, apontou.
“Se há mortes evitáveis, há culpa a atribuir”, destacou a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), lembrando que o Brasil já ultrapassou 630 mil mortes causadas pela Covid-19.
Anvisa reforça ineficácia do ‘Kit Covid’
O diretor-presidente da Anvisa ainda chamou atenção para o fato de nenhuma das empresas fabricantes dos remédios amplamente defendidos por defensores do governo Bolsonaro, o chamado ‘Kit Covid’, solicitou à Anvisa que a bula fosse alterada para esse fim.
“Até a presente data, nenhuma empresa de farmácia e laboratório que detém registro dos medicamentos hidroxicloroquina e outros, como ivermectina e nitazoxanida, solicitou mudança de bula para inclusão do uso na Covid-19. Se tivessem registro de qualidade, segurança e eficácia desses medicamentos para Covid-19, obviamente, fariam o pedido de alteração”, apontou. “Teriam possibilidade de ampliar o faturamento de forma colossal”, completou.
Diferentemente, os imunobiológicos e os desenvolvedores das vacinas, destacou Barra Tores, apresentaram seus dossiês no Brasil e no mundo. “São situações que não se misturam, totalmente diferentes”, disse.
Defesa da vacinação infantil
Barra Torres fez uma defesa enfática da necessidade de vacinar as crianças brasileiras e afirmou que a Anvisa não fez nada diferente dos outros 44 países que liberam a imunização infantil contra a Covid-19.
No Brasil, de acordo com dados apresentados pelo representante da Anvisa, aproximadamente 16% de crianças entre 5 e 11 anos estão imunizadas. No Chile, esse índice chega a 66,6%; e, na Argentina, 76%. Nos Estados Unidos, 31%. Austrália 46,4%; Itália 34,4% e Canadá 54,6%.
“Nosso país caminha em passos lentos [na vacinação infantil]. Não temos nenhum registro de óbito, em nenhum lugar do mundo, nesta faixa etária. E os eventos adversos têm sido pontuados, principalmente, por divulgadores de fake News”, destacou Barra Torres. “O número de crianças mortas por Covid-19, no Brasil, é maior do que o número de mortes de crianças por outras doenças evitáveis. A Covid-19 em crianças é muito perigosa, muito letal”, alertou.
Segundo Barra Torres, a sociedade tem dificuldade em se sensibilizar com a quantidade de óbitos diários provocados pela Covid-19 porque as mortes causadas pelo vírus ocorrem de forma silenciosa.
“A pandemia não acabou e infelizmente damos ouvido a essas colocações [falsas sobre vacinas]. O que tem de complicado na mortalidade da pandemia? É que ela ocorre de maneira silenciosa. Quantos aviões estão caindo, hoje, no Brasil por Covid-19? Um avião de uso doméstico leva em torno de 200 pessoas. Tenho um levantamento dos últimos 15 dias, dá um total de 12.551 mortes. Se dividirmos por 200, dá aproximadamente 63 aviões que caíram em território nacional nos últimos 15 dias, dá uma média de quatro aviões por dia. A morte por Covid entra nessa estatística e não nos damos conta que são aviões caindo todos os dias. É razoável divulgar que a pandemia está acabando?”, questionou.