Direitos Humanos

Aos 75 anos da Declaração dos Direitos Humanos, debatedores pedem reparação pela escravidão

Em audiência pública presidida pelo senador Paulo Paim, especialistas afirmaram que o Brasil se constitui como uma nação que tem o racismo como principal base ideológica, sistematizando uma série de violações de direitos humanos

Agência Senado

Aos 75 anos da Declaração dos Direitos Humanos, debatedores pedem reparação pela escravidão

Paulo Paim, que presidiu a audiência da CDH, apresentou dados relacionados à pobreza e à desigualdade racial

Na véspera da comemoração dos 75 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), data a ser celebrada no próximo domingo (10/12), especialistas e senadores disseram que o Brasil precisa priorizar, entre outras ações, a reparação histórica da escravidão, a educação das relações étnico-raciais e o combate à fome como ferramentas para a promoção da justiça social no país. Eles participaram de audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta quinta-feira (7/12).

Na avaliação dos debatedores, o Brasil se constitui como nação que tem o racismo como principal base ideológica, sistematizando uma série de violações de direitos humanos que atingem, de forma muito mais expressiva, a população negra. 

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do requerimento para a realização da audiência pública, é preciso que a sociedade brasileira incorpore os entendimentos das convenções internacionais de direitos humanos. Na sua visão, os entendimentos do documento das Nações Unidas devem prevalecer para não se permitir “uma ideia de desenvolvimento excludente”.

“No Brasil, a polícia mata 18 pessoas por dia, a grande maioria composta por jovens negros. Uma mulher é vítima de feminicídio a cada seis horas. Apenas nos três primeiros meses deste ano resgataram-se mais de mil pessoas vítima do trabalho escravo no Brasil”, exemplificou o senador.

Com um preâmbulo e 30 artigos que tratam de questões como a liberdade, a igualdade, a dignidade, a alimentação, a moradia e o ensino, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecida no pós-guerra, em 1948, é o documento mais traduzido no mundo — já alcança 500 idiomas e dialetos. Tanto que inspirou outros documentos internacionais e sistemas com o mesmo fim, como a própria Constituição brasileira que quando assinalada estabeleceu a “prevalência dos direitos humanos”.

A coordenadora da Memória e Verdade da Escravidão do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Fernanda Nascimento Thomaz, afirmou que o Brasil precisa olhar para as injustiças que estão associadas a violação dos direitos humanos no sentido da reparação, principalmente no social.  

Ela avaliou que, diferentemente de outras nações, o Brasil centrou o debate mais em ações afirmativas do que na reparação de direitos. Desse modo, defendeu o reconhecimento desse processo violado para por fim a “uma política de estado do apagamento”, que leva, segundo ela, à falta de justiça social.

“Mas, sinceramente, no Brasil, a maior dificuldade de a gente entrar num debate sobre reparação é a dificuldade de pensar em reconhecimento. E pensando em reconhecimento é uma sociedade em que o apagamento faz parte da nossa construção histórica. O apagamento seja da violência da escravidão, seja o apagamento da violência do próprio racismo”, argumentou.

A defesa foi reforçada pelo vice-presidente da Comissão da Verdade na Ordem dos Advogados do Brasil e presidente da OAB do Rio de Janeiro, Humberto Adami Santos Júnior. Ele, inclusive, pediu apoio do Senado no sentido de avançar na proposta de criação de um museu nacional da reparação da escravidão e na instalação de uma subcomissão, no âmbito do Congresso Nacional, que trate sobre o tema. 

“Então trabalhar a reparação também em pequenas reparações locais é uma estratégia, porque várias pequenas reparações são um conjunto formidável de reparação”, acrescentou.

Educação 

Questionados por participantes que enviaram perguntas pelo e-Cidadania e queriam saber sobre os principais desafios para manutenção e avanço dos direitos humanos, os especialistas foram unânimes em afirmar que a educação é o caminho mais eficaz. 

No entanto, segundo a pesquisadora associada à Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) Cândida Soares da Costa, é preciso garantir que todos tenham acesso ao que realmente ocorreu no processo histórico brasileiro. Avançar no combate ao racismo, conforme avaliou, passa por uma política pública que impulsione o debate sobre a necessidade da educação das relações étnico-raciais capaz de contribuir com a promoção do reconhecimento e valorização da população negra. 

“Sem a educação das relações étnico-raciais dificilmente poderemos atingir o objetivo de contribuir com as epistemologias capazes de fazer frente ao etnocentrismo, ao eurocentrismo, ao racismo e ao epistemicídio. Vivemos num país cuja sociedade se orgulha de ser cristã, acolhedora, solidária. Com toda razão, não se pode negar que seja. Porém o contrassenso está no fato de que essa mesma sociedade, cujas raízes se ancoram na violência, naturalizou a exploração, a insensibilidade à vulnerabilidade e a desumanização de grande parte da população ao ponto de desconsiderar a humanidade para além de si”, observou. 

Professora de história da Universidade Federal de Santa Catarina, Beatriz Gallotti Mamigonian também pregou a democratização do conhecimento, compreendida como uma ferramenta para avançar no sentido da reparação histórica. Ela citou como exemplo o desconhecimento por grande parte da população de que 926 mil africanos desembarcaram no Brasil já após a proibição do tráfico de escravos, sendo mantidos como propriedade.

“A gente precisa considerar que a ilegalidade do tráfico, que faz parte da nossa necessidade de reconhecimento das graves violações de direitos humanos que foram cometidas no período da escravidão, e que continuam, a gente precisa aprofundar a pesquisa sobre todas essas histórias, que são dolorosas, mas constitutivas da nossa sociedade”, disse.

Ciclo intergeracional 

Para o pesquisador do DataSenado José Henrique de Oliveira Varanda, alcançar justiça social no Brasil e quebrar o ciclo intergeracional do racismo estrutural e da fome só será possível se o país avançar na formulação de políticas públicas que visem a universalização da educação de qualidade e garanta segurança alimentar para essa população vulnerável. De acordo com pesquisa feita pelo próprio órgão, a distribuição da fome e da pobreza no país é relacionada a raça e gênero. 

O Panorama da Insegurança Alimentar no Brasil, em 2018, pela escala Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), mais de 25 milhões de domicílios estavam com algum nível de insegurança alimentar. Entre eles, ressaltou Varanda, em mais de 3 milhões de domicílios as famílias passavam fome. 

Ele observou que a fome no Brasil é distribuída regionalmente de forma desigual. Enquanto mais de 60% da população de Maranhão, Amazonas e Pará experimentaram algum nível de insegurança alimentar em 2018, menos de 20% da população da Região Sul teve a mesma experiência, ainda que também sejam números muito altos. 

Em outra frente, pesquisa realizada pelo DataSenado, em agosto deste ano, em atenção ao Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial (3 de julho), indicou que 94% dos internautas concordam que a escola tem um papel importante na promoção da igualdade racial, enquanto que 89% concordam com a inclusão do combate ao racismo nos currículos escolares.

“Então, talvez, nesse processo de reparação, de estruturação para a gente combater esse problema, a gente tenha que enfrentar as famílias que têm nível de ensino, de escolaridade baixa. Porque é estrutural, é algo que acompanha nossa memória e não é só dá uma escola de qualidade ou acesso, talvez a gente tenha que dá a melhor escola. A gente tem que realmente resgatar essas pessoas e fazer algo além”, .

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